sábado, novembro 01, 2008

Apontamentos sobre a filosofia britânica II - investigações sobre lógica indutiva em John Stuart Mill

Alphonse van Worden - 1750 AD






A relevância de A System of Logic: Ratiocinative and Inductive (1843), obra do filósofo inglês John Stuart Mill (1806-1873) deve-se, em grande parte, à sua acurada análise da prova ou evidência indutiva. Através da supracitada análise, Mill tenciona fornecer às ciências empíricas um conjunto de fórmulas e critérios consistentes, isto é, um método rigoroso de justificação dos processos indutivos, que estão inequivocamente inseridos, como já vimos, nos alicerces dos enunciados científicos. Nesse sentido, vale dizer, suas investigações adquirem, além de seu evidente caráter lógico, um significativo contorno epistemológico, bem como, em diversos aspectos, elementos para a formulação de uma teoria do conhecimento.

Mill apresenta cinco métodos para a formulação de inferências indutivas: o método do 1) assentimento, o da 2) diferença, o 3) método conjunto de assentimento e diferença, o de 4) resíduos e o das 5) variações concomitantes. O princípio comum aos cinco métodos e que acaba por ser, em si mesmo, o método par excellence dedicado à investigação cientifica, é o da eliminação. Dentre os cinco métodos propostos, portanto, por Mill, constatamos que da diferença assume um papel preponderante.

Todavia, é tão somente nos casos mais simples de conexão causal que podemos aplicar tais métodos diretos de observação e experimentação. Nos casos mais complexos, faz-se mister a aplicação do 'método dedutivo', o qual é composto, segundo Mill, por três operações: 1) indução, 2) raciocínio ou dedução e 3) verificação:

É ao método dedutivo, assim definido em suas três partes constituintes - a indução, o raciocínio e a verificação -, que a mente do homem deve seus mais destacados triunfos na investigação da natureza. Nós lhe devemos todas as teorias que reúnem fenômenos numerosos e complicados sob algumas leis simples, que, consideradas como leis desses fenômenos, não teriam jamais podido ser descobertas pelo estudo direto (...).

Deduzimos a 'lei' ou 'causa' de um efeito complexo a partir de um conjunto de causas simples, conjunto esse cuja ocorrência dá ensejo ao aparecimento de uma 'causa complexa'. Vejamos o seguinte exemplo:

Não pode, quando as ciências naturais alcançaram certo desenvolvimento, haver dúvida quanto às leis de que dependem os fenômenos da vida, já que devem ser as leis mecânicas e químicas das substâncias sólidas e fluidas, que constituem os corpos organizados, do meio no qual elas subsistem e, conjuntamente, as leis vitais particulares dos diferentes tecidos componentes da estrutura orgânica.

As leis de ‘que dependem os fenômenos da vida’, entretanto, devem ser, em primeiro lugar, constatadas através da observação baseada em inferências indutivas diretas, e apenas então finalmente verificadas em comparação com os fatos constituintes do fenômeno que estiver sendo investigado. Desse modo, podemos concluir que o processo está inequivocamente alicerçado na indução.

A validade do processo indutivo como um todo é, segundo Mill, claramente dependente da pertinência do pressuposto que lhe é adjacente: a lei da 'causalidade necessária' dos fenômenos da natureza. Assumindo, pois, que todo fenômeno natural tem uma causa ou antecedente invariável e incondicional, Mill irá investigar o problema da causalidade mais detidamente. A primeira questão a ser formulada é a seguinte: o pressuposto fundamental, que acima mencionamos, é em si mesmo válido? Mill não pode garantir, salientemos, que a lei da 'causalidade universal' é uma intuição da razão ou um princípio transcendental a priori. Para o filósofo inglês, a única afirmação que podemos fazer é a seguinte:

A crença que depositamos na universalidade, em toda a natureza, na lei da causa e efeito, é em si mesma, um exemplo de indução (...) Chegamos a essa lei universal pela generalização de muitas leis de generalidade inferior. Não poderíamos ter a noção da causalidade (no sentido filosófico do termo) como condição de todos os fenômenos, a não ser que muitos casos de causalidade, ou, em outras palavras, muitas regularidades seqüenciais parciais, tenham anteriormente se tornado familiares. As mais óbvias das uniformidades particulares sugerem, e são testemunhas, da uniformidade geral, que uma vez estabelecida, nos permite comprovar o restante das uniformidades particulares das quais é feita.

Estas induções iniciais, que em conjunto resultaram na lei da 'causalidade universal', não podem pertencer ao mesmo tipo de induções rigorosas que estão em concordância com os cânones da indução científica, e que pressupõem a lei da causalidade universal; pertencem, nos diz Mill, a um modo de indução impreciso, o da 'enumeração simples'. Como poderia ser possível, dessa maneira, conferir validade a um processo cujas bases estão assentadas em inferências indutivas imprecisas? Mill irá argumentar que a indução por 'enumeração simples', em outras palavras, a generalização de um fato observado pela simples ausência de qualquer instância contrária, contrastada com a indução crítica da ciência, afigura-se como um processo válido, mesmo que falível. Tal expediente, contudo, assevera o filósofo inglês, deve necessariamente preceder as formas menos falíveis do processo indutivo, atalhando ainda que a precariedade do método de 'enumeração simples' está na razão inversa da amplitude da generalização obtida:

À medida que a esfera se alarga, esse método não-científico torna-se menos e menos capaz de nos induzir ao erro; e a mais universal classe das verdades, a lei da causalidade, por exemplo, e os princípios do número e da geometria, são satisfatória e obrigatoriamente comprovados somente por esse método, e não são suscetíveis a qualquer outra prova.

Mill assevera (tese que, devemos salientar, constitui um dos elementos fulcrais de seu sistema) que a universalidade da lei da causalidade, sendo uma indução de nossa experiência, não se aplica a circunstâncias que desconhecemos, ou que estejam além do âmbito de nossa experiência:

Em partes distantes das regiões estelares, onde os fenômenos podem ser inteiramente diferentes daqueles que nos são familiares, seria loucura afirmar confiantemente que essa lei geral prevalece, tanto quanto aquelas especiais que constatamos serem universais em nosso planeta. A uniformidade na sucessão de eventos, também chamada de lei da causalidade, deve ser recebida não como uma lei do universo, mas como da parte dele que está dentro das nossas possibilidades de observação segura, com um grau razoável de extensão a causas adjacentes. Estender isso mais além é fazer suposição sem comprovação, e na ausência de qualquer terreno experimentado para poder estimar seu grau de probabilidade, seria ocioso
tentar atribuir-lhe qualquer comprovação.

O aparente paradoxo que emerge ao considerarmos que a o princípio da causalidade é, ao mesmo tempo, pressuposto e resultado da indução, é passível de explicação, segundo Mill, ao levarmos em consideração a teoria tradicional das inferências lógicas, que encara a premissa maior num raciocínio como a prova real de verdades particulares que, forçosamente, dela derivam. O filósofo inglês argumenta que premissa maior não é prova da conclusão obtida num silogismo, mas é ela mesma comprovada, juntamente com a conclusão, pela mesma evidência indutiva. A silogística tradicional envolveria, portanto, uma petitio principii, uma vez que a conclusão já está contida na premissa maior: ao sabermos que 'todos os homens são mortais', sabemos, e não necessitamos de nenhuma prova, que 'Sócrates é mortal'. Nenhum raciocínio que proceda do 'geral' para o 'particular' pode, como tal, provar coisa alguma, pois de um princípio geral não podemos inferir um particular, mas somente aqueles casos que o princípio geral em si já assume em sua própria formulação. Na verdade, afirma Mill, a premissa maior de um silogismo é apenas um registro de induções anteriores, bem como uma breve fórmula breve para continuarmos a induzir:

A conclusão não é uma inferência extraída da fórmula, mas uma inferência expressada de acordo com a fórmula; sendo que o verdadeiro antecedente lógico, ou premissa, são os
fatos particulares que levaram, por indução, à inferência da proposição geral.

A premissa maior se afigura apenas como uma espécie de nota taquigráfica, com o fito de auxiliar nossa memória: a inferência está, pois, completa quando asseveramos que 'todos os homens são mortais'; o que resta a ser feito depois é apenas “a decifração de nossas próprias anotações” (Livro II, Cap. III, Seção 4).

Toda inferência caminha, assim sendo, do 'particular' para o 'particular': o processo silogístico é apenas um desdobramento de nosso registro de inferências indutivas anteriores:

Se tivéssemos memória com grande capacidade de armazenamento, e habilidade suficiente para ordenar a imensa quantidade de detalhes, o raciocinamento poderia continuar sem proposições gerais; são somente fórmulas para inferir o particular do particular.

O raciocínio silogístico nada mais é, por conseguinte, que um modo circular de chegar a uma conclusão que poderia ter sido alcançada diretamente, do mesmo modo que, exemplifica Mill, ao invés de caminharmos por uma estrada plana, tivéssemos chegado ao mesmo lugar subindo e descendo uma colina. Não há razão que nos obrigue a usar a estrada íngreme a priori, exceto o fiat arbitrário dos lógicos: “Podemos não somente raciocinar do particular para o particular sem passar pelo geral, como o fazemos constantemente. Todas as nossas inferências mais antigas são de tal natureza” (Livro II, Cap. III, Seção3).

Mill reconhece, no entanto, “a imensa vantagem, no que se refere à segurança da correção, que se obtém interpondo essa etapa entre a evidência real e a conclusão” (Livro II, Cap. III, Seção 6). Quando dizemos que Sócrates é mortal porque é um homem, e que todos os homens são mortais, estamos constatando que por ele se parecer com outros indivíduos nos atributos sugeridos pelo conceito 'homem', ele também se assemelhará a eles no atributo 'mortalidade'. “Se, dos atributos que Sócrates tem em comum com os homens que até aqui morreram, é permitido inferir que ele se assemelha a eles também em ser mortal, isso é uma questão de Indução” (Livro II, Cap. III, seção 7), assinala Mill, reafirmando o primado da indução nos processos silogísticos. A premissa maior é o 'registro', o 'lembrete' de que fizemos essa indução, uma inferência indutiva que doravante deveremos sempre aplicar em qualquer caso particular a ela referente que nos seja apresentado.

Notas de reflexão crítica XV - a propósito do caráter subjetivo dos juízos de valor





- Não existem, nunca existiram e tampouco existirão quaisquer parâmetros OBJETIVOS, isto é, lógico-demonstrativos ou verdadeiros por definição, tal como as tautologias da razão pura, para o balizamento crítico do fenômeno estético. Critérios como 'afinação', 'técnica' e outros ainda mais imprecisos e etéreos como 'criatividade', 'inovação', etc. não possuem, jamais possuíram ou virão a possuir qualquer valor de demonstração objetiva, uma vez que não envolvem relações intrinsecamente necessárias, cujo sentido permanece o mesmo sob diferentes arranjos de palavras ou símbolos; são pois critérios mormente históricos, eminentemente variáveis e cambiantes, e que fatalmente irão expressar valores conflitantes ao longo do tempo.

- Isto posto, uma obra de arte tão somente pode ser avaliada em função de nossa subjetividade e não em função de sua pretensa importância 'histórica' ou de qualquer código de valores técnicos, éticos, políticos ou comportamentais pretensamente 'objetivos'. Em termos puramente objetivos, portanto, qualquer Tiririca tem o mesmo valor de Bach, assim como um pintor de feira hippie o mesmo valor de Velásquez: a atribuição de um valor menor ou maior a cada um deles é e sempre será uma função de nossa subjetividade, a despeito de critérios pseudo-objetivos como 'importância histórica', 'técnica', 'criatividade' e que tais.

- Não obstante, as pessoas querem porque querem que suas preferências tenham um valor OBJETIVO capaz de distinguir-lhes como 'superiores', o que constitui uma vã e impossível pretensão.

- Destarte, reitero a pergunta feita por certo professor de estética a um atoleimado discente que insistia na existência de parâmetros objetivos de avaliação estética: "em que Bach é objetivamente superior a Tiririca"? Decerto em 'complexidade', 'refinamento', 'importância histórica', 'criatividade', 'sofisticação técnica', etc,; não obstante, Tiririca é mais 'engraçado' e 'alegre'. Muito bem: por que cargas d'água critérios tais como 'complexidade', 'refinamento', 'importância histórica', 'criatividade', 'sofisticação técnica' seriam mais 'objetivos' que 'graça' e alegria', ou então axiologicamente superiores? Com efeito, a importância que eventualmente atribuiremos a cada um deles fatalmente será de ordem subjetiva. Isto não significa, claro está, que não possamos levar a cabo taxonomias e escalas de comparação, desde que tenhamos plena consciência do caráter inelutavelmente SUBJETIVO que as consubstancia.

- Repetindo: todo e qualquer juízo estético é inelutavelmente, por sua própria estrutura intrínseca de formulação, um juízo de valor e, como tal, de natureza mormente subjetiva; não há portanto nenhum elemento essencialmente OBJETIVO quer permita estabelecer que um determinado ato estético é 'melhor' do que outro. Isto posto, não há como estabelecer uma hierarquia de preferências estéticas, de modo que gostar de Yes, Marilion, Univers Zero, Menudo, Schönberg ou Nélson Ned possui exatamente o mesmo valor objetivo: ZERO. Quaisquer parâmetros que possam ser elencados - consenso histórico, 'técnica', etc - estão embutidos por elementos subjetivos, que determinam inclusive sua posição mais ou menos relevante no quadro valorativo.



Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros