sábado, dezembro 31, 2005

Epistolário Transfinito I (excertos...)

Alphonse van Worden - 1750 AD


























(...) e outrossim n’este ano que ora finda, ó ático confrade Drogo, o supino Senescal da Guerra Cósmica ínclitas vitórias amiúde facultou-nos; não obstante, os do escalfúrnio SATÃ nefários desígnios jamais mitigam-se; e justo nos criselefantinos páramos da excelsa Pérsia, onde as insignes hostes do Arcano Celestino seu mais fádico triunfo consubstanciaram, tenciona a fera Besta concentrar suas ignominiosas lides. Baldos serão, contudo, os infandos tentâmenes do das Trevas contumelioso Mestre: à de Arum sempiterna sombra impávidos estaremos, sob a mirífica égide do CHRISTUS PANTOCRATOR e de علي بن أبي طالب - que tudo veem sem vistos serem -, para da sacral Ecclesia e da pia Ummah o pertinaz e férreo arnês sermos, uma vez mais a matar e a morrer resignados!


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(...) como bem sabeis, ó egrégio irmão van Worden, à fantasmática penumbra dos deíficos contrafortes do Bastiani, solazes velam e perseveram as tartáricas legiões, sob os rutilantes auspícios do inefável Sustentador de Mundos; e ao mais evanescente sinal de Seu divo talante, indômitos marcharemos, pois nada mais ao sacro armígero logra aprazer que o joliz engajamento no hierático mavorte do Senhor!

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Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Dark Magus Übber Alles! - I


A meu juízo Agharta (1975) representa não apenas o ápice, a consumação estética da chamada 'fase elétrica' de Miles Davis, mas também de sua obra como um todo, sendo ainda um dos 10 melhores discos da história do Jazz. Para compreendê-lo, todavia, é mister recuar alguns anos em relação à data de seu lançamento, mais precisamente até 1969, ante-sala do mesmerizante turbilhão artístico com que o 'Dark Magus' aturdiria/maravilharia o mundo da música durante sete anos (Devo salientar que a trajetória de Miles até esse período, a despeito de sua enorme importância, não me interessa nem um pouco).

A década de 60 presenciava um Miles Davis caminhando perigosamente em direção à obsolescência artística. As circunvoluções do bebop e do cool jazz haviam ficado para trás, e Miles rejeitara enfaticamente a revolução free capitaneada por Ornette Coleman e Albert Ayler, não tanto por conservadorismo estético, pecado de que não se pode acusar-lhe, mas quiçá por vaidade; afinal de contas, não fora ele a lançá-la, o que para seu ego ciclópico já era razão mais do que suficiente para recusar-lhe qualquer mérito...; não obstante, hoje sabemos que o irrequieto trompetista, insatisfeito com os contornos que sua carreira vinha assumindo, estava urdindo em silêncio sua própria revolução: a fusão supersônica entre jazz, acid rock, música contemporânea e funk, cujo prelúdio, ainda que timidamente, viria à luz em 1968 com In a Silent Way. O marco fundamental, não obstante, estava reservado para o próximo ano...

Emoldurado por uma capa lisérgica, com seus longos temas, ora climáticos ora frenéticos, conduzidos por Miles com seu trompete guindado aos confins do espaço sideral pelos alucinantes cut ups e assombrosos efeitos de echo e delay criados pela arrojada produção de Teo Macero, Bitches Brew (1969) teve o efeito de uma bomba nuclear sobre o universo jazzístico, deixando a crítica a um só tempo perplexa, indignada e embevecida; não bastasse o impacto estético, converter-se-ia desde o princípio em grande sucesso de vendas, proporcionando a Miles margem de manobra para continuar experimentando bem como o pretexto ideal para uma série de injustas e patéticas acusações de sell out. Felizmente alheio a tais injunções, o mestre aprofundaria/ampliaria nos anos seguintes os postulados de sua 'revolução elétrica', lançando uma série contínua de discos memoráveis, tanto de estúdio como ao vivo, d'entre os quais poderíamos destacar A Tribute to Jack Johnson (1970 - seu disco mais rock'n'roll); Live-Evil (1970); Black Beauty: Miles Davis at Fillmore West (1971); On the Corner (1972 - algo como Stockhausen on acid trocando figurinhas com Hendrix em clima de street funk cibernético em NY); In Concert: Live at Philharmonic Hall (1973), etc., até chegar ao zênite de seus poderes como magnetizador do fogo dos deuses no biênio 1974-75, cujo primeiro fruto seria o mefistofélico Dark Magus (1974); não obstante, 1975 testemunharia um Miles ainda mais avassalador e implacável, com o lançamento de 2 massacres sonoros gravados num mesmo dia ao vivo em Osaka, no Japão: Pangaea (que registra o concerto da noite, uma pajelança bárbara from Jupiter and beyond the Infinite) e, claro está, o álbum em tela neste pedaço d'escrita (que documenta o concerto da tarde).

Agharta é um estraçalhante maremoto magmático de eletricidade demencial em estado bruto conjurado por guitarras e metais em fúria, uma ominosa floresta equatorial de percussões tonitruantes e o Senhor das Trevas comandando o artaudiano ritual de destruição com as imprecações apocalípticas de seu luciferino trompete conectado ao vácuo turbilhonante do inner void of the sonic neverness; apelando aqui para o gênio crítico de Julian Cope, trata-se d'uma verdadeira "blueprint for 3rd Eye Travel" via lancinante "sustained sonic obliteration". A esta altura do campeonato Miles já não compunha 'canções' propriamente ditas, mas sim dava livre curso a uma desenfreada improvisação coletiva a partir de alguns poucos temas preestabelecidos, os quais não raro só eram nomeados a posteriori. É exatamente o caso de Prelude (Parts I e II) e Interlude, minhas peças prediletas no álbum, dois incomparáveis cataclismos de deep funk fusion schizo electric meditational voodoo jazz from Hell em combustão espontânea despejando raios e trovões para todos os lados ou, como diria Cope, "the sound of all seven CDs from the Stooges' Funhouse boxed set played simultaneously throughout the house on small inferior ghetto blasters". Ladeando estas sulfúricas emanações de garage hermétique transmental, Miles ainda nos oferece magníficas versões para Maiysha (onde temos os únicos e breves interlúdios de suavidade em todo o álbum) e Theme from Jack Johnson (ainda mais malévola, rock'n'rollin, lúbrica e venenosa que sua irmã de estúdio).

Insomma, confrades: uma obra-prima indispensável para todos os amantes da aventura musical sem fronteiras e limites.


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Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Apontamentos sobre o pensamento político marxista – I: a próposito de Nikolay Bukharin

Alphonse van Worden - 1750 AD





Estive a ler nas últimas semanas, ó egrégios irmãos d'armas, um tomo dos mais interessantes: trata-se de uma compilação de artigos e ensaios do iminente prócer bolchevique e teórico marxista Nikolay Bukharin (1888-1938), organizada pelo renomado historiador soviético Roy Medvedev (autor, d’entre outras obras, do monumental Let History Judge, até hoje o melhor livro já escrito sobre a barbárie stalinista). O volume reúne textos publicados originalmente entre 1918 e 1936, em sua maioria nos diários Pravda e Izvestiia. Há, decerto, algumas peças menos inspiradas, até mesmo revoltantes, sobretudo no biênio 1927-28, ápice do duunvirato Stalin-Bukharin, com especial demérito para a cínica condenação da ‘Plataforma dos 46’ e a obscena celebração pelo expurgo da ‘Oposição de Esquerda’; todavia, o número e qualidade dos momentos luminosos compensa de sobejo os supracitados deslizes, nomeadamente os magníficos artigos escritos entre 1929-1936, vazados na críptica, epigramática e fascinante linguagem ‘esópica’, estratégia diversionária muito característica na imprensa soviética submetida ao tacão stalinista, d’entre os quais se destacam os célebres Notas de um Economista (1930), seu ‘testamento’ em matéria de pensamento econômico, e o belíssimo Caminhos da História: Pensamentos em Voz Alta (1936), um pungente testamento político e existencial.

O que, entretanto, tenciono discutir na presente nota são dois temas constantes no pensar de Bukharin, e que me parecem particularmente relevantes à luz dos sinistros desdobramentos ulteriores da verdadeira tragédia de Ésquilo em que se converteu a Revolução Soviética. A primeira questão, alvo de numerosos textos do líder bolchevique entre 1918-1922, é a terrível suspeita de que a necessária violência revolucionária estava servindo como pretexto para que um sem-número de sociopatas e criminosos aderissem à insurreição de Outubro, com o fito de dar livre curso a vendettas pessoais, ressentimentos homicidas e toda sorte de arbitrariedades e taras truculentas. Consternado com tais eventos, Bukharin advertia para a necessidade do Partido Bolvechique, de um lado, e do Estado soviético, de outro, exercerem o máximo de cuidado e rigor na filiação de novos militantes e na arregimentação de novos funcionários. É mister recordarmos, vale dizer, que Lenin também externou em seus últimos artigos as mesmas preocupações de Bukharin, advertindo repetidamente para o facto de que o Partido precisava exercer a mais estrita disciplina e vigilância no tocante à admissão de novos membros; aliás, o saudoso Ulianov concluiu, no último lustro de sua existência, que a nomeação de Stalin para o cargo de Secretário-Geral havia sido um erro, pressentindo que o líder georgiano abriria as portas do Partido num afluxo indiscriminado de novas filiações, com o fito de fortalecer seu poder no aparato; não obstante, mais do que qualquer outro bolchevique ilustre, Bukharin deplorava a permanência de tendências chivovnik de cunho ‘asiático-imperial’ no seio do Partido e da administração soviética, sublinhando a necessidade vital de cada indivíduo a serviço da Revolução desempenhar suas lides de forma ponderada e sensível, promovendo a fraternidade socialista e a emulação dos bons exemplos. Para Bukharin, uma interface solidária e confiável entre o novo Estado proletário e o povo seria quiçá o instrumento mais importante do Partido no sentido de aprofundar e consubstanciar as conquistas soviéticas. A nefária ‘Revolução pelo Alto’ promovida pela camarilha stalinista, macabro ritual de inaudita violência institucional contra o povo em máximo grau de selvageria e crueldade, arrojou por terra as preciosas lições ministradas por Bukharin, que, aliás, também foram encampadas por Lênin em seus últimos anos de vida.

A segunda temática, de certa maneira correlata a primeira e de caráter ainda mais axial, diz respeito à ‘Paz Civil’ advogada por Bukharin como viga mestra nos procedimentos do Estado soviético pós-guerra civil. De acordo com insigne bolchevique, superadas a ameaça da contra-revolução e as convulsões econômicas do ‘Comunismo de Guerra’, o Estado e o Partido deveriam adotar procedimentos, tanto administrativos quanto político-ideológicos / persuasivos, de jaez decididamente pacífico, estimulando a colaboração e o entendimento entre os diversos setores da sociedade soviética. Em termos econômicos, tal iniciativa se manifestaria na smychka campo-cidade, estabelecendo que o compasso de crescimento da atividade industrial deveria ser ditado em simetria perfeita com o fortalecimento do setor agrícola, salientando a importância da sinergia gerencial como linha de fuga essencial em termos de política econômica; no que concerne à questão social, a ‘Paz Civil’ se traduz como ênfase numa política de tolerância e serenidade, isto é, de cooperação solidária entre o Estado e a sociedade no esforço conjunto de implementação harmoniosa da ordem socialista; na esfera cultural, enfim, tais preceitos se formulam como estímulo à diversidade fecundante e criativa de escolas e expressões artísticas, elemento crucial para o aprimoramento intelectual do próprio socialismo. Mais uma vez, contudo, o advento da era stalinista abortaria os ideais acalentados por Bukharin: com a adoção da malévola teoria segundo a qual a luta de classes se intensifica com a consolidação do socialismo, a URSS mergulhou num frenesi maníaco de violência irracional que destruiu os ainda frágeis alicerces da nova ordem.

À luz das concepções acima esboçadas torna-se possível, quero crer, uma melhor compreensão do confronto ideológico entre a 'direita' bukharinista, de um lado, e a 'esquerda' trotskista, de outro, que convulsionou e fraturou o poder soviético nos anos 20. Houve, pois, uma ominosa 'dissonância cognitiva' de parte a parte: Bukharin, por um lado, hiperdimensionou a ênfase que o programa econômico da esquerda conferia ao ritmo da industrialização soviética, nele identificando um caráter artificialmente otimista e exagerado. Bukharin acreditava na possibilidade de construção do 'Socialismo num só país', mas nos termos gradualistas da smycha campo-cidade, e não sob o ditame alucinante do super-industrialismo 'stakhanovista' à la Kuybishev-Stalin, o qual equivocadamente associou à plataforma da esquerda, superestimando as semelhanças pontuais que existiam entre o programa econômico de Trotsky-Preobhazensky (sobretudo no que tange ao conceito de 'Acumulação Primitiva Socialista') e as teses super-industrialistas da facção stalinista. O 'predileto de todo o Partido' cria, por conseguinte, que Preobrazhensky e Trotsky pretendiam esmagar os mercados camponeses, promovendo uma industrialização às expensas do setor agrícola; a facção staliana, por sua vez, habilmente ocultou seus intentos ulteriores, sustentando por questões de aliança estratégica de momento as posições bukharinistas. Preobhazensky e Trotsky, por fim, hipertrofiaram o significado da moderação bukharinista em termos de projeto econômico, ignorando o facto de que a distinção entre as idéias de ambos os grupos era de grau, e não de gênero; ao mesmo tempo, não atentaram devidamente para as concepções políticas de Bukharin, que defendia com veemência, assim como a Esquerda, a democracia partidária, advogando a necessidade de ampla liberdade de discussão interna.

Há também que salientar, por fim, que Bukharin entusiasmou-se em demasia com sua concepção da smychka campo-cidade como via preferencial para um crescimento econômico sólido e auto-sustentável, bem como para a edificação de uma sociedade pacífica e harmoniosa. O excelso teórico bolchevique parecia acalentar uma visão de cunho 'organicista-naturalista', isto é, que o processo de construção do socialismo seria quase um epifenômeno automático, desta maneira hiperdimensionando o potencial da via gradualista de desenvolvimento. Para Bukharin, a economia camponesa paulatinamente evoluiria para a coletivização por intermédio de três vias: a) a industrialização progressiva possibilitaria a mecanização dos processos agrícolas; b) a introdução pelo Estado de intrumentos e práticas de gestão econômica mais modernas e racionais; e, finalmente, c) a introdução de novas técnicas via incentivo à pesquisa científica. Desafortunadamente, contudo, tal concepção da sociedade soviética, quiçá excessivamente gradualista, logo seria atropelada com uma crueldade sem quartel pelo delírio economicista do stalinismo.

quarta-feira, novembro 09, 2005

Soyez réalistes, demandez l'impossible!

Alphonse van Worden, Madrid - 1750 AD



Il n'est pas de pensées révolutionnaires. Il n'est que des actes révolutionnaires!



L'insolence est la nouvelle arme révolutionnaire!


Agissez, sabotez, ne votez pas!


Soyons cruels!


À bas le réalisme socialiste. Vive le surréalisme!


segunda-feira, novembro 07, 2005

"Israel deve ser varrido do mapa!"




Alphonse van Worden - 1750 AD


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Ó de preternatural gnose deífico aljôfar que extático nas sibilinas sendas da Sierra Morena oiço, por ALLAH, da Guerra Cósmica Áugido Senhor, sabiamente inspirado:


— ISRAEL DEVE SER VARRIDO DO MAPA!


Allahu Akbar...Allahu Akbar...Allahu Akbar!!!

MORTE AO GRANDE SATÃ!

MORTE AO PEQUENO SATÃ!

VIVA A REPÚBLICA ISLÂMICA DO IRÃ!

VIVA A REVOLUÇÃO ISLÂMICA!

VIDA LONGA AO AYATULLAH SEYYED ALI KHAMENEI!

VIDA LONGA AO PRESIDENTE MAHMOUD AHMADINEJAD!

GLÓRIA ETERNA AO AYATULLAH RUHOLLAH KHOMEINI!

Apontamentos sobre o pensamento conservador – I: a próposito de Donoso Cortés




Juan Donoso Cortés (1809 - 1853), estadista, teólogo, conselheiro real e pensador político espanhol, é uma das figuras mais interessantes na história do pensamento político conservador. Caudatário das teorias do francês Joseph de Maistre, outra figura constelar no âmbito da filosofia política conservadora, Donoso Cortés exerceu um influxo significativo sobre o nazismo alemão e o fascismo italiano, notadamente através de Carl Schmitt, no primeiro caso, e de Vilfredo Pareto, no segundo.

Meu contato inicial com as ideias do autor em tela deu-se precisamente através da leitura do constitucionalista e pensador alemão Carl Schmitt, a meu juízo o mais brilhante teórico da ação política no século XX. Com efeito, a concepção de Schmitt a propósito do agir político como expressão coletiva da contraposição 'amigo/inimigo', tomada em seu sentido mais concreto e existencial, sem apelo a qualquer elemento racional, foi sem dúvida influenciada pelas teorias de Donoso Cortés. Assim sendo, ao adquirir este ano o volume Catholic Political Thought: 1789-1848, (Notre Dame Press), fiquei muito satisfeito em nele encontrar um dos mais célebres escritos do autor espanhol: Discurso sobre la Dictadura (Speech on Dictatorship, na tradução inglesa).

Neste notável pedaço d'escrita, Donoso Cortés descreve duas modalidades distintas de repressão, as quais encara como necessárias para a sobrevivência e conservação dos ordenamentos político e religioso que advogava: a monarquia absoluta e a Igreja Católica. As supracitadas formas de repressão devem coabitar em regime de equilíbrio para que possam atuar com eficácia: quando ocorre um declínio da repressão religiosa deve sobrevir uma vaga correspondente e proporcional de repressão política, e vice-versa. Para o autor, todos os regimes políticos e religiosos devem ser implacavelmente repressivos, de modo a garantirem a permanência das estruturas que respectivamente encarnam. Donoso Cortés assevera, de modo audaz e radical, que a legitimidade de um regime não está lastreada por relações de hereditariedade ou em termos de representação social, mas sim em sua capacidade de exercer ação repressiva; neste sentido, a questão mais importante não é QUEM exercerá o poder, mas sim COMO este será exercido. Assim sendo, malgrado tenha permanecido fiel aos ideais conservadores de ordem política e hierarquia religiosa, Donoso Cortés introduz um considerável componente de pragmatismo no que tange à maneira como tais ideais serão preservados, descerrando as portas para o advento de uma gestão 'sistemático-profissional' do aparato repressivo do Estado, fora dos parâmetros tradicionais da normatividade político-religiosa. Tal tournant conceitual seria providencial conferir pertinência ao pensamento do teórico espanhol mesmo no bojo do século XX, uma vez que o 'coletivismo oligárquico' nazifascista, lançando mão aqui d'um filosofema burnhiano, insere-se à perfeição nas perspectivas esboçadas por nosso autor. Em suma: a defesa da repressão sistemática como método primordial da ação política, o desprezo pela democracia parlamentar como sistema de goveno e a crença no caráter infalível da autoridade (com nítidas ressonâncias no führerprinzip nazista e no ducismo fascista), eixos de sustentação da filosofia política cortesiana, demonstram de sobejo o alcance de suas ideias no seio do autoritarismo político do século XX.

As concepções esposadas por Donoso Cortés outrossim exerceram forte influência sobre a doutrina política católica. O filósofo espanhol afirma que a infalibilidade é uma característica precípua da autoridade em si mesma, desde que, obviamente, tal autoridade tenha sua legitimidade chancelada pela Igreja: nesses termos, 'autoridade' é, por assim dizer, sinônimo de 'infalibilidade'. À luz da inspiração divina e da autoridade espiritual da Igreja, o poder de implementar crenças e procedimentos não pode estar de forma alguma sujeito à possibilidade de erro; desta maneira, Donoso Cortés acreditava que a estrutura social iria mergulhar no caos absoluto sem o férreo alicerce da autoridade tomada como instância infalível.

Há que frisar, por fim, que as centúrias que sucederam-se desde então parecem de sobejo confirmar a perspectiva delineada por nosso autor, mormente nos tempos hodiernos, quando se verifica crescente entropia no imo de estruturas sociais permeadas pelo niilismo militante; vivemos, pois, sob a sombria égide de paralisantes hesitações, onde o pérfido ceticismo alui as mais lídimas aspirações, ratificando o que já no prístino ano de 1922 vaticinava o sempre percuciente W.B.Yeats: The best lack all conviction, while the worst / Are full passionate intensity.



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Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros

segunda-feira, outubro 03, 2005

A próposito de James Burnham

Alphonse van Worden - 1750 AD






A escola de pensamento político que se desenvolveu na Inglaterra dos anos 30-40 em torno a figuras como James Burhnam, Dwight McDonald, Max Schatchman, Herbert Read, George Orwell, dentre outros, é sem dúvida uma das correntes mais interessantes do pensamento heterodoxo de esquerda no século XX (ainda que, exceção feita à ficção orwelliana, lamentavelmente seja uma das menos conhecidas na atualidade). O único autor entre os citados a alcançar notoriedade foi justamente George Orwell, sobretudo em função de sua mestria ímpar na arte de converter algumas das principais concepções do grupo em ficção literária de primeira ordem. Todavia, autor que tenciono abordar no presente artigo é James Burnham (1905-1987). Pensador político, publicista e, durante a mocidade, ativista de esquerda, o anglo-americano Burnham foi um dos fundadores do Socialist Workers Party na década de 30, um partido comunista anti-stalinista de orientação trotskista; nosso autor, entretanto, logo se afastaria desta facção, tornando-se progressivamente mais pessimista no que concerne às possibilidades de êxito de uma revolução socialista. Ulteriormente, Burnham adotaria posições cada vez mais conservadoras, tendo inclusive trabalhado para o OSS (Office of Strategic Services, a agência de inteligência norte-americana anterior à CIA) durante a II Guerra Mundial; nas décadas de 50 e 60, foi ativo colaborador da National Review, a mais importante publicação do pensamento conservador nos EUA; por fim, em 1983, chegou a ser condecorado pelo presidente Ronald Reagan, sendo-lhe outorgada a Medal of Freedom. Saliente-se, aliás, que a trajetória política de Burnham, malgrado pareça assaz idiossincrática, é (se calhar emblematicamente...) compartilhada por outros grandes corifeus do neoconservadorismo americano, tais como Irving Kristonl, Norman Podhoretz, Whittaker Chambers, etc.

A obra capital de Burnham é indubitavelmente The Managerial Revolution (1941), volume que tive a ventura de conhecer este ano. Ainda que de alguma maneira influenciado por The Revolution Betrayed (1937), livro axial de Trotsky a respeito do processo de degenerescência burocrática stalinista, o pensador anglo-americano chegará, contudo, a conclusões bastante distintas, caudatárias tanto da teoria da ‘circulação das elites’, formulada pelo economista italiano Vilfredo Pareto, quanto da concepção da ‘lei de ferro da oligarquia’, proposta pelo sociólogo alemão Robert Michels. Burnham assevera que o capitalismo privado estava irremediavelmente fadado a desaparecer, mas que não seria substituído pelo socialismo, e nem tampouco por qualquer outro sistema político-econômico de jaez democrático: a humanidade estava fadada a padecer sob o tacão de regimes totalitários controlados pelo que o autor denomina ‘elite administrativa’, isto é, por estamentos burocráticos de índole tecnocrata à testa de países como URSS stalinista, a Alemanha nazista e o Japão militarista. Para Burnham, os regimes de livre iniciativa, necessariamente convulsionados por uma multiplicidade de interesses contraditórios, não seriam capazes de resistir à maior eficácia gerencial do ‘coletivismo oligárquico’; assim sendo, a perspectiva democrática seria tão somente uma miragem, asfixiada inelutavelmente pela ‘circulação das elites’, cuja mera alternância formal no poder estava garantida em caráter permanente pela ‘lei de ferro da oligarquia’, ou seja, pela impossibilidade histórica de instaurar um modelo de sociedade onde o governo não esteja submetido a uma classe dominante.

Em linhas gerais, a análise burnhaniana estrutura-se portanto a partir de 3 paradigmas centrais:

a) a impossibilidade 'ontológica' do socialismo, uma vez que a própria natureza inerente a todo processo revolucionário exige, para que a estrutura de poder anterior seja completamente aniquilada, uma hipertrofia crescente do aparato estatal, até o ponto em que tal dinâmica se torna irreversível, promovendo assim, por intermédio da ‘lei de ferro da oligarquia’, uma nova ‘circulação das elites’;

b) a incapacidade sistêmica do capitalismo privado, tendo em vista sua dinâmica essencialmente caótica, em competir com a racionalidade gerencial do ‘coletivismo oligárquico’ e suas ‘elites administrativas’;

c) a emergência de três super-estados totalitários de proporções continentais, no bojo da ascensão do ‘coletivismo oligárquico’ como único modo de produção viável na contemporaneidade.

A primeira hipótese a meu juízo ainda permanece em aberto, malgrado seja triste, mas necessário mister, admitir que a História até o momento vem dando razão a Burnham.

No que concerne a (b), se a evolução tecnológica ulterior demonstrou que o autor estava equivocado em termos estritamente econômicos, bem como no que se refere ao liberalismo como modelo de organização social, o mesmo não ocorre se deslocarmos o ângulo de avaliação para o terreno político, uma vez que a lógica do ‘coletivismo oligárquico’ está claramente embutida no complexo industrial-militar estadunidense, bem como na falsa dicotomia entre republicanos e democratas, que encarna de modo exemplar a noção de ‘circulação das elites’; a UE, por sua vez, controlada por uma burocracia governamental que se arroga em autoridade ‘iluminista’ capaz de proporcionar harmonia social e a ‘paz perpétua’ kantiana, tampouco está distante do modelo previsto por Burnham. Ressalte-se, aliás, que mesmo em se tratando da questão econômica, o keynesianismo pragmático vigente tanto nos EUA quanto na Europa não deixam de conferir significativo lastro às conclusões do teórico anglo-americano.

A terceira hipótese, enfim, está mais do que confirmada pela consolidação dos blocos de poder, áreas de ‘livre comércio’ e zonas de cooperação econômica em todo o planeta. UE, NAFTA, ASEAN, etc. correspondem cada vez mais aos super-estados prefigurados por Burnham, tanto no que se refere à sua estrutura político-administrativa quanto em termos de modelo econômico. Vale dizer, en passant, que esta concepção exerceu influência considerável sobre Orwell, fornecendo o arcabouço estrutural para a Oceania, a Lestásia e a Eurásia, as três superpotências totalitárias que controlam o mundo desenhado pelo escritor inglês. Lembremos também que Teoria e Prática do Coletivismo Oligárquico, o book within the book concebido por Orwell para explicar os pressupostos políticos, econômicos, sociais, filosóficos, culturais e psicológicos que balizam os credos ideológicos imperantes nos três super-estados – Ingsoc (Oceania), ‘Neobolchevismo’ (Eurásia) e ‘Obliteração do Ego’ (Lestásia) - , é nitidamente uma brilhante paródia/homenagem à obra máxima de Burnham.

domingo, setembro 11, 2005

SEJA MARGINAL, SEJA HERÓI!



É possível afirmar, sem falsas patriotadas e 'verdeamarelismos' caricatos, que nada há no cinema europeu ou norte-americano que se equipare ao que de melhor nosso 'cinema marginal' produziu em termos de radicalidade terrorista de linguagem, de descompromisso absoluto e debochado em relação a todas as convenções formais e narrativas da sétima arte, e até mesmo de pura e divinamente gratuita estranheza. Parece, aliás, razoável afirmar que uma estética 'marginal' encontrará sua transfiguração mais dinâmica, intensa e vigorosa justamente no cinema, que por sua capacidade sinestésica ímpar, é o veículo par excellence para a conjuração de atmosferas onírico-delirantes.


É sobretudo surpreendente a desconcertante polissemia que os filmes 'marginais' proporcionam: excitantes, divertidos e picarescos para o 'povão' (público-alvo de parte considerável da produção da Boca do Lixo paulistana, vale dizer); e sobremaneira 'toscos', 'feios', 'desagradáveis' e 'irritantes' para a intelectualidade classe média soi disant 'bem pensante', cujo horizonte não logra jamais transcender os padrões qualitativos estabelecidos pela metrópole e suas 'bíblias de estilo' (Cahiers du Cinéma e tutti quanti). Há portanto uma décalage proposital e provocativa entre níveis de leitura que se projetam como reflexos invertidos de um mesmo espelho estético, que simultaneamente radicaliza seu caráter popularesco e sabota com conhecimento de causa e densidade filosófico-formal todas as linhas de fuga consagradas da arte cinematográfica.


São obras que rejeitam decididamente, pois, a noção careta, castradora e em última instãncia medíocre do 'filme de arte', isto é, do cinema que se apresenta como veículo de apuro formal, complexidade literária e elevação espiritual/intelectual. Assim sendo, se o arquetípico 'intelectual' midbrow de corte 'marxóide-existencialóide-psicologizante' vai assistir a um Hitler IIIº Mundo (1968 - José Agripino de Paula) ou Meteorango Kid, o Herói Intergalático (1969 - André Luiz de Oliveira), por exemplo, com Bergman, Visconti ou Renoir na cabeça (autores cujo mérito intrínseco não se discute, mas sim sua mumificação em parãmetros canônicos e incontestáveis por parte de certos setores 'culturalistas' eurocêntricos com complexo de vira-lata), isto é, com toda uma preconcebida e preconceituosa concepção de 'excelência cinematográfica', sairá da sessão a nocaute, de todo desnorteado/horrorizado, sem saborear sequer um fotograma visto; aliás, mesmo que seus referenciais sejam cineastas mais ousados como Godard ou Antonioni, é mister salientar que o espectador precisará estar preparado para uma impiedosa desconstrução sintático-morfológica do cinema; não obstante, é forçoso também ressaltar que tal processo de subversão formal/narrativa comporta uma dimensão afetiva, calorosa (algo especialmente presente no cinema de Carlos Reichenbach), já que movido pelo talante de envolver o público numa espécie de pajelança festiva que objetiva a desmistificação liberatória, conquanto paradoxalmente edificadora de outros paradigmas e horizontes, de todo um legado conceitual, cultural e existencial. Assim sendo, trata-se dum cinema que projeta uma estratégia das mais sedutoras e instigantes: é maravilhosamente 'acessível' ao espectador desprovido de informação estética prévia, e diabolicamente 'impenetrável' para o que se pretende portador de sofisticação cultural.


Filmes tais como as supracitadas, ou ainda A Mulher de Todos (1969 - Rogério Sganzerla), ZéZero (1974 - Ozualdo Candeias), O Monstro Caraíba (1975 - Júlio Bressane), A Ilha Dos Prazeres Proibidos (1978 - Carlos Reichenbach) e tantos outros, indubitavelmente destacam-se pela desorientação de uma linguagem fraturada e seu absoluto descomprometimento com o 'bom' cinema, verdadeiras orgias antropofágicas plenas de delírio, sátira, cultura pop, rádio, revistas sensacionalistas, alusões, subtextos, contextos e significados inauditos. O 'cinema marginal' é, desta forma, a consagração escrachada de uma antropofagia paródica e caleidoscópica, em obras que podem a um só tempo projetar-se como típicas pornochanchadas da Boca, com sucesso de público nos cinemas populares da época, e também como vertiginosas cornucópias de citações, referências e alusões políticas, históricas e literárias.



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Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros

sexta-feira, agosto 12, 2005

Nossa tarefa precípua no cenário interno: MORTE AO PT!!!

Alphonse van Worden - 1750 AD






Há já uns bons lustros venho afirmando que, na conjuntura hodierna da vida política brasileira, os principais inimigos da esquerda revolucionária não eram os conservadores ou liberais, mas sim os setores que amiúde se autodenominam como 'esquerda moderna', isto é, partidos que adotam uma retórica esquerdizante para fins de marketing eleitoral, mas que na prática implementam a mais perversa orientação econômica neoliberal, executando à risca a política recessiva e concentradora de renda preconizada pelo FMI / Consenso de Washington. São, pois, partidos como o PT, PPS ou PSB, que no plano discursivo governam para a 'nação brasileira', mas que no plano concreto atendem tão somente aos ínvios desígnios do mercado financeiro nacional e internacional.

Considerando mais especificamente o PT, vale dizer que tal partido sempre foi, é e sempre será um tremendo embuste, uma 'cobra sem veneno'. O general Golbery, por exemplo, estrategista político de rara argúcia que era, via com bons olhos o advento de um movimento político de base católica, ainda que de esquerda, de maneira a evitar que o movimento sindical convergisse para um dos PC's, ou então para Leonel Brizola... não por outra razão o mefistofélico 'bruxo' cabalou nos bastidores para que a sigla PTB, simbolicamente fortíssima à época, caísse nas mãos da inofensiva Ivete Vargas, e não em lugar de Brizola, durante a redemocratização; ademais, vale lembrar que o PT nunca foi propriamente 'reprimido' pela ditadura, ao passo que tão somente com a constituição de 1988, PCB e PCdoB foram legalizados. A verdade nua e crua, portanto, é que o PT jamais foi um partido revolucionário, nem mesmo verdadeiramente socialista. Se analisarmos a composição social da base de sustentação do partido, constataremos que o PT alicerçou-se desde sua fundação sobre o seguinte quadrilátero:


1) A aristocracia operária sindicalizada

2) Igreja 'progressista'

2) O pequeno e médio funcionalismo público

3) Intelectualidade universitária


Isto é, o partido estruturou-se a partir de estratos pertencentes à classe média brasileira, historicamente reformista. Destarte, o PT não logrou ser nem um partido socialista 'clássico', lastreado pelo proletariado como um todo, e nem tampouco o que deveria ser um partido socialista revolucionário contemporâneo, voltado para as camadas menos favorecidas do setor terciário e para o lumpemproletariat, que são os verdadeiros sujeitos do processo revolucionário hodierno. Já devidamente pasteurizado por anos de ação política reformista, uma vez que sua dinâmica é fatalmente reflexo das aspirações da classe média, o PT, se enfim centrou seus esforços sobre esferas mais amplas da sociedade a partir da última década, o fez sob um viés clientelista /assistencialista que reproduz os piores elementos do populismo. E em 2002, com a vitória de Lula, o partido finalmente assumiu uma feição de todo conservadora ao encampar de forma enfática e estrita uma política econômica talhada para atender somente aos desígnios das classes dominantes, mormente o mais perniciosa de suas esferas, a dos banqueiros e especuladores financeiros.

Retornando à questão central deste nosso manifesto, poderíeis perguntar, meus prezados camaradas, por que o PT e outros partidos 'reformistas' são hoje nossos principais inimigos, e não os partidos mais tradicionalmente ligados ao campo estritamente burguês? Porque o enfrentamento contra os setores declaradamente conservadores ou liberais se processa às claras, em campo aberto, com critérios nítidos de demarcação ideológica; sabemos todos, pois, de antemão, o que representam os FHC's, os Sarney's, os ACM's, e não como o movimento popular confundi-los com elementos progressistas.

A mesma transparência política, todavia, não ocorre no confronto contra a 'esquerda moderna', a qual deliberadamente opera uma paralaxe conceitual diversionária via retórica pseudo-esquerdista, o que desloca o embate em tela para uma zona de sombra, para um lusco-fusco ideológico que lhe é providencial, uma vez que seu principal intento é ocultar o facto de que, na prática, sua ação política já nada mais possui de socialista ou mesmo de vagamente reformista, sendo, ao contrário, a expressão nua e crua da barbárie neoliberal; assim sendo, agem nas trevas, de modo sorrateiro, sibilino e hipócrita. Destarte, nossa tarefa precípua consiste, egrégios camaradas, em arrancá-los da confortável penumbra ideológica em que se aninham para arrojá-los à luz do Sol, de modo que o povo possa contemplar estes vermes em toda a sua hediondez e vicio. É mister, por conseguinte, denunciar aos 4 ventos os crimes da camarilha petista, mover-lhes uma perseguição sem trégua, apontar-lhes todas as iniqüidades, de modo a enfim revelar por completo sua verdadeira face asquerosa.

Os mais recentes desdobramentos da acelerada metástase do cancro petista em todas as esferas da vida pública nacional confirmam sobejamente, creio eu, a perspectiva que acima delineei. Não tenhais dúvidas, caros camaradas: aproxima-se a passos de corrida a eclosão de uma implacável e brutal luta de morte entre os renegados da 'esquerda moderna' e os setores da esquerda revolucionária. Não haverá, pois, espaço para quaisquer titubeios ou hesitações. O recém-formado PSOL, por exemplo, fatalmente terá de descer do muro onde se encontra, para engajar-se em definitivo na guerra contra a pseudo-esquerda, ou então irá submergir inelutavelmente nas pestilências da cloaca petista. Conclamo, destarte, toda a esquerda revolucionária a adotar a seguinte insígnia:


MORTE AO PT!

GUERRA TOTAL CONTRA A PSEUDO-ESQUERDA RENEGADA!

segunda-feira, julho 11, 2005

Glória eterna ao excelso mavorte lusitano!

Alphonse van Worden - 1750 AD



FORÇA, FORÇA COMPANHEIRO VASCO

NÓS SEREMOS A MURALHA D'AÇO!!!





































sábado, julho 02, 2005

Inside the EYE of EVERNESS...



 The cross was a mushroom... and the mushroom was also the Tree of Good and Evil... the philosophical stone of the alchemists was LSD... the Book of the Dead is a trip... the Holy Trinity begins with an opium poppy... and the gnostic gospels describe a mescaline experience... The whole Universe is nothing but... a superstition... and every reality is... only an opinion, which turns out be... the high point of nothingness dissolved at the inner void of the SACRED... The Blessed SOUND of... NOTHING... being dissolved in a swirling, ever evolvin' and never stoppin' neverness of... mystic SOUND... Yeah, man, you need that bad... fuck all the frequencies, blur all the images, pump up the psych machine, melt your synapses, blow your mind and... turn on, tune in, drop out... IAO ZA-I ZA-O MA-I MA-O TA-I TA-O IAO ZA-I ZA-O MA-I MA-O TA-I TA-O... No, this is not the beginning, but only... the END...?  

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 Ten. Giovanni Drogo 

 Forte Bastiani 

 Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros

domingo, junho 26, 2005

Allahu Akbar!!!

Alphonse van Worden - 1750 AD


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E de sempiternas paragens no rutilante imo da Sierra Morena, sob as déificas emanações de ALLAH, egrégio Custódio dos Arcanos Transfinitos e ático Baluarte da Arcana Coelestia, em ingente, uníssono alarido, as tartáricas legiões extáticas declaram:

TEU É O CAMINHO, A LUZ E O TRIUNFO, Ó DITOSO CONFRADE D'ARMAS AHMOUD AHMADINEJAD!!!

Allahu Akbar...Allahu Akbar...Allahu Akbar!!!





segunda-feira, maio 02, 2005

Wor(l)ds for Spleen, perhaps...




... e então concluímos, em cinérea consternação imersos, que o lirismo é tão somente uma falha sistêmica não-intencional, um aleatório acidente de percurso nas fímbrias intersticiais da plúmbea realidade...

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 Ten. Giovanni Drogo 

 Forte Bastiani 

 Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros

sexta-feira, abril 29, 2005

Meditações, porventura filosóficas e quiçá um tanto quanto lôbregas, vagando através das oníricas veredas da Sierra Morena...

Alphonse van Worden - 1750 AD 

- Os sonhos humanos têm uma camada externa e invulnerável que, como uma concha, protege o frágil núcleo contra ferimentos. Os pensamentos, todavia, morrem em contato com as palavras, tão rapidamente quanto as palavras perecem em contato com os pensamentos; o que deles nos sobra, pois, é o que consegue sobreviver ao massacre mútuo... 

 - Habituei-me aos meus pensamentos assim como às minhas vestes. Têm sempre o mesmo talhe e vejo-os por toda parte, até mesmo nas esquinas; o mais grave, contudo, é que me ocultam o cruzamento dos destinos... 

 - Aquele que entender que seu dia é apenas a noite de um outro, que seus dois olhos são o único olho de um outro, seguirá a pista do dia real que permite o autêntico despertar de sua verdadeira realidade, exatamente como se caminha nos sonhos...



sexta-feira, março 04, 2005

E por vezes, quando de súbito nos assalta a mais recôndita malaise espiritual...


















Ever - Flipper


Ever live a life that's real
Full of zest, but no appeal?
Ever had to really cry,
Cry so much you want to die?
Ever feel that you've been had,
Had so much that you turn mad?
Ever been so depressed,
That those you turn to, you bring distress?
Ever sit in tormenting silence,
That turns so loud, you start to scream?
Ever take control of a dream,
And play all the parts, and set all the scenes?
Ever do nothing
And gain nothing from it?
Ever feel stupid,
And then you know you really are?
Ever think you're smart
And find out that you aren't?
Ever play the fool,
And find that you're even worse?
Ever look at a flower
And hate it?
Ever see a couple kissing
And get sickened by it?
Ever wish the human race didn't exist,
And realize you're one too?

Well?
Have you... Ever...? 

I have...
So What?!



FLIPPER SUFFERED FOR THEIR MUSIC - NOW IT'S YOUR TURN


Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros

segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Sapientia Universalis II

Alphonse van Worden - 1750 AD 

 "Poderia dizer-vos, à semelhança de egrégio ateniense, que 'só sei que nada sei', não fosse o facto de que algo sei." "E o que sabeis, indômito capitão?" "Que Ambrose Bierce está certo." "Certo a propósito de que?" "Nem d'uma coisa nem d'outra, apenas inevitável, inelutável, insofismável e perenemente CERTO..." 



sábado, fevereiro 19, 2005

Sapientia Universalis I

E de sapientíssimo páramo da Arcana Coelestia chega-nos o AXIOMA CARDEAL:




"Sobre esta e um sentido única regra da razão, de que para saber devemos desejar saber e, assim desejando, não se estar satisfeito com o que se tem inclinação de pensar, segue-se um corolário que merece ser inscrito em todo muro da cidade da filosofia: não bloqueie os rumos da investigação!"

Charles Sanders Peirce



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Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros


segunda-feira, janeiro 31, 2005

A crise do Sistema Produtor de Mercadorias e o Marxismo hodierno na perspectiva de Robert Kurz



O desmoronamento das ditaduras stalinistas do leste europeu vem servindo, desde o início dos anos 90, de combustível para os arrazoados dos triunfantes neoliberais, que proclamam, com suas vozes altissonantes, a falência do marxismo. As atrocidades de Stalin, a corrupção generalizada da Era Brezhnev, o culto à personalidade de Mao Zedong, o genocídio promovido por Pol Pot no Cambodja, todos esses acontecimentos históricos seriam, consoante tal pérfida distorção ideológica, epifenômenos de um único e específico indivíduo: Karl Marx. Muito embora tenha morrido em 1883, 34 anos antes da primeira revolução no mundo a se denominar marxista, o célebre pensador alemão seria a nefária mão invisível por trás de todas as desventuras do movimento comunista em nosso século. Nesta perspectiva, poderíamos afirmar que Cristo é o culpado pelas atrocidades da Santa Inquisição, assim como que Lutero é o pai da exploração da miséria humana representada pela Igreja Universal do Reino de Deus.

A fragilidade desses tortuosos argumentos é mais do que evidente, e tão somente os meandros da má fé e dos interesses inconfessáveis podem justificar este tipo de falácia teórica. No entanto, a farsa do Marx ‘bicho-papão’ tem audiência cativa entre os intelectuais comprometidos com as estruturas do sistema, sobretudo os esquerdistas ‘arrependidos’. As palavras de ordem são, na vertente teórico-filosófica, o pós-moderno, a crise dos paradigmas, a morte das utopias, o fim da História; e na vertente econômica, a globalização da economia, a reengenharia, o mercado aberto. Os países do Terceiro Mundo, submetidos aos instrumentos de dominação colonial, aos injustos termos de troca da divisão internacional do trabalho, devem engolir, como sendo o mais refinado dos manjares, uma política de abertura econômica que os próprios países que a apregoam a quatro ventos não praticam, enquanto a Academia de nossos países aceita, sem reflexão, todos os modismos intelectuais ditados pelos centros nervosos da Metrópole.

Será, entretanto, que Marx pode ser descartado peremptoriamente? A crítica ao sistema capitalista estaria por completo ultrapassada? Apesar de tudo, ainda existem muitos intelectuais que se recusam a embarcar no show-boat do neoliberalismo, figuras notáveis como Noam Chomsky, Eduardo Galeano, Antonio Negri, Perry Anderson, Frederic Jameson, Eric Hobsbawn e outros. Destacaremos aqui, todavia, a figura do sociólogo e economista alemão Robert Kurz, pela ousadia, e principalmente, pela originalidade fascinante de sua recuperação dos princípios marxistas. Autor de uma obra-chave para a compreensão dos mecanismos da economia contemporânea - O Colapso da Modernização: da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial - Kurz recupera, à luz dos mais recentes acontecimentos, a surpreendente atualidade da Economia Política de Marx, sobretudo em sua crítica fundamental ao fetichismo da forma-mercadoria, contradição fundamental e crescente do Sistema Produtor de Mercadorias.

Publicado em 1991, no auge da euforia neoliberal pela queda do Muro de Berlim, O Colapso da Modernização é um livro brilhante, desafiador e original, que se propõe a desafiar a tese, dominante em todas as latitudes, segundo a qual o fim do socialismo soviético representaria o triunfo do capitalismo liberal. Para Robert Kurz, a derrocada do chamado 'socialismo real' configura-se como o início de uma crise fatal no seio do próprio sistema capitalista, bem como, no plano teórico, significa a confirmação da economia política de Marx. Nesta perspectiva, os mecanismos ocultos e as contradições internas do capitalismo são o móvel principal da análise incisiva e implacável de Kurz.

A competição pelos mercados constitui a lógica central do Sistema Produtor de Mercadorias, obrigando a humanidade a promover um desenvolvimento contínuo e tendencialmente acelerado das forças produtivas. No século XX, este processo, inerente ao sistema desde seu princípio, alcançou um patamar decisivo, cujas conseqüências determinam a história contemporânea. O casamento, sob as bênçãos do regime mercantil, entre a ciência e o processo produtivo, é a chave da questão.

Esta dinâmica constante, que conduziu ao desenvolvimento da micro-eletrônica e da computação a partir dos anos 60, fatores fundamentais nos desdobramentos mais recentes da estrutura produtiva contemporânea, não pode ser acompanhada pelos países socialistas. A disparidade tecnológica cada vez maior entre os dois blocos empurrou, num período de menos de 30 anos, os países socialistas em direção a um colapso econômico irreversível. Para o economista alemão, entretanto, este fato não corresponde à vitória do capitalismo liberal: as economias ‘socialistas’ constituem, em oposição à perspectiva monetarista, tão somente o vetor estatista do sistema produtor de mercadorias, uma vez que não negam a sua essência primordial, que é o automovimento tautológico do dinheiro e a presença fetichista da forma-mercadoria como célula básica do Capital.

É mister incluir aqui um parêntese explicativo sobre este conceito, tendo em vista que a crítica da lógica da mercadoria é fundamental para se compreender o pensamento de Karl Marx: a transformação do trabalho vivo, que produz mercadorias, em trabalho morto, representado na forma encarnada do dinheiro, é o âmago desta lógica. O trabalho 'vivo' aparece apenas como expressão do trabalho 'morto', que se tornou independente, e o produto concreto como expressão da abstração inerente ao dinheiro. Como mercadorias, os produtos são coisas de valor abstrato, alienadas de suas qualidades sensíveis. Na crítica de Marx, esse valor econômico determina-se de modo puramente negativo, como forma fetichista, abstrata e morta, desprendida de todo conteúdo concreto sensível. O processo de produção apresenta-se, nos termos de Marx, como automovimento do dinheiro, como transformação de uma certa quantidade de trabalho ‘morto’ e abstrato em outra quantidade maior de trabalho ‘morto’, a mais-valia, e com isso, como movimento de reprodução e auto-reflexão tautológica do dinheiro, que somente nessa forma se torna Capital. Nessa forma de existência do dinheiro como capital abstrato, o dispêndio de trabalho desprende-se do contexto da criação de valores de uso sensíveis e transforma-se numa atividade abstrata que traz em si sua própria finalidade. Por terem permanecido como economias que funcionavam dentro da lógica da mercadoria moderna, e cuja única diferença era reservar ao Estado a exclusividade gerencial da produção, bem como por terem procedido a uma acumulação dita ‘socialista’ de capital como motor da atividade econômica, os países socialistas nunca saíram da esfera da produção capitalista.

Na verdade, a promoção das atividades econômicas pelo Estado, o que resultou numa espécie de organização do processo produtivo que poderíamos qualificar como 'Capitalismo de Estado', foi a única possibilidade encontrada por esses países para efetivarem a modernização de suas economias. Excluída do ciclo inicial do desenvolvimento capitalista, controlado pela Inglaterra, Alemanha e França, a Rússia, uma economia feudal às portas do século XX, não possuía uma classe empresarial capaz de promover a modernização capitalista. A organização da atividade produtiva pelas mãos do Estado foi a única alternativa possível, não apenas para a Rússia, bem como para o restante da Europa Oriental e países emergentes do Terceiro Mundo, como a China. Kurz observa que o controle estatal do processo econômico não significa per si a instauração de uma economia em bases socialistas. Não é apenas a propriedade privada dos meios de produção que marca o caráter capitalista de uma sociedade, mas sim a produção determinada pelos mecanismos do mercado, que transforma o produto em mercadoria, não importando se estamos diante de um mercado ‘fechado’ ou ‘aberto’.

Desta maneira, Kurz entende que as economias ditas ‘socialistas’ fazem parte do sistema capitalista, e que, portanto, sua debâcle possui implicações profundas na estrutura global do capitalismo. A crise não se restringe ao socialismo real, procedendo da periferia para o centro do sistema. Principiou pelo ‘Terceiro Mundo’, nas décadas de 70 e 80, espalhou-se para os países socialistas no fim da última década, e começa agora a instalar-se nas bordas dos países ricos. A investigação sobre a natureza desta crise é o passo seguinte de Kurz.

A concorrência no mercado mundial, que conforme já dissemos, acelerou-se enormemente no decorrer do século XX, tornou fundamental a obtenção de padrões cada vez maiores de produtividade, configurados pela combinação de ciência, tecnologia avançada e grandes investimentos. Pela primeira vez na história, o aumento de produtividade, em função das pressões da revolução tecnológica, está significando dispensa de trabalhadores em números absolutos; isto é, o Capital começa a perder a faculdade de explorar trabalho. A mão-de-obra barata e semi-forçada com que países como a URSS e a China contavam para desenvolver sua indústria, ficou sem relevância e não terá mais comprador. Mesmo a tradicional, qualificada e bem-estabelecida classe operária dos países ricos da Europa Ocidental, começa a perder a sua função econômica em sociedades que entram em um estágio pós-industrial, e que já não estão dispostas a suportar o welfare state construído por um século de lutas sindicais. Mas o caráter excludente da nova organização do Capital não para por aí e, na verdade, assume uma feição muito mais grave e abrangente. "Uma vez que a rentabilidade das empresas somente pode ser estabelecida no nível até então alcançado da produtividade, e isso apenas de acordo com o padrão social mundial, e uma vez que esse nível, em virtude da crescente intensidade de capital, está se tornando inalcançável para cada vez mais empresas, ficam paralisados em número crescente de países cada vez mais recursos materiais; desaparece a capacidade aquisitiva correspondente e os mercados que dela resultam, tirando-se assim dos homens as condições capitalistas da satisfação de suas necessidades", escreve Kurz, afirmando ainda que o agravamento deste processo começa a alijar não apenas empresas, mas regiões inteiras e até mesmo países do mercado mundial, que não podem arcar com os custos em tecnologia e investimento para atingir os padrões de produtividade exigidos pela lógica do sistema.

Todavia, o debate ideológico não trata desta exclusão contínua de forças produtivas, mas sim dos méritos genéricos de um modelo abstrato de mercado livre. Enquanto isso, o mercado concreto, que é histórico, eleva a alturas mais e mais inatingíveis os seus requisitos de acesso; o mercado não é, deste modo, como declaram os apologistas do liberalismo, para todos. Na lógica mercantil, o estoque de capitais que engendra os avanços produtivos não pode ser alcançado senão pelos líderes do mercado mundial, como Alemanha, Japão e EUA. Mesmo outras nações capitalistas desenvolvidas, como França, Inglaterra e Itália, não podem competir no limite máximo da produtividade exigida. Assim sendo, a lógica excludente do sistema produtor de mercadorias leva o processo econômico a um círculo vicioso: por um lado, há uma necessidade cada vez maior de investimentos em tecnologia e infra-estrutura para que um país possa conservar-se nos padrões de produtividade exigidos pelo mercado; por outro, o estoque de capitais necessário para viabilizar estes investimentos só pode ser obtido mediante aumentos contínuos e crescentes na produção.

As perspectivas delineadas por Robert Kurz são pouco animadoras, para não dizer francamente ominosas: "É possível que a era de trevas da crise do sistema produtor de mercadorias, com suas formas de percurso e acontecimentos catastróficos, abranja boa parte do século XXI", considera. Apesar disto, as previsões de Marx sobre o esgotamento da dinâmica capitalista continuam sendo ignoradas por uma intelectualidade inconseqüente e irresponsável.

Kurz diz que não devemos de modo algum esperar que esta lógica destrutiva possa ser superada por administrações ‘estatistas’ da crise. Ela seria apenas superável, afirma o autor alemão, "se um movimento consciente social de supressão acabasse com a mera administração dessa crise, movimento que teria que derrubar, com violência maior ou menor" as estruturas do sistema. Esse rompimento teria que ser o "resultado de uma mobilização bem sucedida de grandes massas em favor de uma alternativa social nova e conscientemente formulada, que primeiro tem que ser elaborada". Nesse sentido, proclama Kurz, a forma geral das revoluções contemporâneas, a despeito de todas as reviravoltas históricas e econômicas nos últimos 50 anos, não se tornou obsoleta. A crítica dos resultados da ideologia revolucionária não significa, pois, que a luta revolucionária deva ser abandonada, em nome de um conformismo pessimista diante da catástrofe do sistema produtor de mercadorias.

Contudo, o exercício de uma crítica social radical, por intermédio de uma intelligentzia que se viu despojada dos seus instrumentos práticos e teóricos, pode ser seriamente prejudicado, e até mesmo anulado por um processo de legitimação covarde dos aparatos emergenciais porventura adotados pelo sistema para gerenciar a crise. A social-democracia reformista não logra divisar nenhum horizonte além da gestão passiva da crise sistêmica; e mesmo a esquerda ‘autêntica’ mostra-se completamente incapaz de elaborar um projeto de superação, porque seu pensamento ainda está firmemente vinculado às categorias marxistas ortodoxas da luta de classes e do movimento operário. O marxismo que importa, o da crítica radical ao fetichismo da mercadoria, está esquecido, abandonado numa twilight zone teórica. Em razão disso, a Esquerda, anota Kurz, ao invés de "radicalizar-se após a derrota dos 'mercados planejados', passa, ao contrário, a aproximar-se das formas ocidentais do mercado". Qualquer tentativa de elaboração de uma crítica radical deve levar em consideração que a humanidade, por meio das forças produtivas que ela mesmo gerou, foi socializada de forma ‘comunista’ no nível material e ‘técnico’, em outras palavras, a produção foi organizada como entrelaçamento global da atividade humana, fenômeno previsto por Marx. A questão reside no fato de que este comunismo de produção está dentro de um invólucro capitalista, sendo dirigido, nas palavras de Kurz, pela "estrutura cega e tautológica do dinheiro". Ou seja, a economia mundial vive a contradição existente entre o aspecto coletivo da produção e o caráter privado de sua apropriação. Eis a contradição central do capitalismo, conforme Marx a definiu, que não apenas permanece atual, bem como agudizou-se ainda mais com a elevação constante dos padrões de produtividade do mercado internacional.

Para Kurz, a Esquerda, por sua incapacidade em enfrentar a magnitude dos problemas propostos por esta crise, optou por refugiar-se no desencanto ‘pós-moderno’. A denúncia de toda a crítica social como uma presunção teórica inaceitável, a crença na impossibilidade de se pensar a totalidade, o ceticismo quanto às alternativas de mudança, a apologia do 'fragmentário' em detrimento da 'totalidade', são apenas alguns dos sintomas característicos desta ‘nova esquerda’, que se limita à condição de correia de transmissão das novas estratégias de alienação do Sistema capitalista. É o primado absoluto da ‘razão cínica’. A Esquerda recolheu-se, com hipócrita e fingida resignação, ao pseudo-dogma de que o mercado é a panacéia universal para todos os problemas, aceitando como única saída a adoção de reformas para ‘corrigir’ as eventuais distorções sociais do capitalismo; faz-se mister ser ‘pragmático’, pois a era das utopias terminou. Para Kurz, ser ‘pragmático’ neste sentido "não significa mais nada, portanto, do que se acomodar, até em crises e catástrofes, no automovimento abstrato do dinheiro, reduzir a subjetividade (inclusive a teórica) a uma estratégia astuciosa de sobrevivência". Afinal, é difícil resistir às benesses concedidas ao intelectual ‘bem-comportado’...

O economista alemão acredita que a superação do sistema atual exige um tipo de crítica completamente distinto desta apática ‘razão prático-cínica’. A crítica social deve tornar-se mais radical e incisiva, retomando as reflexões originais de Marx sobre a abolição da estrutura capitalista de produção. Ou, nos termos mais precisos do autor teutônico: "a substância material das potências alcançadas da socialização tem que ser radicalmente liberada da forma histórica que contaminou essa substância e tornou-a extremamente destrutiva". Já não faz mais sentido falar de reformas ‘isoladas’ ou locais, uma vez que a crise do sistema mundial de mercadorias é generalizada. A superação desta crise, se possível for, há de ser global, abolindo a categoria da forma-mercadoria e o auto-movimento cego do dinheiro. A única alternativa é a destruição do sistema mundial de rentabilidade e dos processos abstratos de exploração em empresas. Trata-se sem dúvida de uma revolução, mas não daquele tipo clássico no qual uma classe social derruba outra, ambas estando inseridas dentro do sistema da mercadoria. A violência resultará do fato de que esse sistema não será abandonado voluntariamente por seus representantes, os executivos, a classe política e o aparato emergencial de administração.

Esta Revolução deve, assevera Kurz, constituir-se como um movimento, "como uma força social de supressão, e isso é apenas possível por meio da consciência", da aufklärung, o que é, sem dúvida, uma tarefa das mais árduas e imprevisíveis. A perspectiva do fim das relações sociais determinadas pela mercadoria e pelo dinheiro é assustadora para uma humanidade cujos horizontes jamais entreviram outra modalidade de relações sociais; o processo será, pois, fatalmente traumático. A crítica do dinheiro, mesmo sendo a única possibilidade, ainda será, durante muito tempo, uma utopia irrealizável para a esmagadora maioria das pessoas.

Robert Kurz com honestidade afirma, na conclusão de sua obra, que "ninguém pode tirar da cartola um programa de supressão da mercadoria moderna" . A fatalidade está em que esse projeto sequer começou a ser pensado em suas bases iniciais. A corriqueira pergunta "como isso vai funcionar na prática", em vez de servir como estímulo à reflexão crítica, acaba sempre resultando numa nova sujeição à lógica dominante da destruição. Já não podemos mais recorrer ao Estado contra o mercado e ao mercado contra o Estado. "A falha do Estado e a falha do Mercado tornam-se idênticas, porque a forma de reprodução social da modernidade perdeu completamente a sua capacidade de funcionamento e integração". O retorno ao aspecto mais vital da teoria de Marx, que é sua contestação decidida e implacável ao fetichismo da forma-mercadoria, talvez seja a possibilidade do começo de uma nova crítica, de um programa resoluto de superação do sistema produtor de mercadorias.

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Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros