quarta-feira, fevereiro 19, 2025

Breve nota a propósito da weird fiction de William Hope Hodgson


 

Muito embora nem sempre acerte o alvo (suas observações sobre E.T.A Hoffmann não poderiam ser mais equivocadas), não há como negar que SUPERNATURAL HORROR IN LITERATURE (1927), o célebre ensaio de crítica literária de autoria de H. P. Lovecraft, é quase sempre um guia seguro para o gênero. 

 É o caso da novela THE HOUSE ON THE BORDERLAND (1908), do escritor inglês William Hope Hodgson. Lovecraft argumenta que a obra seria um "clássico de primeira categoria" caso não padecesse de alguns clichês sentimentais; aliás, segundo o ficcionista norte-americano, este seria o grande defeito de Hodgson, sobretudo em seu romance de maior fôlego, THE NIGHT LAND (1912 / pretendo ler este ano). 

Pois ouso discordar do excelso autor de THE CALL OF CTHULHU. Pelo menos em se tratando da obra em questão, o componente romântico a meu ver funciona como mais uma faceta na odisseia lisérgico-espacial vivida (sonhada?) pelo protoganista, mais uma peça neste enigmático quebra-cabeças psicofísico.   

THE HOUSE ON THE BORDERLAND parece-me ser um dos primeiros exemplos do que se poderia denominar de 'horror cósmico', vale dizer, a fusão entre a literatura de horror e a então nascente ficção científica, que mais tarde seria celebrizada por autores como o próprio Lovecraft, Lord Dunsany, Clark Ashton Smith, Robert W. Chambers etc. Assim sendo, ao conceber uma trama onde o elemento de terror claustrofóbico e paranoide se expande através de visões monumentais (e em última instância apocalípticas) de eventos em escala cósmica, Hodgson sem dúvida rompe c/ convenções e tropos literários estabelecidos e contribui decisivamente para a criação de um novo paradigma.  

Há ainda um caráter até mesmo 'psicodélico' em diversas passagens do texto. As descrições de fenômenos astronômicos, as viagens no seio do espaço-tempo, o colapso ao fim e ao cabo do Universo conhecido, tudo isso conjura uma atmosfera de alucinatório, feérico e vertiginoso delírio, a experiência do horror sagrado perante tudo aquilo que inconcebivelmente arcano, inefável y insondável, a sensação de 'Space is Deep' tão presente nas melhores narrativas lovecraftianas ou em filmes como 2001: A SPACE ODYSSEY e SOLARIS

Ressalte-se ainda um traço fascinante, que aproxima THE HOUSE ON THE BORDERLAND do que se poderia chamar de modernidade literária: o labiríntico interplay entre Fantasia e Realidade. A mansão em ruínas, situada num recanto hostil e remoto do countryside irlandês, funciona como um portal (meta)físico entre a Terra e dimensões / universos paralelos, além de toda imaginação. Estamos, portanto, num terreno que de certo modo já tangencia autores como Borges, Buzzatti ou Calvino. 

Todavia, a conexão mais evidente e direta é de facto com a ficção lovecraftiana, se calhar sobretudo no que diz respeito ao sentimento de crescentes desamparo, solidão e pavor do homem que constata sua inanidade e insignificância perante ALGO que está muito além de sua compreensão. Em Hodgson já não há monstros e/ou criaturas sobrenaturais de corte tradicional, mas sim forças inomináveis, deidades abissais que desafiam inexoravelmente sua sanidade e até mesmo seu senso de realidade.  

THE HOUSE ON THE BORDERLAND merece, enfim, todos os encômios.


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Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte / Deserto dos Tártaros

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