quarta-feira, setembro 02, 2020

Brevíssima nota a propósito de D. Luis de Góngora y Argote


Alphonse van Worden - 1750 AD


Se por acaso, venerabilíssimos irmãos d’armas, nunca lestes D. Luis de Góngora y Argote, sinto muito em dizer, mas não tendes uma real dimensão do que é o rebuscamento estilístico e formal em matéria de literatura.

Com efeito, o avatar supremo do culteranismo leva às últimas consequências, ao mais radical paroxismo os postulados estilísticos desta excêntrica escola da barroco literário ibérico: os labirínticos jogos de palavras; a profusão de alusões eruditas, mormente de cariz mitológico; a catadupa de figuras de linguagem, tudo na poesia gongorina explode em miríades policromáticas de fogos de artifício verbais, num vertiginoso bailado onde a perigosa fronteira entre o sublime e o ridículo, é mister admitir, amiúde é violada. Mas pouco importa: quando tudo se 'encaixa', e a frivolidade do tema não atrapalha a apreciação do virtuosismo formal, Góngora atinge patamares de excelência que pouquíssimos outros autores lograram alcançar. O insigne Dámaso Alonso, por exemplo, irá denominá-lo o "místico das palavras", o que significa dizer que o notável mestre do Siglo de Oro lograva conferir "um sentido mais puro às palavras da tribo" (Mallarmé), haurindo de sua mera literalidade uma plêiade inaudita de signos encantatórios, de sua prosaica denotação novas galáxias semânticas.

Vejamos ao sabor do acaso, pois, as cincos estrofes iniciais de El Panegírico al Duque de Lerma (1617), obra da maturidade do autor (e que sem dúvida influenciaria ulteriormente Bossuet, o indisputado primus inter pares do gênero), se calhar não tão célebre quantos as Soledades (1613), mas a meu ver ainda mais complexa e fascinante.


*

I

 Si arrebatado merecí algún día
tu dictamen, Euterpe, soberano,
bese el corvo marfil hoy de esta mía
sonante lira tu divina mano;
émula de las trompas su armonía,
el Séptimo Tríón de nieves cano,
la adusta Libia sorda aun más lo sienta
que los áspides fríos que alimenta.


II

 Oya el canoro hueso de la fiera,
pompa de sus orillas, la corriente
del Ganges, cuya bárbara ribera
baño es supersticioso del oriente;
de venenosa pluma, si ligera,
armado lo oya el Marañen valiente;
y débale a mis números el mundo
del fénix de los Sandos un segundo.


III 

  Segundo en tiempo sí, mas primer Sando
en togado valor, dígalo armada
de paz su diestra, díganlo trepando
las ramas de Minerva por su espada,
bien que desnudos sus aceros cuando
cerviz rebelde o religión postrada
obligan a su rey que tuerza grave
al templo del bifronte dios la llave.


IV 

  Este, pues, digno sucesor del claro
Gómez Diego, del Marte cuya gloria
a las alas hurtó del tiempo avaro
cuantas le prestó plumas a la historia,
éste, a quien guardará mármoles Paro
que engendre el arte, anime la memoria,
su primer cuna al Duero se la debe
si cristal no fue tanto cuna breve.


V 

  Del Sandoval, que a Denia aun más corona
de majestad que al mar de muros ella,
Isabel nos lo dio, que al sol perdona
los rayos que él a la menor estrella,
hija del que la más luciente zona
pisa glorioso, porque humilde huella
(general de una santa compañía)
las insignias ducales de Gandía.



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