É com imenso gaúdio, preclaros irmãos d'armas, que cá disponibilizo um insigne pedaço d'escrita d'autoria de meu caríssimo confrade Rafael Daher, cuja erudição e agudeza d'espírito em matéria d'Ortodoxia são veramente notáveis.
Boa leitura!
Alphonse van Worden - 1750 AD
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Quem representa a verdadeira Ortodoxia?
Rafael Daher
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Introdução
Em artigo publicado num dos maiores
portais ortodoxos da internet em idioma russo, de autoria de Edward
Zibinitsky - texto originalmente publicado em http://www.pravoslavie.ru/jurnal/ideas/contrdugin.htm - notamos
diversos erros conceituais e uma imensa falta de preparo para lidar
com o assunto.
O artigo começa
apresentando a obra do Professor Alexander Dugin como um vasto
conjunto de termos e conceitos de diversas tradições, mas agrupadas
em uma só entidade, que agrupa aspectos sociais, geopolíticos e
espirituais. Embora isso não seja uma crítica direta, é possível
notar um certo espanto no autor. Entretanto, um cristão ortodoxo
familiarizado com o conceito ortodoxo de Estado não se espanta com
isso, pois a autocracia ortodoxa, que foi sustentada por muitos
séculos pelo Império Russo, reúne em torno do Czar, o ungido, todo
o sentido do Império Cristão. Basta analisar o entendimento dos
santos e startsi russos para notar que todos os aspectos da vida
terrena estavam diretamente ligados à figura do Czar. A escatologia
dos padres russos, por exemplo, gira em torno da queda e do
ressurgimento do Czar; além de existir nestes padres uma “geografia
sagrada”, que coloca a Rússia não só como a Terceira Roma, mas
também como a Nova Jerusalém e o povo russo como o novo povo
eleito.[1]
Entre diversas acusações até ao estilo do
Professor Dugin, o autor diz ser necessário de certo cuidado e
conhecimento por sua “poética rebuscada”, “sistema sofisticado
de referências e alusões retóricas”. O que não é um grande
problema para um cristão ortodoxo familiarizado com os Santos
Padres. Enquanto em alguns padres a linguagem é muito clara e
direta, como em São João Crisóstomo, em alguns encontramos a
mesma linguagem rebuscada e cheias de meandros, como em Clemente de
Alexandria, São Gregório Palamas e em diversos tratados da
Filocália[2].
Trataremos, portanto, das acusações e dos diversos
erros conceituais do autor, que em sua ânsia por criticar o
pensamento do Professor Dugin, acaba deixando de lado diversos
conceitos ortodoxos que deveria saber e tem a obrigação de aceitar.
1. A Eurásia e o
resto
Após apresentar os principais conceitos do
Professor Dugin e do projeto Eurásia, Zibinisky critica a posição
tradicionalista de advogar um Princípio Supremo que une todos os
autores tradicionalistas e representantes da tradição. Ora, pode-se
negar o sobrenatural por trás deste Princípio que une todas as
tradições, mas é inegável que a sociedade ocidental moderna
representa um rompimento com todos os antigos conceitos e princípios
das sociedades antigas, tanto do Oriente como do Ocidente, e é
inegável que há diversos traços comuns entre todas essas
civilizações. É possível traçar diversos pontos em comum entre o
Egito Antigo e a Rússia Ortodoxa – a idéia ortodoxa do Czar que
retém a vinda do anticristo, por exemplo, é comum em todas as
autocracias e teocracias. Segundo os startsi, a vinda de Cristo como
juiz ocorrerá após mais uma queda do Czar da Rússia, que será
restaurado e derrubado novamente. No Islam, o Mahdi voltará para
restaurar a Sharia na região de Najd, a região do Profeta (saws).
Portanto, em todas as civilizações anteriores às revoluções
iluministas (ou nas que não foram afetadas por elas), notamos a
figura de um autocrata, enviado do alto, que não é apenas um
governante terrestre, mas também uma ponte entre o céu e a terra (o
Sumo Pontífice do Império Romano). O fundamento de todas estas
sociedades está nesta ligação dos céus com a terra e aqui entra a
idéia da civilização terrena como uma cópia das civilizações
celestes (adiante trataremos sobre isso), e assim como o céu possui
sua hierarquia, a terrena também possui a sua. Já no Ocidente,
desde a vitória do guelfismo, este princípio tradicional foi
rompido. E aí está a chave para a toda a decadência ocidental e
suas degenerações mais perversas, como o Catolicismo Romano, o
Protestantismo e os ideiais iluministas. Quando o papado tentou
usurpar a Conciliaridade da Igreja (Sobornost), para substituí-la
pelo governo universal de um franco com delírios romanos, foi dado o
primeiro passo para a segunda usurpação franco-romanista: o roubo
do poder real, a instauração do poder guelfo e de seu ideal
papo-cesarista. Pois se o papa é o líder supremo da Igreja, e se
deve existir essa liderança, é óbvio que uma liderança deste
tamanho é superior à hierarquia real. Desta forma, ao contrário da
sinfonia de poderes patrística, o papo-cesarismo franco usurpou o
poder dos reis e passou a governar sozinho. A reforma protestante,
para combater este monstro, gerou um monstro maior ainda, pois embora
estivesse correta em negar o monstro que é a figura de um bispo que
substitui a Conciliaridade da Igreja e o poder real ungido pelos
céus, criou diversos monstros semelhantes, em um número maior
ainda, pois todo protestante é um pequeno papa. Este monstro acordou
e rompeu com os últimos resquícios do Cristianismo. E o mundo
passou a assistir o nascimento e morte de diversos ismos, cada vez
mais animalizados e sem qualquer princípio. Negar que, de um lado
temos as diversas formas tradicionais de governo e, de outro, os
frutos do papismo franco, é negar o óbvio. A Autocracia Ortodoxa
possui suas particularidades e o cristão ortodoxo tem todo o direito
de ver nessas particularidades sinais da presença divina exclusiva,
mas ele não pode negar que há um princípio comum, ainda que fruto
da chamada “lei natural”, entre todas as formas que contrariam a
degeneração Ocidental.
Portanto, ao defender um projeto Eurasiano,
contrário ao Ocidente moderno, o Professor Dugin está apenas
defendendo a identidade ortodoxa. Também concordamos com o Professor
Dugin no que tange ao Nacional-Bolchevismo como preservador da
identidade patriótica russa, já que os primeiros
nacionais-bolchevistas representavam com muito mais precisão o
patriotismo russo e o ideal da Santa Rus’ do que figuras como
Kerensky ou até mesmo hierarcas tidos como “conservadores” que
defendiam a troca do Czar por um poder democrático aos moldes dos
Ocidentais.[3]
2. O Simbolismo Polar
Após apresentar as ideias do Professor Dugin
expostas em sua obra "Метафизические корни
политических идеологий" (“As Raízes
Metafísicas das Ideologias Políticas), o autor, novamente sem
perceber, acaba demonstrando como o pensamento do Professor Dugin
está de acordo com a tradição patrística da Igreja Ortodoxa.
Durante a revolução russa, a Igreja ficou dividida entre várias
posições: os renovacionistas, que saudavam as ideologias comunistas
e propunham reformas eclesiásticas radicais, como o fim do
monasticismo, das vestes clericais e da ritualística; os chamados
“contra-revolucionários”, que defendiam o poder do Czar ortodoxo
e combatiam o renovacionismo, os “moderados”, partidários de
reformas democráticas na Rússia e o fim do czarismo, mas que não
eram partidários da revolução sangrenta ou da “ditadura do
proletariado”; os neutros, contrários a qualquer intromissão da
Igreja na guerra civil. Entretanto, o que nos interessa aqui é a
figura dos contra-revolucionários, pois eram os únicos
representantes da verdadeira Ortodoxia. Para eles, a revolução não
possuía apenas um caráter social, mas antes era fundamentada numa
batalha espiritual e de consequências escatológicas. O Metropolita
Anastácio, o primeiro Primaz da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio,
escreveu:
“Terrível e misteriosa é a obscura visão da
revolução. Vista detalhadamente de sua essência interior, ela não
deve ser colocada dentro do contexto histórico e não pode ser
estudada da mesma forma que outros fatos históricos. Suas raízes
mais profundas transcendem os limites de espaço e tempo, conforme
determinado por Gustave le B.om, que considerava a revolução um
fenômeno um tanto místico, obra de poderes sobrenaturais. Mas o que
parecia duvidoso tornou-se muito claro após a revolução russa.
Todos sentiam, conforme relatou um escritor da época, a terrível
encarnação do mal absoluto no temperamento do homem; em outras
palavras, a participação do demônio (o pai da mentira e antigo
inimigo de Deus, que tentava levar o homem sua obediente ferramenta
contra Deus) foi finalmente revelada.”[4]
São João de Kronstadt, em sua visão profética,
viu o poder revolucionário como um chicote divino, uma punição
pela queda espiritual do povo russo e seu afastamento da Igreja.
Segundo os startsi, a restauração do Czar está diretamente ligada
ao renascimento espiritual da Rússia, pois desde o VT a figura de um
líder enviado por Deus está diretamente ligada ao merecimento do
povo[5], e esta é a diferença da autocracia tradicional para todas
as outras formas de poder.
Portanto, pelos próprios padres e startsi da Igreja
Ortodoxa, a posição do Professor Dugin, sobre a polaridade das
figuras presentes na escatologia, bem como da necessidade da
polaridade para a restauração do estado primordial, está de acordo
com a Ortodoxia. Todos os startsi russos, com suas profecias e avisos
sobre castigos divinos à Santa Rus’, representam muito bem o ideal
polar, pois todos os fenômenos sociais e geopolíticos não ocorrem
por acaso, antes são representações de uma batalha espiritual que
ocorre desde a queda de Lúcifer.
A própria interpretação do Apocalipse feita pelos
padres da Igreja Ortodoxa é favorável ao argumento do Professor
Dugin, pois os padres enxergam nas igrejas da Ásia fases da Igreja e
do mundo. Portanto, nem mesmo a História escapa dessa visão, pois
ao contrário da visão acadêmica, a Igreja Ortodoxa entende os
eventos históricos dentro da divina providência em busca da vitória
da Igreja Triunfante e seus membros contra as forças diabólicas.[6].
A Igreja Ortodoxa entende a história de forma
polar, em um polo temos aquilo que Santo Justino (Popovich) chamava
de “sociedade do Deus Homem”, a Igreja Ortodoxa, e do outro a
“hidra de sete cabeças”, representada por todas as tentativas de
destruir esta sociedade. Este mesmo Santo entendeu como poucos a raiz
espiritual e demoníaca do papao: para São Justino, o Papismo possui
em si mesmo uma diabólica tentativa em divinizar um homem para
ocupar o lugar de Cristo. Novamente, encontramos dentro dos padres da
própria Igreja Ortodoxa a justificação das idéias defendidas pelo
Professor Dugin.
Entretanto, este ensinamento é um pouco distante da
“Ortodoxia” pregada por alguns hierarcas, que imaginam uma luta
comum para católicos romanistas e ortodoxos representantes da
verdadeira Roma. Não há como falar em resistência “cristã” ou
“objetivos comuns” entre católicos e ortodoxos. Vemos nos
exemplos dos santos defensores da Fé Ortodoxa que é impossível
falar em colaboração entre as duas Igrejas, e novamente isto é
outra prova da polaridade.
Como a Igreja Católica representa o início da
maior ofensiva à cosmovisão ortodoxa, não há absurdo algum em
enxergá-la como parte das forças decaídas na batalha terrena que
representa a batalha celestial entre Miguel e Lúcifer.
3. Gnose
Que católicos romanistas tenham certa paranóia com
a gnose é compreensível, pois a teologia romanista é um monstro de
duas pernas tortas: a racionalista, representada pelos escolásticos,
que reduziram até o mistério do Santíssimo Sacramento ao limites
da exposição sistemática; e a mística-sensualista, representada
pelos “místicos” católicos que relatam uma relação quase
erótica com Cristo, conforme vemos nas representações eróticas da
crucificação de Cristo ou nos escritos indecentes de místicos como
Santa Teresinha, São Francisco de Assis com seus estigmas e tantos
outros.
Já a Igreja Ortodoxa, seguindo os Santos Padres,
preservou o verdadeiro sentido da theosis, a doutrina da deificação.
O Professor Dugin, ao falar do “Éden Perdido” como
característica fundamental da teologia apofática, faz nada mais do
que defender a doutrina ortodoxa da deificação e da visão das
divinas energias incriadas. São Serafim de Sarov, ao transfigurar-se
diante de Motovilov, foi uma prova viva desta doutrina. Enquanto para
a teologia romanista a salvação é entendida de forma sistemática,
numa exposição quase filosófica da salvação ou, pior ainda, na
forma sensual e erótica de seus místicos, a teologia ortodoxa
reafirma os ensinamentos dos antigos padres como São Máximo o
Confessor e São João Clímaco. Portanto, os místicos romanistas
que estão mais próximos do gnosticismo.
Entretanto, a questão do gnosticismo aqui é outra:
o autor acusa Dugin de defender os movimentos sectários russos,
supostamente gnósticos por seus ritos orgiásticos. Não é nosso
intuito defender a Ortodoxia inexistente destas seitas e cremos que
este também não é o intuito do Professor Dugin. Entretanto, o
Professor Dugin está certo ao defender o aspecto revolucionário
destes grupos. Sabemos que o Concílio de Florença foi o responsável
por algumas mudanças na praxis dos ortodoxos gregos. O Patriarca
Nikon, quando percebeu essas alterações, não imaginou desta forma
e, num dos piores erros da história da Igreja Ortodoxa Russa,
promulgou reformas para corrigir supostos erros dos missionários que
levaram a Ortodoxia à Rússia. Diante disso, os fiéis que diziam
que Moscou era a última Roma em pé, pois a primeira havia caído em
cisma e heresia, e segunda caído em Florença e depois nas mãos dos
turcos, viram um sinal apocalíptico nestas reformas. Algumas,
seguindo a interpretação dos padres da profecia em Apocalipse das
“estrelas caindo dos céus” como o fim do episcopado no final dos
tempos, e assim romperam não só com a Igreja oficial mas também
com o próprio sacerdócio.
Dentro da visão do Professor Alexander Dugin, faz
todo sentido ver nestes movimentos sectários elementos para a
restauração da mentalidade ortodoxa russa. Pois enquanto elementos
da Igreja Oficial passaram por diversos movimentos desde as reformas
nikonianas, estas seitas ficaram distante de qualquer contato com o
mundo exterior corrompido pelo Ocidente.
Além disso, em relação ao assunto da própria
gnose como via de realização, é preciso separar o verdadeiro
entendimento que os padres tinham da gnose (Clemente de Alexandria
fala com frequência de uma gnose cristã), com aquilo que alguns
apologetas cristãos imaginavam ser a teoria das seitas gnósticas.
Separar a gnose do gnosticismo não é suficiente neste caso, aqui
tratamos daquilo que os gnósticos ensinavam do que entendiam como
ser ensinamento destas seitas. O assunto é muito longo para ser
tratado aqui, mas a leitura em qualquer tratado das seitas gnósticas
é capaz de demonstrar que os gnósticos não estavam restritos
apenas à “contemplação de imagens poéticas inspiradas por
diversos temas da cosmogonia pagã”, conforme diz o autor .
Portanto, a defesa que o Professor Dugin faz de alguns movimentos
gnósticos nada mais é do que um resgate de diversos elementos do
próprio Cristianismo Ortodoxo que foram perdidos devido à
influências do Ocidente corrompido. No Ocidente, homens de profundo
entendimento espiritual como Marsílio de Pádua, Joaquim de Fiore,
Mestre Eckhart e Savonarola, todos devidamente combatidos pela
hierarquia católica, pois o resgate do verdadeiro esoterismo cristão
e da política sagrada é uma ameaça ao domínio meramente humano do
papado.
4. O Esoterismo Cristão e a Sabedoria Perene
A existência de um esoterismo cristão faz parte de
uma discussão ampla e merece ser tratada de forma exclusiva. Aqui,
vamos nos concentrar naquilo tratado por Zibinitsky: a existência de
uma tradição esotérica comum. É suficiente fazer menção ao
hesicasmo, à Filocália e aos anciões nus do Monte Athos, 12 monges
que vivem centenas de anos e são invisíveis e guardam uma capela
para a celebração da última Divina Liturgia antes do fim do mundo.
Muitos ortodoxos confundem esta idéia de esoterismo com o esoterismo
oriental ou com a Alquimia medieval, mas inegável que há, dentro da
Ortodoxia, segredos guardados a uma elite devidamente preparada para
essas revelações.
O Professor Dugin, ao traçar semelhanças entre as
diversas doutrinas iniciáticas com estes ensinamentos ortodoxos, não
pode ser chamado de heresia ou redução da Ortodoxia à mera face de
uma unidade iniciática manifestada de diversas formas. É antes
disso um estudo acadêmico e que, embora não muito apreciado por
alguns setores da Igreja Ortodoxa, por puro preconceito e isolamento
histórico, não atenta contra a Ortodoxia.
O autor ainda afirma que a tentativa do Professor
Dugin em “combinar” diversas tradições é algo que exige uma
atitude semelhante à de Descartes, pois consiste em colocar o “eu”
de todas as religiões sob diversos elementos abstratos para então
manipulá-los. Sem querer entrar na defesa da Sabedoria Perene de
Guénon ou da Unidade Metafísica das Religiões de Schuon, não é
este o método de qualquer escola tradicionalista. As pesquisas do
Professor Dugin, bem como de outros escritores tradicionalistas,
buscam demonstrar a existência de um esoterismo comum a todos as
tradições religiosas, e estas pesquisas usam símbolos, ritos e
explanações doutrinárias para demonstrar a existência deste
esoterismo comum, que não é um “eu” de todas as religiões, mas
o centro de todos os ensinamentos tradicionais. Obviamente, é
possível para qualquer ortodoxo levantar diversas críticas para
esta teoria, mas a justificava do autor foi ridícula e não
demonstra apenas má vontade em relação ao Professor Dugin, mas
também um profundo desconhecimento daquilo que pretende tratar.
O argumento de que a teoria de Dugin é inválida
pois o Iman Ali jamais concordaria com qualquer analogia entre o Islam
e o Hinduísmo também é um argumento primário, já explicado por
diversos autores tradicionalistas. Além do mais, caso a questão
seja abordada sob um ponto de vista exclusivamente acadêmico (que
não é o caso do Professor Dugin), o argumento vai para as cucuias
de vez, pois o estudo da Religião Comparada não precisa da licença
dos hierarcas para demonstrar suas conclusões.
Já o Professor Dugin, que segundo o autor busca
condensar Marx, Lao Tsé, o Protopresbítero Habacuque (mártir e
líder dos staroviery russos), alquimistas e xiitas, busca demonstrar
a existência não só de um esoterismo comum a todas s tradições,
mas também uma oposição comum entre todas elas à civilização
ocidental e moderna, o Reino da Quantidade, a civilização que
representa Kali Yuga, o “mosteiro traidor” da Profecia de Santo
Ambrósio de Optina, a Atenas moderna que chocou São Jerônimo de
Égina. Qualquer pessoa com o intelecto aberto para o conhecimento é
capaz de reconhecer o rompimento entre as civilizações que já
falamos no começo deste artigo.
Em seguida o autor começa a despejar incoerências
da exposição do Professor Dugin sobre os sacramentos ortodoxos, e
nisso vimos o de sempre: um total despreparo ao lidar sobre o assunto
e apelos a bonecos de palha como “blasfêmia’. O Professor Dugin,
ao traçar um paralelo entre o batismo e outros ritos não-ortodoxos,
não reduziu o sacramento ortodoxo a uma mera forma ritualística,
nem que o batismo confere os mesmos efeitos que os chamados rituais
pagãos – o autor do texto que faz essa conclusão, que não está
de acordo com a verdadeira exposição do Professor Dugin, que
consiste em demonstrar, através destas semelhanças, a existência
de uma origem comum para as tradições, o que não exclui as
diferenças exotéricas entre elas, inclusive dos efeitos destes
ritos dentro de cada tradição.
Conclusão
Para variar, vemos mais uma vez críticas ortodoxas
ao Professor Dugin sem fundamento algum. Já cansamos de ver críticas
ortodoxas ao tradicionalismo de Guénon repletas de erros
conceituais, bonecos de palha e diversas incoerências em sua
argumentação. Mas, desta vez, o que nos chama atenção é a
virulência do autor ao criticar o Professor Dugin como se o
nacional-bolchevismo e a figura do Professor Dugin fossem grandes
ameaças à Ortodoxia – o autor chega a falar até mesmo em
“veneno”. Curioso notar como não vemos o protesto destes autores
contra as verdadeiras ameaças à Ortodoxia, como a questão do novo
calendário, o ecumenismo, a posição de serviçal de Roma exercida
pelo Patriarcado de Constantinopla. Isso sim compromete a Ortodoxia –
demonstrar que a Ortodoxia faz parte de uma oposição à degeneração
moderna não compromete a Ortodoxia. Demonstrar que a Ortodoxia
possui em sua doutrina metafísica pontos em comum com o Taoísmo ou
com o Hinduísmo não é diminuí-la, diminuir a Ortodoxia é
comemorar o nome do falsário que ocupa a antiga sé ortodoxa de Roma
em plena catedral do Fanar.
Portanto, enquanto o Professor reafirma a Ortodoxia
e seus valores mais caros, muitos dos paladinos da Ortodoxia não
pensam duas vezes antes de beijar o anel papal ou a sentar em
assembléias de protestantes como o CMI. Estes sim blasfemam, pois
tratam como autoridades eclesiásticas verdadeiros usurpadores e
filhos de uma instituição atacou e ainda ataca a Ortodoxia com
diversos meios ardis, como o uniatismo melquita e ucraniano.
É preciso, portanto, tomar cuidado com aquele
exclusivismo que não é tão exclusivista assim. Ao criticar as
sérias pesquisas do Professor Dugin, e silenciar em relação aos
rufiões da Ortodoxia de hoje, prontos para vender cada pedaço da
Ortodoxia ao Ocidente e ao mundo moderno,
Notas
[1] O Padre Serafim Rose, convertido à Ortodoxia,
percebeu esta importante missão da Rússia no mundo e escreveu sobre
o assunto no ensaio “The Future of Russia and the End of the
World”.
[2] A Filocália, por exemplo, circulou secretamente
pelos mosteiros ortodoxos por vários séculos, e só foi publicada
para o mundo contra o desejo dos monges.
[3] “Graças à misericórdia divina, a ascensão
popular contra a antiga e ultrapassada ordem no Estado, que levou a
Rússia à beira da destruição nestes duros anos de guerra, foi
substituída sem deixar mais vítimas, e agora a Rússia passou para
uma nova ordem estatal, graças à decisão da Duma, que formou este
Governo Provisório, e aos representantes dos trabalhadores
soviéticos. A revolução russa tornou-se uma das revoluções mais
breves e pacíficas que a história já conheceu”. Estas palavras
foram ditas pelo Arcebispo Serafim (Chichagov) de Tver, tido como um
dos líderes da ala conservadora da Igreja. Em Tverskyje
Eparkialniie Vedomosty, 1917, № 9-10, pgs 75-76. Até o
conservador Santo Mártir André, bispo de Ufa, que mais tarde buscou
a união do Patriarcado de Moscou com a Belaja Krinitsa, saudou a
queda do poder ortodoxo: “A autocracia dos czares russos caiu no
absolutismo, depois em nepotismo e excedeu todas as razões. E que
espanto! Este poder entrou em colapso – o poder que deu as costas à
Igreja. O desejo de Deus foi cumprido. A Igreja Católica de Cristo
foi libertada da opressão do Estado”. Em Ufmskiye Vedomosty,
1917, № 5-6, pgs. 138-139
[4] em Besedi so svoiym sobstvennim serdytsem,
Jordanville, 1948, pg. 123
[5] cf. Oséias 10,3; Deuteronômio 17,18
[6] Em obras como Russia Before the Second
Coming, de Sergeiv Posad, e The Religious-Philosophical
Foundations of History, de Lev Tikhomirov, oferecem ao leitor
explicações sobre a visão ortodoxa da história. Para compreender
as igrejas da Ásia do livro do Apocalipse como manifestações na
história, consultar The Apocalypse in the Teachings of Ancient
Christianity, Arc. Averky, Platina, Ca.: St. Herman of Alaska
Brotherhood, 1995.
1 comentário:
Não há ortodoxia fora do sobrenatural, pois o Princípio por definição encontra-se acima do manifestado. Etimologicamente , "Princípio é o que está antes do começo ", mas não é o começo .
As questões logicas fundamentais são incompreendidas por autores como Julius Evola, taurino de cabo a rabo.
As grandes "linhas de força" no Ocidente contemporâneo são capitaneadas pela reintrodução do conceito tradicional e metafísico por René Guénon e sua posição está muito bem comentada nos vários artigos postados no site www.reneguenon.net. Luiz Pontual
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