segunda-feira, setembro 07, 2020

OPVS




 Aplaudi, ó irmãos d'armas, mais este excelso fruto da parceria literária entre dois egrégios discípulos do cap. Van Worden: os srs. Alfredo d'Annunzio (ARRS) e Gabriel C. Rodriguez.


OPVS

Numa das mais antigas galerias comerciais da cidade de Ooth-Nargai, uma imponente estrutura em pórfiro, pavimentada por lajes de mármore negro e azul, e encimada por um teto rendilhado em hipnóticas abstrações geométricas, havia, segundo me disseram, uma fabulosa livraria, especializada em obras raras, e que possuía em seu acervo livros jamais editados, e até mesmo, especulava-se, manuscritos de obras imaginárias...

Morando nos arredores da cidade, cujo centro parecia estar a cada ano mais distante, era-me custoso ir até a galeria, uma vez que para nós, seres periféricos, tornava-se difícil a orientação nos meandros labirínticos de uma arquitetura cada vez mais intrincada. A necessidade, contudo, haveria de resolver a questão: um antigo pagamento, já há muito prometido, finalmente estava à minha disposição. A sensação de poder gerada pelo dinheiro (uma quantia bastante razoável, asseguro-lhes) encorajou-me a procurar a famosa loja.

Ao atingir os majestosos portais de ônix que guarneciam sua entrada, percebi o profundo silêncio que emanava da galeria, em flagrante contraste com o ruído que se poderia esperar de um centro comercial. Não demorei a encontrar a livraria, cujo nome fazia jus à sua reputação: 


Arcana Coelestia


Entrei. Os fregueses, imersos em seus lúcidos sonhos, flutuavam ao redor das imponentes estantes, onde o périplo dos séculos se dissolve em reflexos crepusculares.

Solitário, e bem no centro da livraria, despertou-me atenção um alentado tomo de capa negra, pousado sobre um magnífico pedestal em estilo bizantino.

Aproximei-me. O volume, encadernado em marroquim, intitulava-se OPVS. O frontispício, igualmente espartano, informava que a obra em questão era um manuscrito perdido, encontrado pelo alquimista francês Fulcanelli (1839 - 1923) no ano de 1880 numa biblioteca em Praga, e editado, em exemplar único, logo após a morte de seu descobridor. Quanto à autoria, as referências eram outrossim crípticas: o próprio Fulcanelli cria ser obra inexoravelmente entretecida per saecula saeculorum pelos fatais sortilégios do DESTINO; consoante o igualmente douto parecer de messire Eugéne Canseliet, todavia, era mister atribuir OPVS aos fortuitos jogos de ars combinatoria do ACASO...

 

Na página seguinte, li as seguintes palavras:

 

Houve o conhecimento; doravante haverá o OPVS.

Eis a verdade da Fé: chegamos ao ponto derradeiro, à última fronteira; à morte da palavra; ao fim da linguagem.

Todo o universo, os insondáveis desígnios do universo, o verbo de deus, a dança de Shiva, os aeons de Brahman, concentram-se na cosmogonia infinita de pontos insepultos...

Todo o Universo, temerário leitor... Pois também tu cá estás: teus sentimentos, tuas mais recônditas memórias, tuas mais íntimas sensações, o que jamais pensaste, mas poderias ter pensado, e até mesmo o que ainda pensarás e sentirás.

Por teres ousado ler o que jamais deveria ser lido, aqui permanecerás, defronte ao OPVS, pelos séculos dos séculos, imóvel e silente...



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Ten. Giovanni Drogo 

Forte Bastiani

Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros

quarta-feira, setembro 02, 2020

Brevíssima nota a propósito de D. Luis de Góngora y Argote


Alphonse van Worden - 1750 AD


Se por acaso, venerabilíssimos irmãos d’armas, nunca lestes D. Luis de Góngora y Argote, sinto muito em dizer, mas não tendes uma real dimensão do que é o rebuscamento estilístico e formal em matéria de literatura.

