sexta-feira, julho 15, 2011

Pela ressurreição da Sagrada Aliança

Alphonse van Worden - 1750 AD

Diletos irmãos d'armas: e com indizível gáudio que vos apresento este mirífico pedaço d'escrita, de lavra de meus áticos confrades ARRS e Gabriel Schmitt.


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Pelo ressurreição da Sagrada Aliança






A maioria das coisas que vemos são, em verdade, o reverso do que aparentam. O individuo movido por idéias nobres hoje é alvo de escárnio, jamais de louvor. O consumo desenfreado; a boçalidade coletiva deliberadamente planejada; o imperativo de saber cada vez mais sobre menos coisas: eis os três eixos da sociedade contemporânea.

Se todo o Universo coubesse num grão de ervilha, a mente do homem moderno seria uma molécula desse grão. O ‘funcionalismo’ que impera em nossos dias pode ser muito confortável; afinal, não pensar em nada é cômodo. É a era do escapismo em massa. O Século XXI constitui, sob todos os aspectos, o apogeu desse nefasto processo. A sociedade atual é uma eterna fuga de si mesma, porque não mais se reconhece.

Para aqueles que têm fome do absoluto entranhada em seu âmago, todavia, isso não é suficiente. Pois se a razão por vezes logra explicar processos e dinâmicas do Homem, é sempre um impulso inefável, inexorável e fatal que os engendra.

O reino crepuscular do ceticismo, toda a pompa e circunstancia tão característica da mentalidade cientificista do Ocidente contemporâneo, caminham na direção oposta de nossos mais caros anseios: o reencantamento do mundo sob a égide do Mito e da Mística.

Não obstante, a revolta contra os descaminhos da modernidade, os frutos da hidra iluminista é, nos dias que correm, pouco mais que a flébil luz d’uma vela num aposento escuro.

Mas este lume, confrades, é o archote que nos resta contra as trevas da modernidade, ‘inda que grande parte da Humanidade tenha optado pelas sendas da escuridão. Eis o mundo gestado pelo Iluminismo, a cosmovisão que pugnava pelo esclarecimento através dos ditames da razão, mas que, ao fim e ao cabo, conduziu-nos a um orco cinéreo, onde multidões vagueiam sem rumo ou propósito.

Alguns poucos, no entanto, tentam buscar janelas nesse ominoso aposento e, para sua grata surpresa, elas estavam ali todo o tempo. Pois além da masmorra descortina-se a fímbria do Sol no horizonte.

A razão científica descreve o Sol como ente natural, uma estrela que tem a função a de iluminar e aquecer nosso planeta, assim permitindo a manutenção da vida existente. Trata-se d’algo comprovado empiricamente.

O mito, contudo, vai além, pois não somente compreende, mas também ACREDITA no Sol como símbolo magno do Primo Mobile, Pater Omnis Telesmi, Gloriam Totius Mundi.

A razão questiona; a fé convicta, não obstante, está sempre um passo além de qualquer questionamento, por uma razão muito simples: ela não tem necessidade de formular a questão. Consoante sabiamente afirma Carl Schmitt:


“Não há cadeia de argumentação lógica capaz de resistir à força de imagens míticas, primordiais.”


Mito que tanto pode ser compreendido como potência divina quanto, recuperando aqui uma expressão de Georges Sorel, 'profecia auto-realizável', no sentido de não depender de fatores transcendentes para ser levado a efeito. Vale frisar, aliás, que um insigne pensador de orientação marxista como, por exemplo, o peruano José Carlos Mariátegui, não apenas subscreve a concepção soreliana, mas também acaba por conferir-lhe caráter ainda mais radical, enfatizando decisivamente a profunda emoção messiânica inerente a qualquer processo revolucionário.

Assim sendo, contemplamos hoje um planeta cindido entre duas cosmovisões antagônicas e irreconciliáveis: a Objetivista e a Messiânica. Uma é funcionalista e pragmática; a outra, mística e poética.

O Objetivista, mesmerizado pelo dimensão contábil e pelo horizonte do visível, ou atenta somente para a esfera de seus interesses, perdendo, destarte, a visão do conjunto; ou então, agrilhoado à rigidez dos processos lógicos, compreende os Meios, mas nunca os Fins.

O Messiânico, por sua vez, não carece de evidências ou relações de causa / efeito para sustentar suas crenças, pois vive sob o império de convicções lastreadas por tradições milenares e não há, como salientamos antes, argumento que não possa ser desacreditado pela força da Fé, e muito menos alegações racionais capazes de obliterar o poder do Mito.

Não somos contra o avanço da humanidade, mas sim contra o avanço cego, hipnotizado pela miragem do ‘Reino da Quantidade’; afinal, já sublinhava Roger Bacon, o excelso Doctor Mirabilis:


“O plano divino passará um dia para a ciência das máquinas, que é magia natural e santa.” 


Devemos, não obstante, permanecer atentos às perigosas ilusões do credo positivista: aquilo que amiúde nos é apontado como ‘progresso’ nada mais é que retrocesso.

Não marcharemos, portanto, de olhos vendados em direção ao abismo. O progresso material do ser humano é tão somente um instrumento, jamais um fim em si mesmo; analogamente, que é a argumentação racional senão uma casca vazia quando destituída de convicção? O valor maior deve subjugar o valor menor. Sem a presença ativa, heurística, das tradições espirituais como centros de gravidade da vida social, não há esperança para a humanidade.

Somos, pois, pensadores, revolucionários, poetas, místicos e guerreiros que não se prosternarão parente o deus Mammon, tampouco à tribulação febril da Modernidade. O homem carece de Mito e Mística, de impulso criativo, de arrebatamento lírico e fervor messiânico frente à tirania da razão. Os parâmetros da sociedade contemporânea não atendem a nossos desígnios. É nosso dever resgatar a Humanidade do pesadelo iluminista, romper com a ‘Sociedade Aberta’, retomar as tradições da comunidade orgânica e integrada.

A instrumentalização mercantil das relações humanas; a busca desenfreada pelo progresso material; o primado do saber desvinculado de elevação espiritual, eis os grandes males que enfermam o mundo. Como frisa Novalis:


“O ódio à Religião (...) transforma a música do universo, infinita e criadora, em um matraquear uniforme de um moinho monstruoso que é impulsionado pela tempestade do acaso e, nadando sobre ela, é um moinho em si, sem arquiteto ou moleiro, e na verdade um autêntico perpetuum mobile, um moinho que mói a si mesmo.”


Peregrinando solenemente pela alvorada dos milagres cruéis no campo de batalha, noite adentro celebrando Mitos e Tradições no altar da Fé, pugnaremos pela harmonia perdida da Societas Christiana, capaz de assegurar a reconciliação do Homem decaído com seu destino transcendente. Para tanto, há que restaurar a sagrada aliança entre o Poder Temporal e o Espiritual Por isso temos como insígnia a CRUZ – a lux perpetua da autoridade espiritual, sob o ínclito concento dos Eleitos - e a ESPADA – a ingente força do poder temporal, encarnado na figura daquele cuja ação é iluminada pelo Altíssimo.

Trata-se, enfim, da indissolúvel unidade entre o Espírito de Deus e o Poder do Soberano:


“Nada havendo de maior sobre a Terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos, e sendo por Ele estabelecidos como seus representantes para governar os outros homens, é necessário lembrar-se de sua qualidade, a fim de respeitar-lhes e reverenciar-lhes a majestade com toda a obediência, a fim de sentir e falar deles com toda a honra, pois quem desacata seu príncipe soberano, ofende a Deus, de Quem ele é a imagem na Terra.”
(Jean Bodin).


Entrelaçadas, a CRUZ e a ESPADA forjam a sacrossanta e inabalável aliança entre ECCLESIA et IMPERIUM. O povo, prenhe de inquietação e angústia, clama aos céus pelo retorno dos ‘dois gládios’: a plena convicção da autoridade espiritual - a ECCLESIA -, depositária da sabedoria das Leis Eternas, e a força política da autoridade temporal - o IMPERIUM -, que, sob a égide do Soberano, propicia a seus súditos as bênçãos da segurança, do bem-estar social e da paz civil.



Alfredo RR de Sousa
Gabriel Schmitt

segunda-feira, julho 04, 2011

Breve nota a propósito da figura do VERDUGO no pensamento de Joseph de Maistre





Egrégios irmãos d'armas:

Baudelaire certa feita afirmou que Joseph de Maistre (1753 - 1821) ensinou-lhe "a pensar". O célebre poeta francês dificilmente poderia ter escolhido melhor modelo: ao advogar uma perspectiva, ou mesmo no mero ato de elencar uma hipótese, de Maistre não somente as submete à precisão cirúrgica de seu escrutínio crítico, considerando-as meticulosamente sob todos os aspectos, mas também logra, sem uma falha sequer no encadeamento lógico da argumentação, conduzi-las às suas últimas conseqüências.

Trata-se, vale dizer, de apenas uma das múltiplas virtudes deste magnífico escritor, pensador católico e filósofo político que foi Joseph de Maistre, figura de proa na linhagem de autores que vai de Jean Bodin e Thomas Hobbes até Carl Schmitt.

Isto posto, gostaria de sublinhar aqui um dos tópicos mais originais e importantes do pensamento de Maistre: a figura do verdugo na manutenção da ordem social.

A questão é discutida pelo conde saboiano no primeiro capítulo de sua indisputável obra-prima, Les Soirées de Saint-Petersbourg (1821). Combinando o rigor analítico e a excelência estrutural dos diálogos de Platão; numerosas passagens pejadas da mais refinada e corrosiva ironia; e o estilo majestoso, categórico e imperativo - tão característico das mais augustas tradições das letras clássicas em França -, de Maistre aborda vastíssima plêiade de temas nos Soirées: o princípio dos ‘dois gládios’ (Igreja / Império); o direito divino dos reis (que defende com o mesmo poder de fogo e veemência que encontramos no venerável Bossuet); o papel exercido pela Divina Providência na História; uma crítica contundente à teoria do conhecimento de John Locke (crítica que me parece improcedente, mas, em todo caso, muito bem urdida); o caráter salvífico da guerra como rito sacrificial; etc., etc.

Pois bem: consoante frisei anteriormente, J. de Maistre leva a efeito a apologia do Verdugo (isto é, do poder puramente punitivo / coercitivo do Estado), ao lado do Soberano e do Papa, como uma das três vigas de sustentação do aparato estatal, mormente em situações de grave crise institucional.

Com efeito, o pensador francês demonstra que, em última análise, tão somente o primado do Terror, iluminado pela fé católica, detém a capacidade de restaurar a ordem pública e a estabilidade política numa sociedade convulsionada pela anarquia, seja em virtude da ação do inimigo (interno ou externo), seja por intermédio da circulação de idéias dissolventes.

Creio, sobretudo, que a tese advogada por de Maistre ajusta-se particularmente bem às circunstâncias do Brasil contemporâneo. Um país onde a mais elevada instância do poder judiciário é sobremaneira leniente mesmo com os crimes mais hediondos, consagrando um mecanismo infame como a 'progressão de regime'; onde demandas que vão de encontro aos valores da grande maioria de nosso povo, como a legalização da união civil entre homossexuais, são aprovadas com inaceitável leviandade; onde até mesmo manifestações risíveis, como a realização de 'marchas pró-maconha', recebem anuência unânime do STF, percebe-se claramente que o Estado abdicou de seus deveres precípuos: a manutenção da ordem pública e a promoção do bem-estar social.

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Apresento em seguida, por fim, a magnífica passagem em que Joseph de Maistre expõe sua tese:

"(...) Mais permettez qu'averti par ces tristes expressions, j'arrête un instant vos regards sur un objet qui choque la pensée sans doute, mais qui est cependant très digne de l'occuper.


De cette prérogative redoutable dont je vous parlais tout à l'heure résulte l'existence nécessaire d'un homme destiné à infliger aux crimes les châtiments décernés par la justice humaine; et cet homme, en effet, se trouve partout, sans qu'il y ait aucun moyen d'expliquer comment; car la raison ne découvre dans la nature de l'homme aucun motif capable de déterminer le choix de cette profession. Je vous crois trop accoutumés à réfléchir, messieurs, pour qu'il ne vous soit pas arrivé souvent de méditer sur le bourreau. Qu'est-ce donc que cet être inexplicable qui a préféré à tous les métiers agréables, lucratifs, honnêtes et même honorables qui se présentent en foule à la force ou à la dextérité humaine, celui de tourmenter et de mettre à mort ses semblables? Cette tête, ce coeur sont-ils faits comme les nôtres? ne contiennent-ils rien de particulier et d'étranger à notre nature? Pour moi, je n'en sais pas douter. Il est fait comme nous extérieurement; il naît comme nous; mais c'est un être extraordinaire, et pour qu'il existe dans la famille humaine il faut un décret particulier, un FIAT de la puissance créatrice. Il est créé comme un monde. Voyez ce qu'il est dans l'opinion des hommes, et comprenez, si vous pouvez, comment il peut ignorer cette opinion ou l'affronter! À peine l'autorité a-t-elle désigné sa demeure, à peine en a-t-il pris possession que les autres habitations reculent jusqu'à ce qu'elles ne voient plus la sienne


C'est au milieu de cette solitude et de cette espèce de vide formé autour de lui qu'il vit seul avec sa femelle et ses petits, qui lui font connaître la voix de l'homme: sans eux il ne connaîtrait que les gémissements... Un signal lugubre est donné; un ministre abject de la justice vient frapper à sa porte et l'avertir qu'on a besoin de lui: il part; il arrive sur une place publique couverte d'une foule pressée et palpitante. On lui jette un empoisonneur, un parricide, un sacrilège: il le saisit, il l'étend, il le lie sur une croix horizontale, il lève le bras: alors il se fait un silence horrible, et l'on n'entend plus que le cri des os qui éclatent sous la barre, et les hurlements de la victime. Il la détache; il la porte sur une roue: les membres fracassés s'enlacent dans les rayons; la tête pend; les cheveux se hérissent, et la bouche, ouverte comme une fournaise, n'envoie plus par intervalle qu'un petit nombre de paroles sanglantes qui appellent la mort. Il a fini: le coeur lui bat, mais c'est de joie; il s'applaudit; il dit dans son coeur: Nul ne roue mieux que moi. Il descend: il tend sa main souillée de sang, et la justice y jette de loin quelques pièces d'or qu'il emporte à travers une double haie d'hommes écartés par l'horreur. Il se met à table, et il mange; au lit ensuite, et il dort. Et le lendemain, en s'éveillant, il songe à tout autre chose qu'à ce qu'il a fait la veille. Est-ce un homme? Oui: Dieu le reçoit dans ses temples et lui permet de prier. Il n'est pas criminel; cependant aucune langue ne consent à dire, par exemple, qu'il est vertueux, qu'il est honnête homme, qu'il est estimable, etc. Nul éloge moral ne peut lui convenir; car tous supposent des rapports avec les hommes, et il n'en a point.


Et cependant toute grandeur, toute puissance, toute subordination repose sur l'exécuteur: il est l'horreur et le lien de l'association humaine."


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Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte – Deserto dos Tártaros

A propósito do caráter não-científico do marxismo - parte V


Alphonse van Worden - 1750 AD














Seria aparentemente plausível sustentar que a crítica da economia política, tal como exposta na obra do pensador alemão, vai ao encontro da necessidade de uma teoria fundada cientificamente.

Ocorre, não obstante, que a crítica da economia política é um saber social, cujo objeto é historicamente construído, submetido, portanto, às cambiantes injunções do agir coletivo humano. Um objeto de estudos como o oxigênio, por exemplo, sempre será, per saecula saeculorum, idêntico a si mesmo, ou seja, sempre será oxigênio; algo como a 'economia política', ao contrário, é uma realidade movediça, transitória, oscilante. Um 'objeto' com tais características, repito, não é capaz de gerar conhecimento científico, mas sim saberes de índole necessariamente pragmática, provisória e assistemática.

É mister sublinhar ainda que dentre os predicados necessários a uma teoria científica, está a capacidade de postular como um determinado conjunto de fenômenos irá proceder dadas certas condições pré-determinadas. Pois muito bem: como o 'cientista' social pode ser capaz de estabelecer, com rigor conceitual lastreado em observações empíricas, o comportamento do fenômeno 'revolução'? Como prever, sem extrapolar circunstancialmente o que dispõem os estritos pressupostos da teoria, a ocorrência de uma revolução? Teorias científicas são propostas especulativamente, e delas são deduzidas as muitas conseqüências a que dão lugar, a fim de que essas possam, indiretamente, ser confrontadas com os fatos experimentais. Como então confrontar as teorias propostas com o facto 'revolução'? Existe, pois,  uma irracionalidade inerente a todo processo revolucionário. Destarte, como então estabelecer de forma lógico-demonstrativa os parâmetros que nortearão uma revolução, visto ser sua dinâmica condutora algo irracional, imprevisível, inefável? Podemos afirmar que daqui a 54343322 anos a composição de uma molécula de água será H20... poderá o 'cientista' marxista asseverar como se dará um processo revolucionária na mesma escala temporal?

Todo esse acervo de considerações nos conduz, ao fim e ao cabo, à seguinte questão: por que Marx 'errou'? Justamente porque a sociologia e os demais saberes não possibilitam a formulação de predições científicas; Jamais poderíamos pretender que um pensador social determine com rigor científico qual será o procedimento de um evento social no futuro, uma vez que tais eventos estão submetidos ao fluxo aleatório, errante e imprevisível da ação humana.

Sempre haverá alguém  a alegar que os melhores sucessores de Marx corrigiram seus postulados equivocados, ao que replico: onde e em que circunstância verificou-se a comprovação empírica das ocorrências previstas pelos novos postulados? N'outros termos: as premissas do marxismo fatalmente implicavam uma determinada conclusão ou conjunto de conclusões. Novamente indago: tais conclusões se verificaram? Onde está a comprovação empírica do que havia sido especulativamente estabelecido como conseqüência causal da teoria 'científica' marxista? E que não se invoque a cláusula temporal: teorias científicas não podem ficar eternamente aguardando em berço esplêndido pela comprovação a posteriori de seus postulados.

Constatando que os fenômenos previstos pelo marxismo não se verificaram, amiúde seus entusiastas voltam insistir na realidade empírica dos construtos conceituais, tal como o o de 'mercadoria, por exemplo; eu, por meu turno, repito o que adrede : que é uma 'mercadoria'? Qualquer produto (matérias-primas, gêneros, artigos manufaturados etc.) suscetível de ser comprado ou vendido. Assim sendo, o que empiricamente existe são os objetos designados pelo conceito 'mercadoria', mas não o construto conceitual em si mesmo, que é uma generalização dedutiva. Destarte, o objeto-cadeira é uma realidade empírica (a 'cadeira' objeto singular no espaço-tempo, saliente-se bem, não o conceito 'cadeira'), mas a noção de 'cadeira' como objeto que pode ser comprado ou vendido já envolve uma série de generalizações conceituais dedutivas. Envolve, por exemplo, os conceitos de 'compra' e 'venda', que obviamente não são entes empíricos singulares no espaço-tempo, mas universais, no caso construtos conceituais elaborados pela razão humana para designar determinados procedimentos sociais. Em síntese: o conceito 'mercadoria' (e que, aliás, também envolve outros conceitos, como acabamos de ver) designa objetos reais como cadeiras, mas é em si mesmo tão somente um ‘nome’, uma instância cognitiva mental. O mesmo vale para uma noção como 'trabalho, outrossim: da mesma forma que ‘mercadoria’, a generalização conceitual a que damos o nome de ‘trabalho’ designa um dado conjunto de fenômenos empíricos, estes sim concretamente existentes.


quarta-feira, junho 01, 2011

A propósito do caráter não-científico do marxismo - parte IV

Alphonse van Worden - 1750 AD
















Prosseguindo em nossas considerações, seria cabível argumentar, por exemplo, que se o marxismo nunca foi uma teoria científica, não podemos aplicar-lhe como critérios de verificação quaisquer de cientificidade; ademais, ainda que o marxismo fosse uma ciência, não seria difícil elencar fenômenos que, de certo modo, ainda se comportam consoante as predições feitas por Marx.

Nuito bem: uma teoria científica não mais consegue dar conta dos fenômenos que pretende descrever, ela deve ser substituída por uma mais precisa, não é verdade? Isso de modo algum significa que ela tenha se tornado inválida. Uma teoria científica torna-se totalmente irrelevante tão somente quando seu domínio de aplicação passa a ser igual a zero, isto é, quando já não é mais capaz de descrever nenhum fenômeno previsto. Assim, sendo, por exemplo, podemos afirmar que o domínio de aplicação da mecânica relativística é maior que o domínio de aplicação da mecânica newtoniana, o que não significa dizer que esta última tenha sido refutada como um todo, uma vez que sua potência explicativa ainda permanece válida para numerosos fenômenos.

No que tange ao marxismo, se aqui o submetemos às exigências da racionalidade científica, foi justamente para demonstrar que ele não é capaz de atendê-las. Quem pretende que o marxismo esteja sujeito aos critérios de cientificidade são seus adeptos ortodoxos, e não os que desconsideram o pensamento marxista como domínio científico. Advogamos que o marxismo, precisamente por NÃO SER uma teoria científica, está por completo livre de tais injunções; o mesmo, todavia, não se aplica aos meus adversários, que postulam validade científica para o marxismo.

Neste momento, nosso interlocutor imaginária poderia exclamar: 'onde o homem distanciou-se da ciência de modo a NÃO INTERVIR na construção do objeto do conhecimento?! Que super-homem científico é este que, acima do bem e do mal, utilizando-se apenas dos conhecimentos gerados pelo 'Deus-método', forjou uma 'objetividade' científica alheia à ação humana? Ora, jamais houve ciência alheia à ação humana! O puro relato da observação de fenômenos já carrega consigo tendências dispostas a subjetivá-lo.'

Ao que lhe ripostaríamos: a subjetividade humana necessariamente intervém na produção do conhecimento, isto é, nas generalizações conceituais derivadas da observação da realidade empírica, mas não pode intervir no OBJETO em si mesmo, ou seja, nos dados concretos da realidade, que são externos ao pensamento, independem de nossa percepção e até mesmo de nossa existência. Reparai bem, confrades; se a humanidade desaparecer neste instante, o planeta Terra e todo o Universo continuarão a existir. Tal afirmação, creio eu, só poderia ser contestada pelos solipsistas, isto é, pelos que crêem que a realidade existe tão somente como instância mental, sem qualquer concretude objetiva. Lamentavelmente as vertentes mais delirantes do marxismo não raro incorrem numa espécie de solipsismo coletivo.

Que se volte, portanto, a frisar: o ato de observar a realidade concreta e a operação conceitual que dele decorre na elaboração dos enunciados cognitivos obviamente envolve a subjetividade humana, mas o objeto tomado em si mesmo, o dado empírico da realidade a ser considerado, deve ser necessariamente objetivo,em outros termos, de todo alheio a nosso aparato perceptivo e até mesmo de nossa existência.

Há, outrossim, que salientar que uma esfera é o imperativo do rigor científico, isto é, a necessidade de teorias que se pretendam científicas ajustarem-se aos cânones de racionalidade ou parâmetros de construção intelectual científicos; o móvel de tais teorias é descrever da forma mais rigorosa e objetiva possível o Universo que nos cerca; vale dizer que a filosofia, ao menos da maneira como a concebo, está incluída nesta esfera. Outra esfera, de todo distinta, é o anseio coletivo da humanidade por uma sociedade justa e harmoniosa, desprovida de contradições. O pensamento marxista a meu ver tem validade como instrumento para realizar os objetivos presentes na segunda esfera, mas incapaz de satisfazer os móveis da primeira.









segunda-feira, maio 02, 2011

In Memoriam VI























بَشِّرِ الَّذِينَ آمَنُوا وَعَمِلُوا الصَّالِحَاتِ أَنَّ لَهُمْ 
جَنَّات ٍ تَجْرِي مِنْ تَحْتِهَا الأَنْهَارُ كُلَّمَا رُزِقُوا مِنْهَا مِنْ ثَمَرَة ٍ رِزْقا ً قَالُوا هَذَا الَّذِي رُزِقْنَا مِنْ قَبْلُ وَأُتُوا بِه ِِ مُتَشَابِها ً وَلَهُمْ فِيهَاأَزْ




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Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte – Deserto dos Tártaros

A propósito do caráter não-científico do marxismo - parte III

Alphonse van Worden - 1750 AD














Gostaria de salientar, na abertura da terceira seção de nosso ensaio, duas coisas que se calhar não ficariam suficientemente claras: a) o pensamento marxista não é, claro está, incapaz de formular observações válidas, isto é, concordes com fenômenos empiricamente verificáveis; tão somente assevero que tais enunciados não satisfazem os critérios de cientificidade, sobretudo os termos estabelecidos pelo 'Principio de Verificação'; b) outrossim, ao identificar a presença de alguns elementos messiânicos na tessitura conceitual da perspectiva marxista, uma vez que a noção de 'revolução social' não é um objeto científico, ou seja, não é um objeto empiricamente dado passível de análise lógico-demonstrativa, mas sim um fenômeno humano, socialmente construído, e portanto pejado de elementos subjetivos, dimensão na qual não pode estar ausente o componente irracional e inconsciente, não pretendo sustentar que o marxismo é, tout court, uma teologia messiânica da ação revolucionária Há que ter em mente, vale frisar, que 'revoluções sociais' não são fenômenos naturais ontologicamente independentes da percepção humana, nem tampouco tautologias da razão pura, mas processos voluntaristas que se forjam no âmbito da ação social humana e, por conseguinte, inscrevem-se na esfera subjetiva da decisão, envolvendo SIM componentes irracionais.

Isto posto, seria cabível alegar que a possibilidade de efetuar reformulações a posteriori não implica a impossibilidade do marxismo em formular-se como teoria científica; ao mesmo tempo, seria irrazoável exigir que Marx pudesse prever o deslocamento do foco revolucionário, visto que suas formulações dialéticas a respeito da superação do capitalismo estavam calcadas na etapa concorrencial. Muito bem: se os postulados originais de Marx não foram capazes de prever a supracitada transformação, isto significa que os fenômenos observados deixaram de se ajustar ao comportamento previsto pelos referidos postulados; ou. em outras palavras, que as conclusões obtidas extrapolaram o que estava disposto pelas premissas apresentadas, e que portanto foi necessária, sim, uma reformulação a posteriori da teoria. Isto não significa que a hipótese ulterior seja desprovida de valor cognitivo, mas que refuta inequivocamente a concepção anterior. Recorde-se aqui que uma teoria científica não admite reformulações a posteriori: quando os resultados experimentais obtidos não mais se ajustam ao comportamento previsto pelos postulados da teoria, estava deve ser abandonada e substituída por mais acurada e consistente.

Analogamente, poder-se-ia sustentar que uma mercadoria é passível de ser vista e tocada e que, portanto é um objeto empiricamente identificável. Pois bem: que é uma 'mercadoria'? Qualquer produto (matérias-primas, gêneros, artigos manufaturados etc.) suscetível de ser comprado ou vendido. Assim sendo, o que empiricamente são os objetos designados pelo conceito 'mercadoria', mas não o construto conceitual em si mesmo, que é uma generalização dedutiva. Ora, não há problema algum em elaborar generalizações, que de resto são axiais para a sistematização e transmissão do conhecimento. O erro está em crer na realidade ontológica do conceito, que é apenas um 'nome', não um ente/evento concretamente existente no espaço-tempo.

As chamadas 'Ciências Sociais' sustentam que a objetivação das relações humanas" é um procedimento cientificamente válido. Ora, trata-se d'assertiva que não se sustenta: relações humanas são eventos essencialmente subjetivos, construções sociais necessariamente contingentes, submetidas portanto a influxos volitivos; gostaria de saber, destarte, como enunciados hipotético-dedutivos, isto é, generalizações lógico-demonstrativas elaboradas a partir de dados empíricas externas à percepção humana, poderiam ser construídos a partir de fenômenos essencialmente subjetivos e existentes tão somente no plano social, e não na natureza.

Um, sociólogo ainda poderia atalhar o seguinte, a propósito, por exemplo, da exigência de rigorosos critérios de objetividade na construção do objeto científico: 'aceitando-se a veracidade de tal exigência, nada pode ser enquadrado no âmbito de um esquema científico 'puro' e o marxismo seria tão a-científico como qualquer outra corrente de pensamento social".  Para grande decepção de boa parte dos 'cientistas' sociais, trata-se d'uma verdade patente: qualquer modalidade de pensamento social está fora do âmbito da racionalidade científica, uma vez que o objeto de tais saberes não pode ser pensado/concebido/ sem mediações subjetivas, ou seja, a partir da observação direta de dados empíricos alheios à ação humana. Se há intervenção da subjetividade humana na construção do próprio objeto do conhecimento (uma vez que, claro, as generalizações conceituais decorrentes naturalmente são humanas), não há objetividade científica envolvida. O ato de observar a realidade concreta e a operação conceitual que dele decorre na elaboração dos enunciados cognitivos obviamente envolve a subjetividade humana, mas o objeto tomado em si mesmo, o dado empírico da realidade a ser considerado, deve ser necessariamente objetivo,em outros termos, de todo alheio a nosso aparato perceptivo e até mesmo de nossa existência.

Digamos, por fim, a título de ilustração, que a 'luta de classes' seja de facto uma espécie epifenômeno sociológico dos modos de produção correspondentes. Muito bem: se 'luta de classes' não é uma categoria ontológica, tampouco 'modo de produção' o será, configurando-se, ao contrário, como construto conceitual gerado a partir da observação, sistemática ou não, de um determinado conjunto de fenômenos sociais, vale dizer, de dados já subjetivamente construídos, não existentes na realidade empírica. Destarte, 'modo de produção' não é realidade objetiva, mas derivação ou epifenômeno conceitual. Poderíamos então apresentar uma dada realidade social como substrato ontológico para 'modo de produção', instância que nosso procedimento analítico revelaria ser também um construto conceitual caudatária da observação circunstancial de fenômenos sociais não universalizáveis, etc., e assim sucessivamente, numa improfícua reductio ad infinitum.

Impõem-se a meu ver, tendo em vista as considerações adrede feitas, algumas indagações de cunho psicológico: qual a necessidade, para efeito de sua efetiva aplicação como instrumento de luta política, de o marxismo ser considerado uma teoria científica? Por que seus adeptos mais fervorosos insistem nisso, se o propósito central do marxismo é justamente funcionar como guia prático para a transformação revolucionária, e não como sistematização científica da realidade? Por que tanto fetichismo em relação ao estatuto científico, como se tal condição fosse a única maneira de garantir prestígio intelectual ao marxismo?

domingo, abril 03, 2011

Manifesto BRUTALISTA









Escrito e publicado originalmente no já remoto ano de 2011; todavia, qualquer semelhança com o presente NÃO é mera coincidência...

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(..) Enquanto isso ao redor da praça... da praça... ah que que se foda o nome da praça, saco, me esqueci mesmo, vai encarar, ô cuzão?! Enfim... esse puta mundo merda ai, esse pais continental que não serve pra porra nenhuma, enfim, jogo de final de campeonato de futebol, fogos explodindo no céu, conclusão:

É SEMPRE O TIME ADVERSÁRIO QUE GANHA TODAS AS PARTIDAS NÃO IMPORTA PARA QUEM VOCÊ TORÇA!

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Evoé proibidões, pagodes, forrós, evoé putinhas de rodeio, evoé vegetais crentes, piranhetes emergentes, ‘senhoras respeitáveis’ e ‘cidadãos de bem’, sim, venham todos, TODOS, a PAZ MUNDIAL!, A PAZ UNIVERSAL!!!, as 'mulheres honestas'', ó amadas 'mulheres honestas'... nojentas e mesquinhas! Venham também, padres pedófilos freqüentadores de bares GLS

Venham todos
 O palco é vosso
 O teatro é vosso
 Também a platéia
 Vinde a mim!             

VENHAM AO VOSSO VERDADEIRO REINO

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"E eu, Tirésias, embora cego, contemplo a cena, e vaticino o restante": cerveja, TV ligada, narradores urrando, uivando, senhoras já de certa idade dando gritos histéricos, pré adolescentes enchendo a caveira de cerveja, outros dando um tapa na pantera, é a alegria do coletivo

É GOOOOOOOLLLLLLLLLLLLL!!!!!

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VOCÊ, sim você mesma que se considera boa mãe... mas que sabe que a sua querida filhinha falta seguidas vezes num ridículo cursinho de pagou-passou e que, quando vai, seu fedor à cerveja e suor e sêmen pode ser percebido à distância... sim, a senhora, que prega a solidariedade num culto de igreja, e nega aos que lhe estão mais próximos qualquer forma de auxílio... não tenha vergonha, venha... somos todos iguais! Assuma-se, celebre junto a mim, seus irmãos e irmãs, sua canalhice e hipocrisia

 POIS TEU É O REINO

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E vocês... sim vocês mesmos, seus merdas, vocês que estão escrevendo essa bosta, e que se acham grandes ‘intelequituais’, e que se sentem 'nobres' por denunciar a degradação da mundo moderno

 Vão tomar no olho do cu!

 Vocês são dois cagalhões, que trocariam de bom grado esse caralho de poeminha, ou seja lá como vocês chama isso, pela buceta sebenta de uma funkeira de morro, ah se não trocariam! Mas venham seus desgraçados do inferno, não se acanhem venham e contemplem sua grande obra!

 A VIDA É MUITO LONGA, A VIDA É, TEU É O REINO

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CHURRASCO DE LAJE SIM, E DAÍ?! PROGRAMA DE AUDITÓRIO SIM, E DAÍ?! SERTANEJO EVANGÉLICO SIM, E DAÍ?! 

Tal como a humanidade estranha a si própria, essa cloaca de mundo que não mais se reconhece acaba! O que lhe parece mais importante: Uma guerra invisível, ou uma rua tão sombria onde bebês acabam morrendo!?



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Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte – Deserto dos Tártaros

A propósito do caráter não-científico do marxismo - parte II

Alphonse van Worden - 1750 AD














b) Objeto de estudo bem definido e de natureza empírica; delimitação e descrição objetiva e eficiente de realidade empiricamente observável, isto é, daquilo que se pretende estudar, analisar, interpretar ou verificar por meio de métodos empíricos. 


Os objetos precípuos do marxismo - o 'Processo Histórico' e o 'Trabalho' - não podem ser de forma alguma definidos empiricamente, isto é, a partir da observação direta dos dados concretos fornecidos pela realidade; são, ao contrário, objetos socialmente construídos, cuja constituição decorre da subjetividade humana. Tampouco é possível uma descrição empírica de tais objetos, uma vez que sua consideração pressupõe a participação subjetiva do estudioso, que também participa da construção de tais objetos. O materialismo dialético é, em última instância, apenas uma manifestação particular do idealismo, já que confere um estatuto ontológico de realidade a um construto conceitual, a idéia de matéria. Marx, por conseguinte, ao formular o materialismo dialético, estabelece tão somente mais uma variante filosófica do idealismo, pois não há como escapar deste traço estrutural do materialismo, a saber, o de ser um epifenômeno do idealismo. Assim sendo, categorias exclusivamente conceituais como 'modo de produção', 'forças produtivas', 'luta de classes', etc. são tomadas como instâncias ontologicamente existentes. Em outras palavras: o marxismo fatalmente se insere no quadro das filosofias estéreis que acreditam na realidade de Universais. Ora, a crença na realidade ontológica dos Universais, que existem tão somente como construtos conceituais no processo de sistematização de conhecimentos adquiridos, arruína  qualquer possibilidade de elaboração de um método analítico-científico preciso e consistente.


c) Propósito de conhecer a realidade tal como ela se apresenta, procurando evitar a interferência de pressupostos ideológicos, valores, opiniões ou preconceitos do pesquisador. 


Por mais que os marxistas pretendam ser observadores isentos da realidade que estudam, isto é refutado pelo próprio desígnio formulado por Marx como objetivo central de sua visão de mundo: "Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo", tal como lemos na décima primeira tese sobre Feuerbach (1845). Ou seja: a pretensão de transformar a realidade forçosamente implica a participação do sujeito cognoscente no processo, o que, como não poderia deixar de ser, envolve de maneira inescapável os valores ideológicos, preconceitos e opiniões do mesmo. Podemos mesmo afirmar que o marxismo não faz qualquer sentido se não for encarado como praxis transformadora do mundo, isto é, como guia revolucionário para a ação, talantes completamente avessos à natureza da atividade científica, que se dedica a elaborar uma representação racional do mundo. 


d) Observação controlada dos fenômenos: preocupação em controlar a qualidade do dado e o processo utilizado para sua obtenção. 


Como controlar a observação de fenômenos que transcendem o escopo de vida do observador? Como um pesquisador pode ter controle sobre algo como a 'luta de classes', que escapa a qualquer determinação espaço-temporal precisa e circunscrita ao âmbito do sujeito que a observa? Em suma: os fenômenos abordados pelo marxismo não podem ser verificados empiricamente, uma vez que escapam à própria natureza da observação sistemática, metódica e controlada dos fenômenos, para a formulação de enunciados científicos consistentes.

Significativa parcela dos marxistas comete grave erro, portanto, ao reivindicar para o marxismo a condição de teoria científica. O pensamento marxista é absolutamente brilhante como teoria política da ação revolucionária, como guia revolucionário para a ação, mas sobremaneira precário como visão científica do mundo; ao postular, pois, tal estatuto, seus adeptos tão somente logram expor-lhe os flancos, abrir a guarda para seu aspecto mais frágil e problemático. há que se ressaltar, vale dizer, que um aspecto fundamental do marxismo é tolamente ignorado por seus teóricos 'oficiais': o marxismo não apenas como teoria, mas também como TEOLOGIA política, já que é mister salientar o caráter inequivocamente MESSIÂNICO inerente a todo processo revolucionário.

Na sequência deste ensaio, analisaremos com mais vagar as considerações acima esboçadas, com especial atenção a aspectos de índole epistemológica.

terça-feira, março 01, 2011

A propósito do caráter não-científico do marxismo - parte I

Alphonse van Worden - 1750 AD














Egrégios irmãos d'armas:

Submeto à vossa apreciação a primeira parte d'um ensaio onde pretendo demonstrar que a pretensão da teoria marxista em constituir-se como disciplina científica é de todo insustentável.

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Para que uma teoria possa ser considerada científica, é mister que esteja formulada consoante alguns parâmetros fundamentais, dos quais os mais importantes são os seguintes:


a) observância dos cânones de inferência lógico-dedutiva e dos métodos indutivos para a formulação de premissas, de modo a fundamentar, via método axiomático, a teoria científica que se pretende construir.


Creio que nem o mais radical dos marxistas ortodoxos irá discordar do facto de que somente as ciências experimentais ou exatas são hipotético-dedutivas, isto é, capazes de generalizar observações indutivas em enunciados passíveis de verificação empírica, ou de estabelecer proposições analíticas nos marcos da razão pura. Tal procedimento não pode ser satisfeito pelo marxismo, cujos enunciados não nascem da estrita observação dos dados empíricos, nem tampouco se configuram como enunciados analíticos da razão pura. Consoante a teoria do conhecimento elaborada pelo Círculo de Viena, notadamente por Carnap e Schlick (a qual endosso), para ser dotado de significado um enunciado precisa ser analítico ou passível de verificação empírica. Hume, notável pioneiro de tal perspectiva, advogava a existência de 2 tipos de enunciados dotados de sentido: 'questões de facto' e 'relações entre idéias'. As 'questões de facto', referentes à realidade concreta que nos cerca, são empiricamente comprováveis ou não; as ‘relações entre idéias', por seu turno, concernentes às matemáticas, são construídas por método axiomático. Como podemos contatar, é patente a influência de tal concepção no âmbito dos próceres do positivismo lógico. Vejamos agora como o inglês A.J.Ayer, que conferiu uma formulação mais concisa e simples às concepções do Círculo de Viena, estabelece os termos do 'Princípio de Verificação':

Os enunciados analíticos são tautologias, isto é, proposições verdadeiras por definição, cujo sentido permanece o mesmo sob diferentes arranjos de palavras ou símbolos. São, portanto, tautológicos os enunciados da matemática e da lógica, cuja veracidade prescinde de verificação empírica.


Os enunciados sintéticos (ou apofânticos), por sua vez, são aqueles que afirmam ou negam alguma coisa sobre a realidade sensível, tal como as proposições científicas. Sua validade é determinada, pois, por intermédio de verificação empírica.

Como podemos verificar, os enunciados do marxismo não são sintéticos nem analíticos, uma vez que não são passíveis de verificação empírica (que será objeto de consideração na seqüência deste ensaio), nem tampouco são a priori verdadeiros por definição, ou seja, tautologias como as da matemática e da lógica, que prescindem de verificação empírica.

Há também que observar que as proposições do marxismo são infinitamente reformuláveis a posteriori, isto é, podem ser modificadas caso os fenômenos observados não mais satisfaçam as predições feitas antes a propósito deles.

Vejamos um exemplo assaz ilustrativo: em sua conformação original a teoria marxista advoga que a superação dialética de um modo de produção tão somente ocorre quando as forças produtivas num determinado contexto não mais se enquadram nas relações de produção dadas nesse mesmo contexto, em outras palavras, quando a reprodução social e econômica não é mais possível no âmbito da organização social em tela; destarte, a subversão revolucionária de um modo de produção teria fatalmente de iniciar-se nas sociedades onde a dinâmica do referido modo de produção houvesse esgotado todas as suas possibilidades. Pois muito bem: quando do advento da revolução soviética em 1917, foi óbvia a constatação de que o processo havia ocorrido num país capitalista atrasado, em outros termos, num contexto onde a dinâmica do modo de produção vigente ainda não havia logrado esgotar todas as suas possibilidades; tornava-se necessário, pois, para preservar a pretensa integridade 'científica' do marxismo, providenciar uma correção in extremis para o postulado que fora refutado. Tal 'arranjo' foi obtido através da célebre teoria do "elo mais fraco", segundo a qual a revolução mundial doravante principiaria pela periferia do sistema, ou seja, nas regiões onde as relações capitalistas fossem mais atrasadas e primitivas.

Ora, uma teoria científica não admite reformulações a posteriori: quando os resultados experimentais obtidos não mais se ajustam ao comportamento previsto pelos postulados da teoria, esta deve ser abandonada e substituída por mais acurada e consistente. Se uma dada concepção teórica pode ser indefinidamente amoldável ao sabor de circunstâncias que se lhe revelem desfavoráveis, ela obviamente não poderá pretender-se sob a égide da racionalidade científica. Passando para o terreno da lógica, uma inferência é admitida como válida quando a conclusão obtida se segue inequivocamente das premissas apresentadas; classifica-se, portanto, como válido qualquer argumento cuja conclusão se siga necessariamente de suas premissas.

Desnecessário frisar que o marxismo, pelos móveis acima esboçados, também não atende à essa exigência epistemológica.


quarta-feira, fevereiro 02, 2011

Considerações a propósito da GRANDE SÍNTESE: repensar a II Guerra Mundial - I

Alphonse van Worden - 1750 AD






Áticos irmãos d'armas:

Consoante já sublinhamos em reiteradas ocasiões, a peregrinação em direção à GRANDE SÍNTESE eurasiana, isto é, a convergência entre as principais correntes filosóficas e ideológicas anticapitalistas e antiburguesas, por um lado; e por outro, as tradições esotéricas da revolta irracionalista contra a 'Sociedade Aberta' ao longo da História será, há que admitir, sobremaneira longa e tortuosa. Há inúmeras arestas e incompreensões mútuas a serem aparadas; séculos de mal-entendidos (não raro disseminados por nossos adversários); ressentimentos; discrepâncias conjunturais de ordem política; enfim, toda uma série de equívocos e distorções, conscientes ou não.

Para tempo, iniciaremos o supracitado ciclo com algumas considerações sobre a milenar rivalidade entre duas potências telurocráticas de fundamental importância para a concretização projeto eurasiano: Alemanha e Rússia.

Trata-se d'um processo que remonta mormente ao século XIII, quando Aleksandr Yaroslavich Nevskij, Príncipe de Novgorod e Vladimir, derrotou a Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, sob o comando do príncipe Hermann de Dorpat, na Batalha do Lago Peipus (1242), localizado na fronteira entre a Estônia e a Rússia. (O episódio foi celebrizado pelo cineasta soviético Sergei Eisenstein num filme extraordinário: Aleksandr Nevskij - 1938).

E no âmbito de nosso esforço em aplainar o terreno para a Nova Ordem, uma das etapas mais importantes é a compreensão da II Guerra Mundial como a mais terrível tragédia que se abateu sobre a GRANDE SÍNTESE, adiando-a por várias décadas, quiçá até por séculos. Parece-me claro que o contencioso ancestral entre povos eslavos e germânicos por si só não logra explicar / justificar um conflito da magnitude da II Guerra Mundial.

Lembro-me, a esse respeito, da memorável assertiva d'um saudoso professor de filosofia (de quem tive a honra de ser discípulo n'outros lustros), proferida em tom de divertida boutade, mas sem dúvida portadora d'um acurado senso de verdade: 

"A batalha de Stalingrad foi a manifestação concreta do conflito teórico entre hegelianos de esquerda e de direita".

Com efeito, ele estava certo: a II Guerra Mundial representou, em última instância, a trágica oposição, convertida em mortífera guerra de extermínio, entre dois 'grandes irmãos' que, de certa forma, jamais lograram perceber, de um lado,  a profunda unidade metafísica e teleológica existente entre ambos; e de outro,a comunhão de interesses geopolíticos no âmbito do conflito permanente  entre as duas dinâmicas que ditam o compasso da História: o eurasianismo telurocrático e o atlantismo talassocrático.

Vale salientar, à partida, que a tragédia acima referida não se dá apenas no plano ideológico ou espiritual, mas também na esfera das relações materiais.  A esse respeito, é assaz instrutivo observarmos a situação vivida, tanto pela Alemanha nazista quanto pela URSS stalinista, durante a década de 30 da última centúria.

O aspecto precípuo a ser ressaltado, quero crer, é a irreprochável constatação de que ambas atravessavam uma fase de acelerada expansão econômica.

O país dos soviets, muito embora sacudido até os alicerces pelas ondas sísmicas deflagradas com a 'revolução pelo alto' de Stalin entre 1930 / 31 (processo de coletivização da agricultura, implementação do 'stakhanovismo' super-industrialista de Kuybishev & cia.), esteve blindado contra os efeitos da devastadora crise de 29, e com com isso singrou de vento em popa os oceanos da industrialização, levando a efeito em menos d'uma década o que a Europa Ocidental levou quase 100 anos para realizar. Estima-se, vale dizer, que a URSS, caso a II Guerra não houvesse ocorrido, superaria tanto a economia norte-americana quanto o conjunto das economias desenvolvidas da Europa em menos de 20 anos.

A Alemanha nazista, por seu turno, logrou recuperar-se em tempo record da abissal depressão econômica em que o país esteve mergulhado durante toda a década de 20, através d'uma espécie de 'keynesianismo militar avant la lettre', com o Estado atuando decisivamente como indutor do crescimento; assim sendo, estancou em definitivo a espiral inflacionária que corroía as finanças do país; converteu o desemprego num problema meramente residual; e last but not the least, promoveu um desenvolvimento inaudito em termos de evolução tecnocientífica.



(Continua)

O 'Problema da Indução' em Charles Sanders Peirce

Alphonse van Worden - 1750 AD




Não seria desarrazoado afirmarmos, conforme já salientamos adrede n'outros escritos, que o Problema da Indução origina-se, em boa parte, do fato de pretendermos aplicar nas inferências indutivas os mesmos critérios de validação vigentes no âmbito da lógica dedutiva; poderíamos, talvez, argumentar que o cerne do referido problema está na possibilidade de justificarmos, de um modo não necessariamente dedutivo, os resultados de uma generalização indutiva a partir das premissas existentes.

É precisamente neste sentido que se orientam as reflexões sobre nosso Problema levadas a cabo por Charles Sanders Peirce (1839-1914), filósofo e lógico norte-americano.

Consideremos agora, pois, a seguinte hipótese por ele sugerida: em nossa experiência passada, direta ou indireta, podemos afirmar, com absoluta certeza, que as pedras que arremessadas livremente ao solo de fato caíram no chão. Tal assertiva nos abre duas possibilidades:

(a) ou bem a uniformidade com que todas estas pedras caíram se deve à pura casualidade e não proporciona qualquer fundamento para que possamos esperar que a próxima pedra arremessada caia;

(b) ou então a uniformidade com que as pedras caíram se deve a um princípio geral ativo, e no caso em questão seria pura coincidência que parasse de atuar no momento em que minha previsão está se baseando nele. As pedras caem, constatamos isso.

Como, no entanto, podemos justificar a expectativa de que próxima pedra que arremessemos ao solo também cairá? E este conhecimento deve ser formulado no sentido de que possamos afirmar as proposições a seguir:

(1) eu tenho uma crença justificada de que se arremesso a pedra, ela cairá

e

(2) é verdade que quando arremesso a pedra, ela cai, ou seja, compreende duas instâncias, a justificação da crença e a verificação desta.

Todavia, a verificação só constata a veracidade de casos particulares e, desse modo, não é um meio para justificar um enunciado geral. Mais ainda: é possível conceber que as pedras, ao serem arremessadas, não caiam, tal como aconteceria em um ambiente livre de gravidade. Em outras palavras: existem mundos possíveis onde tal enunciado não é verdadeiro; e se existem condições que inequivocamente falsificam nosso enunciado, como poderemos justificar que sobre se tenha uma crença racional?

Entretanto, argumenta Peirce, nossa experiência demonstra de sobejo que ao soltarmos uma pedra, ela cai (a não ser que estejamos em um ponto de gravidade zero); como tal fato sempre aconteceu, ou existe uma lei causal que está por trás deste fenômeno, ou então sempre foi regido pelo puro acaso; mas, como a probabilidade de que se deva ao acaso é mínima, devemos concluir que da referida experiência é possível inferir uma lei causal.






segunda-feira, janeiro 10, 2011

Breve nota sobre a disjuntiva Inconsciente / Consciente no âmbito do ethos expressionista







A incapacidade em distinguir entre o misterioso universo de brumas imprecisas do Inconsciente, por um lado, e a realidade meridiana que se descortina perante a Consciência, por outro; ou ainda, a enigmática crença de que o ‘reino de sombras’ do Inconsciente se substitui à esfera de ‘certezas’ da Consciência como única e verdadeira REALIDADE, isto é, duas das linhas de força centrais da cosmovisão expressionista, podem também ser encontradas, por exemplo, em obras historicamente posteriores ao movimento, mas que, sem dúvida, reverberam-lhe as características.

Consideremos, por exemplo, a seguinte passagem, um diálogo entre os protagonistas Fridolin e Albertine, presente no belo desfecho de Breve Romance de Sonho (Traumnovelle - 1926), do austríaco Arthur Schnitzler, texto que poderia ser descrito, vale dizer, como uma espécie de entrechoque entre o pesadelo expressionista e as paisagens oníricas do surrealismo:


(..)“O que vamos fazer, Albertine?


Ela sorriu, e após breve hesitação, respondeu: Agradecer ao destino, penso eu, por termos escapado incólumes de todas as aventuras – reais ou sonhadas.


Tem certeza de que é o que você quer também?, perguntou ele. Estou tão certa quanto suspeito que a realidade de uma noite, ou mesmo de toda uma vida, não significa sua verdade mais íntima.


Nem sonho algum é totalmente ‘sonho’, suspirou, baixinho, Fridolin.


Ela tomou a cabeça dele nas mãos, e aninhou-a com carinho sobre o peito. Agora estamos os dois acordados, disse, e por muito tempo.


‘Para sempre’, ele quis acrescentar, mas antes ainda que houvesse pronunciado as palavras, ela colocou-lhe um dedo nos lábios e, como se o fizesse para si mesma, sussurrou: Melhor não perguntar nada ao Futuro."


Percebam, no trecho supracitado, a significativa presença da divisa que proclama que “o expressionista já não vê, mas tem VISÕES”: por um lado, no transcurso da longa, insólita e, até certo ponto, ‘onírica’ aventura noturna de Fridolin (bem como, nos dias seguintes, em sua obsessão por solucionar a série de enigmas desencadeados por aquela noite inicial), um desejo avassalador pela traição amorosa funciona como elemento propulsor; não obstante o adultério jamais chega a se consumar. Por outro, no também longo e intrincado sonho de Albertine, o desejo de traição, ainda que como projeção na esfera abstrata do Inconsciente, é plenamente consumado.

Assim sendo, tanto os protagonistas, quanto nós, leitores, não ‘VEMOS’ qualquer ato de adultério ocorrendo como evento discernível no espaço-tempo; todavia, é inequívoca a ‘VISÃO’ que temos de tal ‘ato’ no universo simbólico do Inconsciente. Como afirmar taxativamente, destarte, que o propósito em tela (isto é, o da traição amorosa) não se realizou, apenas por não ter sido ‘visto’ como ocorrência real? Onde estaria, ao fim e ao cabo, a ‘zona de segurança’, a linha de demarcação em nossa condição humana para verificarmos se algo, sobretudo na esfera do desejo e da vontade, ‘aconteceu’ ou não? Eis, portanto, a grande indagação lançada pelo Expressionismo: Que seria, verdadeiramente, a Realidade Humana? Ou, em outras palavras, qual seria sua manifestação mais genuína? O nebuloso orbe de sonhos, pulsões e desígnios do Inconsciente, ou o plano ‘concreto’ da ação consciente?


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Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros

Notas de reflexão crítica XX - sobre a dicotomia FÉ / RAZÃO

Alphonse van Worden - 1750 AD




- Proponho-vos à partida, egrégios confrades, a seguinte indagação Sendo o Criador omnipotente e ilimitado, como então a inteligência humana, finita e limitada, poderia afirmar que Ele não poderia, por um desígnio impenetrável de Sua vontade, modificar o fado destinado às Suas criaturas? Não temos, pois, e tampouco jamais teremos, verdadeiro CONHECIMENTO de atributos como 'infinitude', 'omnipresença', 'omnisciência', etc., mas tão somente podemos intuí-los.

- Se há, de facto, omnipotência, tal atributo necessariamente situa-se numa esfera além de toda compreensão, além da razão, do Bem e do Mal, do Ser e do Não-Ser. À guisa de benévola provocação aos corifeus do tomismo, (muito embora julgue ser uma alegação deveras plausível), lanço aqui a seguinte hipótese: a concepção de Deus advogada pelo mainstream escolástico fornece muito mais munição para a argumentação ateísta que o Deus insondável, imprevisível e arbitrário dos 'voluntaristas'. Ou, em outros termos: sempre que Deus é deslocado da esfera da pura FÉ, que prescinde de quaisquer argumentos, para a esfera da FILOSOFIA (onde todo e qualquer argumento é submetido a rigoroso escrutínio analítivo, e é passível, ao menos em termos de estrutura lógica, de refutação), abre-se um flanco para o ateísmo. FÉ é uma dimensão necessariamente irrefutável; já a razão...

- É razoável supor que o Altíssimo, o Criador de tudo que existe, detenha os atributos da omnipotência, da omnisciência, etc., mas não creio que possamos afirmar taxativamente de que modo os utiliza, nem com que talante. Não há, por exemplo, como conceber a noção de omnipotência sem que a mesma envolva o poder de agir irrracionalmente, e até mesmo malevolamente, pelo menos à luz dos limitados recursos do entendimento humano.

- É mister, sobretudo, que os católicos atentem para o seguinte: ateus podem somente CONVIVER com o credo quia absurdum, mas não podem combatê-lo. Ninguém pode combater a força d'uma convicção que prescinde argumentos. Carl Schmitt, grande pensador católico, sabiamente afirma não haver "cadeia de argumentação lógica capaz de resistir à força de imagens míticas, primordiais" (Der Leviathan in der Staatslehre des Thomas Hobbes - 1938). Ao que acrescento: aquele que visceralmente CRÊ nada precisa provar ou demonstrar, pois sua fé está além, muito além de qualquer argumento. O ateu intelectualmente capaz (o ateísmo primitivo, raivoso, é irrelevante, claro está) é capaz de refutar as mais sutis e laboriosas 'demonstrações' da existência de Deus; não obstante, NADA pode fazer contra a simplicidade d'uma convicção que se basta a si mesma.

- Para aquele que realmente crê, nada pode ser mais fátuo, mais inútil, que discutir os 'porquês' de sua fé. A fé convicta está sempre um passo além de qualquer questionamento, por uma razão muito simples: ela não tem necessidade de formular a questão. É como Santo Atanásio asseverava: "se o mundo estiver errado, então Atanásio será contra o mundo". Com efeito, em nada importa que uma, duas, 10, 100, 1000, 1.000.000, 1.000.000 de vozes proclamem contínua e obsessivamente o contrário: o homem imbuído d'uma convicção tão sólida quanto serena dispensa a anuência ou não dos que o cercam, por mais qualificado que tais elementos possam ser.

- Em verdade, diletos irmãos d'armas, só podemos ter fé genuína no que vai de encontro à razão. Aquilo que somos capazes de compreender (ou pelo menos temos a potência de compreender) não constitui objeto de fé, mas de conhecimento. Não há como conceber que um ato de fé seja passível de entendimento.

- Decerto toda religião necessariamente possui um corpus doutrinário, ou seja, um conjunto de princípios (alguns de índole dogmática, outros não) que expressam as crenças, tradições e valores professados por uma determinada confissão religiosa. Tal corpus, claro está, como qualquer conjunto de teses ou preceitos, é concebido / organizado de forma racional. Não obstante, a ESSÊNCIA, o SUBSTRATO metafísica que informa o imo d'uma religião é, sem dúvida, uma dimensão que está além da razão, e que não pode formulada através de argumentos formalmente lógicos e racionalmente sustentados. Tomemos em consideração, por exemplo, o dogma da Santíssima Trindade: de que modo poderíamos formulá-lo racionalmente como proposição?

- Devemos, portanto, egrégio confrades, como amiúde tenho vos advertido, advogar as idéias do Venerabilis Inceptor William of Ockham, estabelecendo, assim, uma demarcação nítida entre Fé e Razão, Teologia e Filosofia.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Swans: exercises on aural carnage and sonic rituals of punishment

























Eis aqui, para vosso imenso gáudio, mais uma pérola from my vynil vaults .

Muito bem: eis que nem sempre, ínclitos confrades, o que se denomina como ' rock industrial' caracterizou-se pela monótona pasmaceira eletrônica pseudo-metalizante de bandas como NIN, Ministry, KMFDM, etc. Não obstante, houve um tempo, mais especificamente entre 1977 e 85, em que o termo designava um conjunto de artistas, provenientes sobretudo da Inglaterra, dos EUA e da Alemanha, que empregavam fontes não-musicais (tais como sucata industrial, found sounds , tapes , distorção eletrônica, etc.) em suas composições; formações como Throbbing Gristle, Einstürzende Nëubaten, Test Department, SPK, Blech, Cassiber, Foetus, Whitehouse, NON, Psychic TV, Factrix e, claro está, os mefistofélicos novaiorquinos dos Swans, banda em tela na presente postagem.

A sonoridade dos caras já foi descrita por um crítico britânico como " Sister Ray , do Velvet Undergroud, a 16 RPM e mergulhada num pântano"; de facto, trata-se duma descrição brilhante, assaz acurada: claustrofóbica, ominosa, morosa, catatônica e avassaladora, nos primeiros anos a banda era crueldade sonora em estado bruto, alicerçada na bateria monomaníaca e detonações industrialistas do suiço Roli Mosimann; na guitarra dilacerante e agônica de Norman Westberg; no baixo hipnótico de Harry Crosby; e, claro está, nas insanas imprecações e escalafobéticos ruídos aleatórios perpetrados pelo insano vocalista Michael Gira, líder da banda e também responsável pela cinérea atmosfera de pesadelo kafkiano e perversão sádica que emanava das letras.

O estraçalhante Cop (1984), segundo LP deles é, a meu juízo, o ponto culminante da fase áurea da banda (ao lado de Public Castration Is a Good Idea, uma carnificina sonora gravada ao vivo em 1986).

Cop é o bramir sinistro d'uma siderúrgica envolta em brumas de resíduos industriais, onde homens e máquinas urram de dor, ódio e desespero, comandados por um H.A.L 9000 em disfunção operacional. Assim sendo,  a atmosfera que emana de suas faixas é nebulosa, soturna e ameaçadora, uma espécie de representação sônica da 'zona' interdita de Stalker, percorrida por legiões de espectros abissais. E em meio a a essa universo de inaudito terror, o ouvinte atento, ao detectar, por exemplo, boa parte das matrizes sonoras que hoje informam a ala mais extrema do metal / noise contemporâneo (Burning Witch, Halo, Cortisol, Khanate, Stumm, Aluk Todolo, etc.), perceberá quão influentes esses camaradas ainda são.























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Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte – Deserto dos Tártaros

Expressionismo / Romantismo: duas visões de mundo - I

Alphonse van Worden - 1750 AD




A percepção que se tem do Romantismo e do Expressionismo não raro restringe-se, até mesmo nos meios cultos, aos aspectos mais especificamente 'estéticos', isto é, ao legado artístico-literário de tais movimentos.

Tal concepção não poderia ser mais reducionista: tanto o romantismo quanto o expressionismo (ainda que este último em menor escala) transcendem sobremaneira a esfera de movimentos artísticos, afirmando-se, em verdade, como VISÕES DE MUNDO.

Assim sendo, logram uma ressonância infinitamente mais profunda e abrangente, pois refletem, muito mais que um determinado acervo de padrões estéticos, não só perspectivas filosóficas, políticas e espirituais, mas, sobretudo, facetas permanentes da própria condição humana.

E muito embora a cosmovisão expressionista seja caudatária do ethos romântico, é precisamente a este respeito que podemos identificar a diferença crucial entre ambos: enquanto o romantismo se estabelece como revolta contra a 'Realidade' de âmbito IDEALISTA, o expressionismo encarna a mesma atitude de revolta sob um cariz NIILISTA.

Ou seja: o espírito romântico contempla a possibilidade de uma ‘realidade alternativa’ em relação ao ‘desencantamento do mundo’ (Max Weber) gerado pelo advento do iluminismo. Tal talante transformativo pode, por seu turno, revestir-se tanto d’um caráter RESTITUCIONISTA quanto dum matiz REVOLUCIONÁRIO.

No primeiro caso, postula essencialmente o retorno a um Tradionswelt , ou seja, uma ‘Idade de Ouro’, que vai decididamente de encontro ao caráter utilitário, pragmático e 'quantificável' da modernidade, em nome dos valores perenes d'uma Ordem transcendente, atemporal, pautada pelos princípios da HONRA, da LEALDADE, da REALIZAÇÃO ESPIRITUAL, da CORAGEM, da RENÚNCIA e do ASCETISMO MATERIAL, o que podemos claramente diagnosticar, por exemplo, na obra de um poeta e pensador como o alemão Friedrich Von Hardenberg, dito Novalis, mormente em seu ensaio A "Cristandade ou a Europa" (1799), onde o autor advoga um retorno à Idade Média sob os auspícios da Igreja, cuja unidade harmônica poderia regenerar espiritualmente uma Europa convulsionada por dissensões políticas e religiosas; ou então através dos romances medievalistas de seu compatriota Achim Von Arnim, animados por uma fervorosa apologética católica, bem como em numerosos outros autores do período.

Em se tratando da variante revolucionária, temos a projeção no futuro d’uma nova Humanidade liberta dos grilhões do materialismo, do egoísmo e da injustiça (a esse respeito, poderíamos citar a figura do inglês William Blake, e seu célebre poema "The French Revolution" (1791), por exemplo, onde os eventos do processo revolucionário decorrido em França entre 1789 / 1794 são transfiguradas à luz d’uma concepção mítica da História, encarada como processo em direção à sublimação total do Espírito; ou ainda o também inglês John Keats, que em composições como "Ode to Liberty" (1820), retrata o futuro como esfera de realização d’uma radiosa utopia de Amor e de Beleza, expressão suprema de todas as virtudes que, em épocas passadas, eram apenas um anseio fugidio.

Nos marcos do expressionismo, por outro lado, já não há qualquer esperança de redenção para a Humanidade, tanto no ‘passado’ quanto no ‘futuro’; seu espírito de revolta assume, portanto, um caráter de desespero cósmico, de urro primal e apocalíptico contra o sumo horror d’uma Realidade que já não mais pode ser transformada. Não por acaso, vale dizer, a poesia, o cinema, a música, a pintura, a gravura e o teatro expressionistas estão pejados de imagens recorrentes de decomposição, desintegração, putrefação, corrupção, depravação, cinismo, brutalidade, crueldade e aniquilamento, não raro evocadas com uma espécie de prazer sádico, de exaltação mórbida (considere-se, a esse respeito, o ominoso universo poético de autores como Georg Tralk (este de nacionalidade austríaca), August Stramm e Gottfried Benn.

Benn, constitui, aliás, um exemplo emblemático da contínua simbiose e interpenetração entre o expressionismo e o romantismo: a princípio um dos grandes nomes da poesia expressionista, afastou-se paulatinamente de seus horizontes iniciais e, no decorrer da década de 30, imbuído d’uma perspectiva inequivocamente romântica, gravitou em torno do Nacional-Socialismo, pois cria que o regime seria capaz de criar uma ‘Nova Esparta’, habitada por um povo de heróis (não devemos nos esquecer, há que ressaltar, que a própria ideologia nazista, que sem dúvida constitui uma manifestação de romantismo político, tampouco estava isenta de contradições – na Conferência de Bamberg (1926), por exemplo, a maioria do partido, sob a liderança de Hitler, adotou uma perspectiva mais conservadora, rejeitando a orientação mais nitidamente socialista e revolucionária que os irmãos Otto e Georg Strasser tencionavam imprimir ao movimento; a ‘Noite das Facas Longas’ (1934), com o expurgo de Ernst Rohm e da cúpula dirigente das SA, etc.).

Percebe-se, também, o influxo d’uma ‘antilógica’ do sonho – ou, mais especificamente falando, do pesadelo, no tocante ao expressionismo alemão -, onde as fronteiras entre passado, presente e futuro se desintegram, convertendo-se num fluxo subterrâneo e contínuo de espectros, penitências, temores, tormentos. Trata-se, enfim, não seria irrazoável sublinhar, d’uma lôbrega, sinistra celebração da MORTE, bem como de todas as angústias, terrores e maldições que assaltam o ser humano. Assim sendo, a arte e a literatura expressionistas conjuram uma atmosfera claustrofóbica, sufocante e soturna, sempre permeada por um enigmático senso de catástrofe iminente; e o homem, outrossim, é descrito/percebido como joguete inerme e impotente nas mãos do Destino, sempre insondável e ameaçador.

Por fim, é mister assinalar outra distinção fundamental entre as visões de mundo expressionista e romântica: o expressionismo, mergulhado num horizonte de trevas e desesperança, não é passível de ‘politização’, ou seja, de plasmar-se em ‘combustível’ ideológico para qualquer forma de ação política. O romantismo, por seu turno, ao acalentar a possibilidade de transformação radical da Realidade, torna-se, pois, plenamente permeável à ação e pensamento políticos, fenômeno amiúde verificável, saliente-se, tanto no que tange à sua vertente restitucionista, quanto no que concerne à sua faceta revolucionária (dimensões que não raro se interpenetram, registre-se).

Assim sendo, poderíamos aqui mencionar autores como o alemão Ernst Jünger, a um só tempo predicando, de um lado, nostalgia da gemeinschaft (comunidade) orgânica do medievo germânico, o primado d’uma ‘Aristocracia do Espírito’, formada por guerreiros, pensadores e poetas; e, de outro, e a premente necessidade, de maneira a proteger a nação de qualquer ameaça externa, de um Estado de ‘Mobilização Total’ ("Die Totale Mobilmachung" - 1930) da sociedade industrial em prol de um esforço de guerra permanente.

A esse respeito, destaca-se, como emblemático exemplo inicial de sua capacidade de trabalhar a partir de diferentes linhas de fuga, na obra de Jünger o extraordinário "In Stahlgewittern" (Tempestades de Aço - primeira edição em 1920 / edição definitiva em 1961). O supracitado volume constitui tanto um relato de vigoroso e implacável realismo (e, ao mesmo tempo, pejado de êxtase delirante) sobre suas experiências como tenente do exército alemão na I Guerra Mundial, quanto um dionisíaco ensaio sobre a guerra como veículo de sublimação ascética e realização espiritual.

O escritor alemão encara a experiência bélica, portanto, como derradeira oportunidade para o homem contemporâneo, ser avesso ao substrato mítico e religioso que lastreia seus alicerces históricos e culturais, livrar-se do pragmatismo medíocre e conformista, para então alçar-se à olímpica esfera das virtudes de um legítimo Kshatrya (o arquétipo védico do Guerreiro), para quem o combate tem sua recompensa em si mesmo, ainda que não seja coroado pela vitória; ou, em outras palavras: um homem para quem a guerra é uma esfera que vai muito além das causas e circunstâncias que condicionam cada conflagração em particular, estabelecendo-se, ao contrário, como dimensão cósmica que se projeta na ETERNIDADE, onde os autênticos kshatriya não podem ser derrotados pelos escravos do 'Reino da Quantidade' (Guenón), das sombras voláteis e fugidias do ‘Agora’, submetidos ao fluxo errático e transitório do TEMPO.

Para Jünger, portanto, mesmo que a vertiginosa evolução tecnológica da arte da guerra na modernidade acabe, ao fim e ao cabo, por minimizar a iniciativa individual do guerreiro, sua glória o projeta nos páramos da Eternidade. O mesmo acervo de idéias seria retomado mais tarde, vale dizer, n’outro ensaio do autor, "A Guerra como experiência interior" (1922), onde Jünger, à luz do "Bhagavad Gita", reafirma sua concepção da guerra como transfiguração coletiva do conflito primordial entre o BEM e o MAL, dimensões presentes no espírito de cada ser humano.

Mencionemos também, ainda no campo restitucionista, o filósofo italiano Julius Evola (1898 - 1974), senhor d’um estilo inigualável em sua épica majestade e estratosférico arrebatamento, com sua defesa do retorno aos arcanos da Tradição como alimento espiritual para a ‘revolta contra o mundo moderno’ (título, aliás, de seu trabalho mais importante, publicado em 1934), ainda que tal revolta conduza o ‘aristocrata do espírito’ ao desterro e isolamento no seio da sociedade burguesa (consoante enfatiza o autor siciliano, "uma única coisa deve importar ao Homem: permanecer de pé entre as ruínas."). É mister salientar o significado do conceito de Tradição engloba, em sentido lato, os fundamentos, os alicerces espirituais der cada civilização. Em sentido mais restrito (tal como o que podemos identificar, por exemplo, no pensamento de autores como o chileno Miguel Serrano e a francesa Savitri Devi - nascida Maximine Julia Portaz), trata-se na crença na ‘Idade de Ouro’ durante a existência da Hiperbórea, país mítico que, consoante a mitologia grega, localizava-se no extremo norte da Grécia, na região da Trácia (que hoje corresponde áreas da própria Grécia, da Turquia e da Bulgária), onde reinava Bóreas, o semideus do Vento Norte, súdito de Apolo.

Para Evola, trata-se, sobretudo, da revolta sagrada do sentido atávico da existência (simbolicamente encarnado nas tradições culturais caudatárias do ethos hiperbóreo) contra os falsos ídolos da razão, cujo móvel seria aniquilar qual sede de realização espiritual na alma do homem contemporâneo. Tal perspectiva, que predica a nobreza do espírito ascético do ‘Aristocrata de Espírito’ em meio à desintegração política, moral e cultural, sob a égide das ideologias iluministas, da civilização ocidental é, vale dizer, sintetizada à perfeição num dos mais incisivos ensaios de Evola, "Orientações" (1971): "No sentido espiritual, existe efetivamente algo que pode servir como orientação para as nossas forças de resistência e de revolta: este algo é o espírito legionário. É a atitude de quem sabe escolher o caminho mais duro, de quem sabe combater ainda que sabendo que a batalha está materialmente perdida, de quem sabe reviver e revalidar as palavras da antiga saga nórdica: «A fidelidade é mais forte do que o fogo»."

Por fim, no que concerne à faceta revolucionária do romantismo político, há que mencionar o engenheiro e sociólogo francês Georges Sorel (1847 - 1922), que em sua obra magna, "Reflexões sobre a Violência" (1908), estabelece uma distinção entre as noções de 'mito' - numa acepção político-ideológica do termo - e 'utopia / ideal', com o 'mito revolucionário' funcionando como 'profecia auto-realizável', no sentido de não depender de fatores transcendentes para ser levado a efeito; ou ainda o militante político e ensaísta peruano José Carlos Mariátegui (1894 -1930), que advogava, sob a influência do supracitado Sorel e de Charles Péguy, que "O mito move o homem na história. Sem um mito a existência do homem não tem nenhum sentido histórico. A história, fazem-na os homens possuídos e iluminados por uma crença superior, por uma esperança sobre-humana; os demais constituem o coro anônimo do drama. A crise da civilização burguesa mostrou-se evidente desde o instante em que esta civilização constatou a carência de um mito.(...) a força dos revolucionários não está na sua ciência; está na sua fé, na sua paixão, na sua vontade. E uma força religiosa, mística, espiritual. É a força do Mito.” ("O Homem e o Mito" - 1925)

Mariátegui ressaltava, assim, a profunda emoção messiânica inerente a qualquer processo revolucionário, bem como seu caráter decididamente voluntarista e romântico; concebe, pois, o pensamento marxista não como tola pseudociência desprovida de fundamento epistemológico, mas como creación heroica da sociedade revolucionária. Destarte, o autor peruano insere-se inequivocamente na perspectiva de uma espécie de 'teologia messiânica' da ação revolucionária, onde, por um lado, o fervor religioso engendra a transformação política, e a consciência política, por outro, desperta a fé religiosa para a realidade concreta do Homem. É, em última análise, a concepção da política revolucionária como Mito e Mística, fome do Absoluto, construção mítica d’uma Nova Humanidade.

O expressionismo, por seu turno, renunciando a qualquer possibilidade de intervenção política, mergulha num turbilhão de pesadelos e aspirações caóticas.

Reparem, por exemplo, neste emblemático desígnio entranhado no imo do ethos expressionista: por um lado, celebra-se / exalta-se a ‘Ditadura do Espírito’ sobre a Matéria, ou, n’outros termos, a brutal disposição do Eu totalitário que, negando a realidade objetiva, molda o Universo a sua imagem e semelhança; e, por outro lado, tal visão de mundo revolta-se in limine contra qualquer autoridade socialmente constituída, justo porque tais autoridades emanam d’um ‘contrato coletivo’ objetivamente formulado, mas que não é sancionado por todos os indivíduos, e que vai especialmente de encontro às aspirações e desígnios daqueles que estão fora da esfera de convenções e procedimentos-padrão do ‘homem médio’. Percebe-se, pois, na cosmovisão expressionista, um inexorável sentimento de desconfiança, e mesmo de aversão, a qualquer forma de autoridade que não surja do livre jogo das subjetividades do EU.

A incapacidade de formular uma perspectiva transformativa do mundo radica na convicção de que o expressionista já não 'vê', mas tem 'visões'. Ou seja, a realidade não é mais contemplada segundo os dados dos sentidos, mas o homem consegue tão somente projetar visões subjetivas e interiorizantes do Real. A cadeia de fatos já não mais existe, existindo tão somente a visão interior que provocam. É preciso aprofundar sua essência, discernir o que há além de sua forma acidental. É o artista que, trespassando-os, se apodera da forma real que há por trás deles, e permite o conhecimento de sua essência verdadeira. O artista expressionista procura, em lugar de um efeito passageiro, o significado eterno dos fatos e objetos. Devemos - dizem os expressionistas -, nos desligar da natureza e tentar resgatar a “expressão mais expressiva de um objeto”, pois somente assim sua aura visível pode ser atravessada.

É preciso tratar ainda de outro ponto do expressionismo: a questão da abstração da realidade. O historiador Wilhelm Worringer, em seu "Abstraktion und Einfühlung" (1907), antecipa muitos preceitos do expressionismo, o que prova a que ponto esses axiomas estéticos estão próximos da weltanschauung alemã.

A abstração, argumenta Worringer, nasce da grande inquietação que experimenta o homem aterrorizado pelos fenômenos que constata a seu redor e dos quais é incapaz de decifrar as relações, os misteriosos contrapontos. Essa inquietação primordial diante do ilimitado faz com que o homem tenha o desejo de ‘arrancar’ o objeto de seu contexto original, libertá-lo de sua teia de relações com os demais objetos, com o objetivo de, tornando-o único, atingir seu absoluto. Consoante tal perspectiva, o homem nórdico sempre sentirá a presença de “um véu entre ele e a natureza”, e por isso aspira a uma arte abstrata. Os povos germânicos, atormentados por uma discordância interior, que encontra obstáculos quase insuperáveis, precisam desta patética agonia que conduz à enigmática “animação do inorgânico”, tema que, aliás, é central na produção literária do romantismo alemão, e que pode ser visto em alguns dos melhores relatos de E.T.A Hoffmann, tais como "O Homem de Areia" e "Os Autômatos", bem como desempenhará um papel fundamental em um filme como "O Gabinete do Dr. Caligari". A energia vital presente no inorgânico, o estado de animação suspensa em que se encontram os objetos, são o caminho para atingir a essência de seu absoluto, que independe do estabelecimento de quaisquer relações transitórias.

Worringer considera que o homem mediterrâneo, tão perfeitamente harmônico, jamais conhecerá esse êxtase da “abstração expressiva”; Edschmid, por seu turno, enfatiza ainda que tudo deve permanecer na condição de esboço e vibrar de tensão imanente, para que sejam salvaguardadas a efervescência e a excitação perpétuas. Trata-se, pois, d'um mundo paralelo, povoado por visões subjetivas, misteriosas agitações do inorgânico e profecias inquietantes sobre uma nova era, a aurora de milagres cruéis.