terça-feira, janeiro 22, 2008

Glenn Branca: the black mass of electrical ecstasy

























Artista de amplos recursos técnicos; criador de toda uma estética originalíssima, a partir da fusão entre noise rock e música erudita experimental; e figura constelar no âmbito da vanguarda novaiorquiana dos anos 70 e 80, sobre o qual exerceu decisiva influência, Glenn Branca é indubitavelmente uma das figuras mais interessantes e inovadoras da música contemporânea. Posso seguramente afirmar, aliás, que se trata de meu compositor predileto em todos os tempos (apenas para ficar bem claro: não estou de forma alguma a dizer que é o 'melhor', ou o 'mais importante', ou qualquer outra estultícia do mesmo naipe, mas tão somente que é o meu favorito). 

Se há, aliás, um compositor que poderia ser classificado como PROGRESSIVO e EXPERIMENTAL na mais legítima e genuína acepção da palavra, este é Branca, pois ao contrário de muitas 'vacas sagradas' por aí, que se limitam a preguiçosamente adaptar / reciclar / surrupiar trechos elementos da tradição clássica, o genial regente e guitarrista norte-americano forjou um novo estilo ao amalgamar rock’n’roll e música erudita em surpreendente síntese alquímica.

A trajetória de Branca teve início no fértil e irrequieto cenário da vanguarda multimídia nova-iorquina dos anos 70. Em 1976, Branca cria, com Jeffrey Lohn,suas primeiras bandas, as formações no wave Theoretical Girls e The Static. Ambas enveredavam por uma estética relativamente análoga a de outros grupos da cena (DNA, Mars, Teenage Jesus and The Jerks, Don King), ou seja, a incorporação de elementos do minimalismo (Reich, Glass, Rilley) e da drone music (La Monte Young, Tony Conrad) ao nascente punk rock; são já notáveis, todavia, as inusitadas afinações de guitarras, as texturas microtonais e a obsedante massa sonora gerada pela superposição de diversas camadas de guitarras, características que se tornariam marca registrada no trabalho do compositor.

Em 1981, lança sua primeira obra-prima, o álbum The Ascension, onde o escopo sinfônico, ainda que para um ensemble pequeno (4 guitarras elétricas, baixo elétrico e bateria), já se faz plenamente presente: são peças sobremaneira hipnóticas, densas espirais de radiância sonora evoluindo em movimentos cada vez mais obsessivos e inquietantes. John Cage certa vez classificou a música de Branca como 'fascista' e 'histérica' ("I found in myself a willingness to connect the music with evil and with power...If it were something political, it would resemble fascism"). A observação é de certo modo procedente, pois a música 'branquiana' flui através de uma série de crescendos ominosos, sem desenlace ou catarse, de modo a transfigurar uma contínua sensação de apreensão e desassossego progressivos; não obstante, longe de ser um traço derrogatório, trata-se, creio eu, de algo que corrobora para tornar a música de Branca ainda mais admirável em sua busca tantalizante pelo inner void da tensão estrutural permanente.

Lesson No.2 e Structure são Sonic Youth avant la lettre, muito embora sobremaneira mais abstratas, angulosas e glaciais; fascinante exercício de contrastes, The Spectacular Commodity é simultaneamente luz e sombra em insólita convergência de vetores cromáticos dissonantes; Lightfield (In Consonance) é uma daquelas arrebatadoras walkürenritt eletromagnéticas tão características da obra de Branca, com suas trovejantes constelações de clusters circungirando em direção ao Infinito. Por fim, The Ascension, sinfonia do caos über eletrik por excelência, inicia-se como uma ameaçadora nebulosa eletrostática em lenta mas inexorável expansão, para então entregar-se a mais emblemática das progressões geométricas de radiação hipercinética do opus branquiano, terror e êxtase na mesma galáxia multiforme de estruturas sônicas em glorioso colapso.

Nos anos seguintes, Branca aperfeiçoaria esse formato, compondo sinfonias para conjuntos cada vez maiores (vale mencionar que figuras notórias do rock contemporâneo, como a dupla de guitarristas do SY - Lee Ranaldo e Thurston Moore - iniciaram-se na vida artística justamente com Branca); são obras monumentais e extremamente ambiciosas, onde o artista explora não só os páramos mais abstrusos da música ocidental contemporânea, mas também agrega elementos da música balinesa e indonésia. A partir de 1989, marcando uma surpreendente guinada em sua obra, o compositor passa também a trabalhar com orquestração sinfônica tradicional, mas sem abandonar suas explosões de energia guitarrística concentrada, e assim expandindo um legado cujo rigor estético bem como a ousadia conceitual nunca cessam de maravilhar seus ouvintes.

























___

Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros

2 comentários:

Gustavo Townsend disse...

Brilhante colocação.Branca gênio!

Anónimo disse...

Brilhante colocação.Branca gênio!