quinta-feira, fevereiro 20, 2025

In Praise of the FAERIE QVEENE

Alphonse van Worden - 1750 AD




Se há um autor que não me canso de visitar y revisitar, este é sir Edmund Spenser, sobretudo em se tratando de seu monumental FAERIE QVEENE, magnífica, incomparável e transcendente catedral em versos, onde em síntese magistral se amalgamam o ciclo arturiano; a poesia épica de Virgílio; a engenharia lírica petrarquiana; a exaltação patriótica; o fervor teológico; a arte a serviço da edificação moral dos pósteros. 

Ler o FAERIE QVEENE é mergulhar na própria substância de que são entretecidos os sonhos y as mitologias; é peregrinar por sibilinas sendas, entre vales sombrios e fúlgidas planícies, c/ seus portentosos castelos e ominosas masmorras; entre miríades de dragões, salamandras, ogros, trolls, elfos, quimeras, gigantes, ciclopes, bruxos y feiticeiras, bem como entre audazes cavaleiros andantes e excelsas donzelas, toda uma vertiginosa miríade de lendas y narrativas. Com efeito, trata-se indubitavelmente do píncaro, a grande obra-prima em toda a história da literatura fantástica, o mirífico fanal onde Tolkien e tantos y tantos outros generosamente beberam. 

Como se não bastara, ao contrário do que se poderia pensar, em termos estilísticos é Spenser, e não Shakespeare, o mais influente poeta da literatura inglesa, o que fica patente nas obras de autores como Milton, Pope, Blake, Wordsworth, Coleridge, Shelley, Keats, Tennyson etc.

Por fim, deixo vossas senhorias c/ um dos belíssimos sonetos monostróficos que constam do proêmio da obra. 



*


A Vision vpon this conceipt of the Faery Queene


ME thought I saw the graue where Laura lay

Within that Temple, where the vestall flame

Was wont to burne, and passing by that way,

To see that buried dust of liuing fame,

Whose tombe faire loue, and fairer vertue kept,

All suddenly I saw the Faery Queene:

At whose approch the soule of Petrarke wept,

And from thenceforth those graces were not seene.

For they this Queene attended, in whose steed

Obliuion laid him downe on Lauras herse:

Hereat the hardest stones were seene to bleed,

And grones of buried ghostes the heuens did perse.

Where Homers spright did tremble all for griefe,

And curst th'accesse of that celestiall theife






quarta-feira, fevereiro 19, 2025

Breve nota a propósito da weird fiction de William Hope Hodgson


 

Muito embora nem sempre acerte o alvo (suas observações sobre E.T.A Hoffmann não poderiam ser mais equivocadas), não há como negar que SUPERNATURAL HORROR IN LITERATURE (1927), o célebre ensaio de crítica literária de autoria de H. P. Lovecraft, é quase sempre um guia seguro para o gênero. 

 É o caso da novela THE HOUSE ON THE BORDERLAND (1908), do escritor inglês William Hope Hodgson. Lovecraft argumenta que a obra seria um "clássico de primeira categoria" caso não padecesse de alguns clichês sentimentais; aliás, segundo o ficcionista norte-americano, este seria o grande defeito de Hodgson, sobretudo em seu romance de maior fôlego, THE NIGHT LAND (1912 / pretendo ler este ano). 

Pois ouso discordar do excelso autor de THE CALL OF CTHULHU. Pelo menos em se tratando da obra em questão, o componente romântico a meu ver funciona como mais uma faceta na odisseia lisérgico-espacial vivida (sonhada?) pelo protoganista, mais uma peça neste enigmático quebra-cabeças psicofísico.   

THE HOUSE ON THE BORDERLAND parece-me ser um dos primeiros exemplos do que se poderia denominar de 'horror cósmico', vale dizer, a fusão entre a literatura de horror e a então nascente ficção científica, que mais tarde seria celebrizada por autores como o próprio Lovecraft, Lord Dunsany, Clark Ashton Smith, Robert W. Chambers etc. Assim sendo, ao conceber uma trama onde o elemento de terror claustrofóbico e paranoide se expande através de visões monumentais (e em última instância apocalípticas) de eventos em escala cósmica, Hodgson sem dúvida rompe c/ convenções e tropos literários estabelecidos e contribui decisivamente para a criação de um novo paradigma.  

Há ainda um caráter até mesmo 'psicodélico' em diversas passagens do texto. As descrições de fenômenos astronômicos, as viagens no seio do espaço-tempo, o colapso ao fim e ao cabo do Universo conhecido, tudo isso conjura uma atmosfera de alucinatório, feérico e vertiginoso delírio, a experiência do horror sagrado perante tudo aquilo que inconcebivelmente arcano, inefável y insondável, a sensação de 'Space is Deep' tão presente nas melhores narrativas lovecraftianas ou em filmes como 2001: A SPACE ODYSSEY e SOLARIS

Ressalte-se ainda um traço fascinante, que aproxima THE HOUSE ON THE BORDERLAND do que se poderia chamar de modernidade literária: o labiríntico interplay entre Fantasia e Realidade. A mansão em ruínas, situada num recanto hostil e remoto do countryside irlandês, funciona como um portal (meta)físico entre a Terra e dimensões / universos paralelos, além de toda imaginação. Estamos, portanto, num terreno que de certo modo já tangencia autores como Borges, Buzzatti ou Calvino. 

Todavia, a conexão mais evidente e direta é de facto com a ficção lovecraftiana, se calhar sobretudo no que diz respeito ao sentimento de crescentes desamparo, solidão e pavor do homem que constata sua inanidade e insignificância perante ALGO que está muito além de sua compreensão. Em Hodgson já não há monstros e/ou criaturas sobrenaturais de corte tradicional, mas sim forças inomináveis, deidades abissais que desafiam inexoravelmente sua sanidade e até mesmo seu senso de realidade.  

THE HOUSE ON THE BORDERLAND merece, enfim, todos os encômios.


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Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte / Deserto dos Tártaros