quinta-feira, fevereiro 24, 2022

Apontamento a propósito da crise russo-ucraniana


Alphonse van Worden - 1750 AD




Diletos irmãos d'armas, savdações! 


Refletindo hoje sobre a crise internacional que ora se desenrola perante nossos olhos, diria eu que algumas conclusões se impõem à partida, em verdade premissas fundamentais para qualquer análise séria a propósito do tema. São elas: 


I - A questão deve ser lida e no fundo tão somente pode ser integralmente compreendida à luz do plurissecular conflito geopolítico, militar, ideológico e espiritual entre as civilizações de índole telurocrática, isto é, os 'Impérios Terrestres', e as civilizações de índole talassocrática, vale dizer, os 'Impérios Marítimos'. Ou seja: a oposição entre TERRA e MAR; ETERNIDADE e TEMPO; PERMANÊNCIA e MUDANÇA; ESTABILIDADE e INSTABILIDADE. Assim sendo, a Ucrânia é hoje tão somente um território em disputa, mais um entre tantos e tantos campos de batalha instrumentalizadas pelas facções em luta nesta milenar conflagração.


II - A União Europeia como princípio teórico, projeto existencial em seu sentido mais abrangente, qual seja, um Grande Espaço agregando todos os narods europeus sob um mesmo estandarte e destino manifesto comum, é uma iniciativa essencialmente nobre e necessária; e como tal foi acalentada e auspiciada pelo que houve e há de melhor entre pensadores e líderes políticos dos séculos XX e XXI.  A título de exemplo, poderíamos mencionar aqui figuras do porte d'um Carl Schmitt, d'um Arthur Moeller van den Bruck (de quem aliás comecei recentemente a ler com imenso interesse a obra Das Dritte Reich, precisamente um projeto de Grande Espaço Europeu) , d'um Oswald Mosley, d'um Francis Parker Yockey, d'um Alain de Benoist, d'um Alexandr Dugin, entre tantos outros. C/ efeito, trata-se d'um ideal que remonta ao século XVIII: em seu ensaio de teologia política Die Christenheit oder Europa (1799), Novalis advoga um retorno à Societas Christiana medieval, cuja unidade harmônica poderia regenerar uma Europa convulsionada por dissensões políticas e religiosas; seria, pois, o caminho para o reencantamento do mundo moderno, fragmentado e desprovido de um sentido maior.   


III - Destarte, c/ maior ou menor ênfase num resgate de tradições imperiais perdidas (Roma, Bizâncio, HRR etc.); inclinando-se para esta ou aquela forma de governo (monarquia, república); diferindo quanto a uma maior ou menor concessão de autonomias no seio do Grande Espaço, seja em âmbito administrativo, econômico, cultural, religioso etc., os autores supracitados sonharam c/ um Imperivm multinacional encarnando o plvriversvm europeu. E qual seria a grande e fundamental diferença, o verdadeiro e intransponível abismo que separa todos esses projetos da UE tal como esse organismo se constituiu e existe hoje? A resposta pode ser dada em duas palavras: a mais visceral e irreconciliável incompatibilidade em relação a qualquer modalidade de democracia liberal, com todos os múltiplos e multiformes pressupostos e implicações ideológicas, políticas, econômicas, culturais e espirituais que esse tenebroso binômio engendra. 


IV - O triunfo da TERRA sobre o MAR; do bloco eurasiano sobre o bloco atlântico; da IV Teoria Política (ou qualquer outro nome que se queira atribuir à articulação que se forja hodiernamente entre diferentes recortes teóricos, perspectivas político-ideológicas e modelos de organização de cunho antiliberal) sobre a nebulosa liberal: eis o que está em jogo.