Com efeito, o avatar supremo do culteranismo leva às últimas consequências, ao mais radical paroxismo os postulados estilísticos desta excêntrica escola da barroco literário ibérico: os labirínticos jogos de palavras; a profusão de alusões eruditas, mormente de cariz mitológico; a catadupa de figuras de linguagem, tudo na poesia gongorina explode em miríades policromáticas de fogos de artifício verbais, num vertiginoso bailado onde a perigosa fronteira entre o sublime e o ridículo, é mister admitir, amiúde é violada. Mas pouco importa: quando tudo se 'encaixa', e a frivolidade do tema não atrapalha a apreciação do virtuosismo formal, Góngora atinge patamares de excelência que pouquíssimos outros autores lograram alcançar. O insigne Dámaso Alonso, por exemplo, irá denominá-lo o "místico das palavras", o que significa dizer que o notável mestre do Siglo de Oro lograva conferir "um sentido mais puro às palavras da tribo" (Mallarmé), haurindo de sua mera literalidade uma plêiade inaudita de signos encantatórios, de sua prosaica denotação novas galáxias semânticas.

Vejamos ao sabor do acaso, pois, as cincos estrofes iniciais de El Panegírico al Duque de Lerma (1617), obra da maturidade do autor (e que sem dúvida influenciaria ulteriormente Bossuet, o indisputado primus inter pares do gênero), se calhar não tão célebre quantos as Soledades (1613), mas a meu ver ainda mais complexa e fascinante.


*

I

 Si arrebatado merecí algún día
tu dictamen, Euterpe, soberano,
bese el corvo marfil hoy de esta mía
sonante lira tu divina mano;
émula de las trompas su armonía,
el Séptimo Tríón de nieves cano,
la adusta Libia sorda aun más lo sienta
que los áspides fríos que alimenta.


II

 Oya el canoro hueso de la fiera,
pompa de sus orillas, la corriente
del Ganges, cuya bárbara ribera
baño es supersticioso del oriente;
de venenosa pluma, si ligera,
armado lo oya el Marañen valiente;
y débale a mis números el mundo
del fénix de los Sandos un segundo.


III 

  Segundo en tiempo sí, mas primer Sando
en togado valor, dígalo armada
de paz su diestra, díganlo trepando
las ramas de Minerva por su espada,
bien que desnudos sus aceros cuando
cerviz rebelde o religión postrada
obligan a su rey que tuerza grave
al templo del bifronte dios la llave.


IV 

  Este, pues, digno sucesor del claro
Gómez Diego, del Marte cuya gloria
a las alas hurtó del tiempo avaro
cuantas le prestó plumas a la historia,
éste, a quien guardará mármoles Paro
que engendre el arte, anime la memoria,
su primer cuna al Duero se la debe
si cristal no fue tanto cuna breve.


V 

  Del Sandoval, que a Denia aun más corona
de majestad que al mar de muros ella,
Isabel nos lo dio, que al sol perdona
los rayos que él a la menor estrella,
hija del que la más luciente zona
pisa glorioso, porque humilde huella
(general de una santa compañía)
las insignias ducales de Gandía.



sexta-feira, julho 24, 2020

A propósito de Sleepy Hollow (Tim Burton, 1999)




Resgatando cá esta bela crônica, originalmente publicada na revista online Contracampo. 

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SLEEPY HOLLOW (1999) - Tim Burton

De quando em quando o velho e carcomido cinemão americano ainda nos brinda com uma obra admirável. Desta vez a gratíssima surpresa chama-se Sleepy Hollow (1999), último filme de Tim Burton, em cartaz no Rio de Janeiro. Urdido pelo magnífico prestidigitador de artifícios visuais que Burton sempre foi, Sleepy Hollow resgata uma linhagem cinematográfica pouco freqüentada nas últimas décadas: o verdadeiro cinema fantástico, na melhor tradição de milagres feéricos como La Chute de la Maison Usher (1924), de Jean Epstein, La Belle et la Bête (1946), de Jean Cocteau, ou The Innocents (1961), de Jack Clayton; e já não era sem tempo, pois 15 longos anos nos separavam do último exemplar que tivemos deste nobre gênero da Sétima Arte, o inglês The Company of Wolves, de Neil Jordan. A exemplo de seus ilustres antecessores (notadamente Epstein e Clayton), Burton, que muitas vezes malbarata seus dotes de ilusionista em roteiros medíocres, desta vez pode contar com um material dramático de primeira linha, a célebre novela The Legend of Sleepy Hollow (1819), obra-prima do escritor norte-americano Washington Irving.


O filme é, sobretudo, uma orgia visual estupefaciente, um inebriante bailado de deslumbrantes tableaux vivants, que harmonicamente fluem da paleta de Tim Burton e de seu fotógrafo Emmanuel Lubezki, ambos convertidos em pintores de pesadelos vivos. Nas passagens tenebrosas e sombrias, sentimos o inequívoco eco do atroz universo gótico de Mathias Grunewald e Pieter Brueghel, das litanias flamejantes de Hieronymus Bosch, dos fogos-fátuos oscilantes de Henry Fuseli e Caspar David Friedrich, dos espectros ominosos de Gustave Moreau; nos interlúdios líricos e serenos, vemos entrar em movimento o êxtase solar das névoas de William Turner, o sonho idílico das telas de Sir Thomas Gainsborough. Deve ser enaltecida a mestria com que Burton conseguiu manejar esse acervo de epifanias pictóricas sem prejuízo para o ritmo frenético de sua narrativa. Sleepy Hollow é, de fato, um filme de ação incessante, de sobressaltos contínuos e faiscantes. Mas reparem: não se trata, de modo algum, do tipo de ação dramática que encontramos habitualmente no lixo radioativo emitido por Hollywood, onde o compasso desvairado das imagens exerce um efeito paralisante sobre o entendimento do público. Na fita de Tim Burton, o movimento espasmódico, ao contrário, é um veículo surreal que descortina perspectivas insólitas e fascinantes para o espectador, que encontra na tapeçaria onírica de Sleepy Hollow um véu diáfano e etéreo entre o que contempla e a "realidade" palpável. Os cenários do filme parecem atormentados por uma inefável discordância interior, tensão que conduz à misteriosa animação do inorgânico aspirada pelos românticos e expressionistas alemães. A energia cinética presente neste inorgânico, que murmura gritos silenciosos, movendo-se numa dimensão insólita entre o delírio e o assombro, no estado de animação suspensa em que se encontram os objetos, é o caminho para atingir a essência de um absoluto que independe do estabelecimento de quaisquer relações transitórias.


Outro ponto a ser ressaltado é a extrema felicidade de Burton na escolha de seu elenco. O casal de protagonistas (Johnny Depp e Christina Ricci) está excelente. Depp, emprestando seu charme gauche e habitual nonchalance ao detetitve Ichabod Crane, confere uma feição irônica a seu personagem, ao mesmo tempo em que consegue expressar o cárater perplexo e sensível do Crane original de Washington Irving. Cristina Ricci, sempre cativante em sua beleza frágil e singular, interpreta a donzela gótica Katrina Van Tassel. Evanescente e sensual, inocente e enigmática, Ricci faz de Katrina uma heroína romântica digna dos mais belos devaneios femininos de Edgar Allan Poe e Villiers de L’Isle-Adam. Os coadjuvantes estão igualmente fabulosos: Ian McDiarmid (Doutor Lancaster), Michael Gambon (Baltus Van Tassel), Richard Griffiths (Juiz Samuel Philipse), Jeffrey Jones (Reverendo Steenwyck) e Michael Gough (Tabelião Hardenbrook) formam uma galeria de tipos que poderia figurar nos melhores relatos de E.T.A Hoffmann. Ainda dentre os coadjuvantes, destaque especial para a bonita Miranda Richardson, que compõe uma sinistra e requintada Lady Van Tassel, e, obviamente, para Christopher Walken, esplêndido como o aterrador Cavaleiro sem Cabeça. Lembremos também da simpática homenagem que Tim Burton presta a um de seus ídolos de infância, o lendário ator inglês Christopher Lee, que faz uma ponta como o Burgomestre de Nova York.


Sleepy Hollow é um filme que merece ser visto, revisto e conservado para noites de brumas imprecisas e emanações espectrais. Pois, afinal de contas, quantos anos mais teremos de esperar por outro filho da augusta estirpe das fantasias atmosféricas e elegantes?

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Ten. Giovanni Drogo 

Forte Bastiani

Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros


sábado, junho 06, 2020

Uma crônica crepuscular


Alphonse van Worden - 1750 AD
                                                                      

Hoje este vosso inditoso confrade viveu uma das experiências mais dolorosamente amargas de seu já longevo périplo sobre a Terra; não obstante, revestiu-se o episódio outrossim d'um cariz melancolicamente poético, conforme os senhores verão.

Vamos lá: perambulava eu sem rumo definido por um aprazível reduto da alta burguesia carioca (Shopping Leblon) quando súbito senti um leve abraço em torno de meus joelhos. Voltei-me para baixo, surpreso, e contemplei os olhinhos vivazes e travessos de um anjinho barroco de della Robbia animado pelo sopro divino, ou então um gracioso zéfiro renascentista emanado d'uma tela de Botticelli. Era uma encantadora garotinha loira d'uns dois anos de idade, ricamente ataviada. Agachei-me para falar com ela, e a pequenina gritou, com sua vozinha argentina: "papai, papai!".

Instantes depois, outra voz fez-se ouvir, num tom de amável, complacente e divertida admoestação: "Vitória querida, não é o papai não, meu anjo!". Voltei-me para a recém-chegada e o que vi foi seguramente uma das mais belas mulheres em que já tive a (des)ventura de pôr os olhos nesta vida: uma verdadeira valquíria encarnada, Bibi Andersson rediviva, vênus resplendente, iridescente e refulgente em seu porte de sílfide, oceano de longos cabelos platinados, semblante radiante e impecável elegância; atrás dela, uma criada, num irrepreensível uniforme negro com rendas brancas, trazia o filhinho menor num carrinho de bebê.


A moça (que deve andar pelos seus 30, 35 anos), ligeiramente atrapalhada com sua constelação de sacolas e embrulhos, sorriu para mim com seus dentes imaculados e disse: "você me desculpe, ela é assim mesmo, não para quieta!", e contemplando meu rosto com certo espanto, continuou: "nossa, mas você realmente é muito parecido com o meu marido, impressionante! Idade, rosto, porte, altura, que engraçado! E ainda por cima eu tinha dito a ela que o pai já estava chegando para apanhar a gente haha!". Tudo em seu rosto e modo de ser exalava uma felicidade serena, altaneira e convicta, a felicidade daqueles que têm plena certeza de onde vieram e sabem com absoluta segurança para onde irão, a felicidade de quem só poderia ser mãe d'uma VITÓRIA, em todos os sentidos possíveis e concebíveis.


Obviamente afaguei o rosto da criança, proferi algumas amabilidades protocolares e foi isso, despedimo-nos, aquela linda e feliz família rumando ao encontro do pai e marido, e eu... eu... Deus meu, que tenho feito de minha vida? Pus-me então a pensar em meu desconhecido e privilegiado doppelgänger: que teria feito ele, por exemplo, para merecer aquela plêiade de arcanjos, da valquíria digna d'uma saga nórdica à bela prole áurea? Teria ele nascido em 'berço esplêndido', desfrutado das prerrogativas e oportunidades que tal condição proporciona? Ou, pelo contrário, na intricada e complexa trama que compõe a diáfana tule da vida, ele soube entretecer os fios certos e desatar os nós cegos, ao passo que eu tudo emaranhei? Difícil saber... o fato é que aquele afortunado homem era aguardado alegremente por sua maravilhosa família, ao passo que eu... eu... enfim, que importa? QUEM se importa?



domingo, março 08, 2020

Ad Majorem Dei Gloriam I - Sancta Inquisitio


¡Adelante, España! - Homenaje a Dom Miguel y a José António Primo de Rivera






In laude di Ezra Pound




In Memoriam IX






Ascetismo

Austeridade


Disposição marcial


Espírito de sacrífico



Tais foram os principais atributos que caracterizaram o venerável Major-General iraniano قاسم سلیمانی, comandante da Força Quds entre 1998 e 2020, cuja gloriosa folha de serviços a serviço da revolução islâmica tão somente os pósteros serão capazes de dimensionar em toda a sua magnitude.

Soleimani foi martirizado a 3 de janeiro deste ano pelos solertes sicários do Grande Satã; não obstante, tal como sempre ocorre, o sangue dos mártires jamais é derramado em vão: seu exemplo frutificará e a causa à qual dedicou sua existência triunfará no iridescente palco da História.


O Gen. Soleimani, que para vós se descortinem, infindas e altaneiras, as iridescentes veredas da ARCANA COELESTIA!!!



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Ten. Giovanni Drogo


Forte Bastiani


Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros