domingo, junho 12, 2016

OS HERDEIROS DA TERRA - Gabriel Schmitt




Caros irmãos d'armas: 

Como bem sabeis, as solitárias vigílias cá no Bastiani não raro se revestem dos mais astrosos sobretons. Sob os de Selene ominosos e infrenes eflúvios, pelo tártaros aguardamos, noite após noite, madrugada após madrugada, em espetral silêncio mergulhados, de maiores expetações já destituídos, a matar e a morrer resignados, pois este é o nosso inexorável fado...  

Eis então que o ordenança me entrega uma missiva, a mim dirigida pelo diletíssimo confrade Alphonse van Worden, contendo um poema em prosa lavrado pelo estro de Gabriel Schmitt, núpero e promissor cadete das Legiões Transfinitas; é obra de vigorosa malgrado cuidadosa ourivesaria, prenhe de imagens poderosas e profundas cavilações; desejo, pois, que mediteis atentamente a propósito dela.   

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Ten. Giovanni Drogo 

Forte Bastiani

Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros

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OS HERDEIROS DA TERRA 


Gabriel Schmitt

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Terror! Um horizonte incandescente de infinito terror!
Adiante os estandartes do nosso libertador terrorismo.
Que faz tremer em sincero temor nosso torpe inimigo?

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Tenacidade! Isto é uma fortaleza de sentinelas, cavaleiros e soldados!
Lunáticos idealistas de sentidos aguçados em vigília intermitente perambulando pelas ruelas de uma cidade sombria.
Devemos realmente resistir a tentação de derramar óleo fervente nos invasores?

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Tirania! Instauremos o sagrado teísmo da teocracia!
O fútil teatro da democracia extirparemos com os tiros dos fuzis.
Sem titubear deceparemos a cabeça da democracia ocidental?

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Tragicomédia! Tremulou a bandeira velha do vil cadáver!
Este jaz com a cabeça guilhotinada e os ossos trincados.
Iremos guarda-la numa tétrica tigela e oferta-la a tórridas hordas?

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Teorias! Inúteis e melindrosas fluindo através do rio da morte!
Esquecidas, mutiladas e jogadas em tenebrosas caldeiras.
Existe alguém para incinera-las nas termas de fogo do inferno?

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Treva! Eis o destino final do outrora dito invencível inimigo!
Uma tumba desolada e inabitada a qual sol algum jamais tocou.
Rodeada por tímidos e esparsos tributos de velhos cegos?

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Testemunhem! Uma nova terminologia construída a partir das ruínas decadentes!
Signos solares e símbolos lunares trançados como numa bela cabeleira de mulher.
Formosos troféus em marcha rumo a eternidade transfinita?

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Teologia! Sem tréguas ou tratados nossas tensões extinguimos!
A tez límpida vislumbra com olhos fixos o absoluto.
Quem deve se tornar herói que irá nos guiar para fora da caverna?

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Terra! Eis o solo santificado à nossa espera desde os mais prístinos tempos!
Dançaremos ao redor da fogueira do alvorecer ao anoitecer embalados pelo som da música das esferas.
O pão, o vinho, as arvores, o azeite, a oliveira, o crescente, a tocha, a cruz, os monges, os comuns, quantos virão conosco?

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Que importa? No fim seremos nós a herdar a terra.