Alphonse van Worden - 1750 AD
As tentativas tradicionais de solução do problema clássico da indução centravam-se na tentativa de justificar a relação de confirmação existente entre as premissas de uma indução e a sua conclusão. Todavia, há uma questão preliminar que não foi investigada nas supracitadas tentativas, a saber: que espécie de ‘mecanismo’, no entanto, seria capaz de justificar a validade intrínseca de uma relação de confirmação? A partir da perspectiva descortinada por essa importante questão, o filósofo e lógico norte-americano Nelson Goodman (1906-1998), em livros como Fact, Fiction and Forecast (1955), introduz uma nova formulação do problema da indução. Consideremos agora a seguinte indução:
(1) Todas as esmeraldas observadas até hoje eram verdes; logo, todas as esmeraldas são verdes.
Esta indução parece-nos perfeitamente razoável. O problema clássico da indução consiste, como já nos foi possível observar, em determinar qual é o mecanismo de confirmação existente entre a premissa e a conclusão. O que se pretende, pois, é explicar como as instâncias positivas de uma generalização podem confirmar a generalização em questão. Observemos agora uma segunda indução:
(2) Todas as esmeraldas observadas até hoje eram verduis; logo, todas as esmeraldas são verduis.
Goodman define o predicado 'verdul' da seguinte maneira: "Um objeto é verdul se, e somente se, tiver sido descoberto até hoje e for verde, ou for descoberto no futuro e for azul." Dada esta definição de verdul, verificamos que se todas as esmeraldas forem verduis, as esmeraldas que descobrirmos amanhã serão azuis; do mesmo modo, podemos constatar que todas as esmeraldas observadas até hoje são, de fato, verduis, uma vez que todas as esmeraldas observadas até hoje são verdes. Contudo, se todas as esmeraldas que examinarmos forem efetivamente verdes, e não verduis, as esmeraldas que porventura encontrarmos amanhã serão verdes. Assim sendo, a conclusão a que chegamos é paradoxal: as premissas de ambas as induções são verdadeiras; a forma lógica das inferências é a mesma; e, no entanto, suas conclusões são inconsistentes - não podem ser ambas verdadeiras.
Nesse momento, estamos no cerne do novo enigma da indução proposto por Goodman. Em primeiro lugar, é preciso compreender o modo como o predicado verdul está definido. Um objeto verdul não é, deve-se salientar, um objeto que é hoje verde e que amanhã se torna azul. Um objeto que seja verdul, e que tenha sido observado pela primeira vez até o dia de hoje, é verde; mas se esse objeto for verde e só for observado pela primeira vez amanhã, não será verdul. Para que um objeto que seja observado pela primeira vez amanhã seja verdul, terá de ser azul. Poderíamos então especular: nossa conclusão paradoxal resulta do fato de termos usado um predicado tão insólito? A resposta para tal questão é sim e não: é óbvio que a conclusão paradoxal resulta do predicado verdul; mas em que medida, precisamente?
Não seria descabido afirmar, num primeiro momento, que o predicado verdul é logicamente complexo, ao passo que o predicado verde é logicamente simples, gerando dessa maneira o paradoxo em pauta. O que nos autoriza, contudo, a garantir que tal afirmação seja necessariamente verdadeira? Esta questão envolve, a nosso juízo, aspecto mais sutil do exemplo concebido por Goodman, razão pela qual iremos nela nos deter com mais vagar.
Imaginemos um predicado análogo ao predicado proposto por Nelson Goodman, o qual iremos denominar como 'azerde', e que será assim definido: "um objeto é azerde se, e somente se, tiver sido descoberto até hoje e for azul, ou for descoberto no futuro e for verde."; a partir da estrutura de formulação dos predicados verdul e azerde, consideremos agora a seguinte definição do predicado verde: "um objeto é verde se, e somente se, tiver sido descoberto até hoje e for verdul, ou for descoberto no futuro e for azerde."
Do esquema que acima apresentamos é possível extrair uma constatação precípua: podemos usar os predicados verde e azul, em conjunto com um parâmetro temporal, para definir verdul; azul, verde e um parâmetro temporal para definir azerde; e, finalmente, verdul, azerde e um parâmetro temporal para definir verde. Nesta perspectiva, pois, os predicados em questão são interdefiníveis. A interdefinibilidade é uma propriedade habitual, por exemplo, nos elementos da lógica simbólica. Desse modo, os quantificadores universal e existencial são interdefiníveis, assim como os operadores modais de necessidade e de possibilidade. Dado o modo, portanto, como os quantificadores podem ser definidos nos termos uns dos outros e de sua negação, não poderíamos afirmar que o quantificador universal é simples e o existencial não; nem vice-versa. O mesmo ocorre com os operadores modais, e ainda com os predicados do exemplo de Goodman. O fato de verdul ser definido em termos de verde, azul, negação e parâmetro temporal nos parece ser o motivo pelo qual obtivemos um paradoxo; no entanto, também podemos definir verde em termos de azerde, verdul, negação e parâmetro temporal. Verde e verdul são ambos, pois, definidos em termos que envolvem parâmetros temporais e outras cores; no caso do predicado verde, o resultado da indução é razoável. Logo, o parâmetro temporal e a complexidade da definição de verdul não podem ser apontados como causas do resultado indesejável na nossa indução.
O que, pois, Nelson Goodman pretende nos demonstrar? Que o problema da indução talvez seja mais complexo do que poderíamos imaginar, apresentando elementos não previstos na formulação original de David Hume. Ainda que lográssemos explicar a relação de confirmação existente entre as premissas das induções e suas conclusões, não conseguiríamos solucionar o problema da indução. Será preciso explicar, nos diz Goodman, por que razão alguns predicados servem para fazer induções, e outros não; e tampouco, deve-se salientar, a explicação pode ser lógica, pois os predicados verdul e verde são logicamente interdefiníveis. A Teoria da Probabilidade certamente pode nos esclarecer como se processa a relação de confirmação entre as premissas e as conclusões de uma indução; todavia, sendo verdadeiras as premissas de ambas as inferências (a verde e a verdul), e uma vez que não há diferença lógica entre os predicados, nenhuma explicação em termos de teoria da confirmação será capaz de indicar uma das inferências como má e a outra como boa.
De que modo, por conseguinte, podemos então explicar a diferença entre as duas inferências? Só o conseguiremos, segundo Goodman, recorrendo ao conteúdo dos predicados, à sua semântica: o predicado verdul que não é projetável, e por esse motivo não podemos fazer inferências corretas a partir dele. Para ser projetável, um predicado precisa ter certas características, e um aspecto relevante do trabalho de Goodman consiste exatamente na tentativa de elaborar uma tipologia convincente dessas características. O filósofo norte-americano lançou mão de uma hipótese extrema em suas investigações, mas é possível, vale dizer, apresentar o novo enigma da indução através de exemplos mais banais. Observamos, a título de ilustração, as seguintes inferências:
(3) Todos os peixes observados até hoje eram animais aquáticos; logo, todos os peixes são animais aquáticos.
(4) Todos os peixes observados até hoje nasceram antes de 12 janeiro de 2012; logo, todos os peixes nascem antes 12 de janeiro de 2012.
Também neste caso é forçoso constatar que, apesar de a estrutura lógica das inferências ser a mesma, o predicado usado na segunda não é projetável. A tese de Goodman por vezes pode nos parecer extravagante, talvez pelo fato de sermos capazes, em muitas ocasiões, de fazer induções corretas, escolhendo inconscientemente os predicados adequados. Todavia, ao investigarmos com mais atenção as idéias do filósofo norte-americano, fatalmente perceberemos a miríade de alternativas que, sem disso nos darmos conta, descartamos como improcedentes. Usando um exemplo análogo ao de Goodman: todas as palavras que escrevi até agora foram escritas antes deste exato momento; no entanto, seria improcedente concluir que todas as palavras por mim escritas serão escritas antes deste exato momento.
David Hume tentou explicar, portanto, como as regularidades do passado poderiam justificar nossas expectativas e previsões relativas ao futuro; mas não atentou para o fato de que nem todas as regularidades são capazes de sustentar boas previsões. E esta é, numa palavra, a diferença entre o antigo e o novo enigma da indução.
As tentativas tradicionais de solução do problema clássico da indução centravam-se na tentativa de justificar a relação de confirmação existente entre as premissas de uma indução e a sua conclusão. Todavia, há uma questão preliminar que não foi investigada nas supracitadas tentativas, a saber: que espécie de ‘mecanismo’, no entanto, seria capaz de justificar a validade intrínseca de uma relação de confirmação? A partir da perspectiva descortinada por essa importante questão, o filósofo e lógico norte-americano Nelson Goodman (1906-1998), em livros como Fact, Fiction and Forecast (1955), introduz uma nova formulação do problema da indução. Consideremos agora a seguinte indução:
(1) Todas as esmeraldas observadas até hoje eram verdes; logo, todas as esmeraldas são verdes.
Esta indução parece-nos perfeitamente razoável. O problema clássico da indução consiste, como já nos foi possível observar, em determinar qual é o mecanismo de confirmação existente entre a premissa e a conclusão. O que se pretende, pois, é explicar como as instâncias positivas de uma generalização podem confirmar a generalização em questão. Observemos agora uma segunda indução:
(2) Todas as esmeraldas observadas até hoje eram verduis; logo, todas as esmeraldas são verduis.
Goodman define o predicado 'verdul' da seguinte maneira: "Um objeto é verdul se, e somente se, tiver sido descoberto até hoje e for verde, ou for descoberto no futuro e for azul." Dada esta definição de verdul, verificamos que se todas as esmeraldas forem verduis, as esmeraldas que descobrirmos amanhã serão azuis; do mesmo modo, podemos constatar que todas as esmeraldas observadas até hoje são, de fato, verduis, uma vez que todas as esmeraldas observadas até hoje são verdes. Contudo, se todas as esmeraldas que examinarmos forem efetivamente verdes, e não verduis, as esmeraldas que porventura encontrarmos amanhã serão verdes. Assim sendo, a conclusão a que chegamos é paradoxal: as premissas de ambas as induções são verdadeiras; a forma lógica das inferências é a mesma; e, no entanto, suas conclusões são inconsistentes - não podem ser ambas verdadeiras.
Nesse momento, estamos no cerne do novo enigma da indução proposto por Goodman. Em primeiro lugar, é preciso compreender o modo como o predicado verdul está definido. Um objeto verdul não é, deve-se salientar, um objeto que é hoje verde e que amanhã se torna azul. Um objeto que seja verdul, e que tenha sido observado pela primeira vez até o dia de hoje, é verde; mas se esse objeto for verde e só for observado pela primeira vez amanhã, não será verdul. Para que um objeto que seja observado pela primeira vez amanhã seja verdul, terá de ser azul. Poderíamos então especular: nossa conclusão paradoxal resulta do fato de termos usado um predicado tão insólito? A resposta para tal questão é sim e não: é óbvio que a conclusão paradoxal resulta do predicado verdul; mas em que medida, precisamente?
Não seria descabido afirmar, num primeiro momento, que o predicado verdul é logicamente complexo, ao passo que o predicado verde é logicamente simples, gerando dessa maneira o paradoxo em pauta. O que nos autoriza, contudo, a garantir que tal afirmação seja necessariamente verdadeira? Esta questão envolve, a nosso juízo, aspecto mais sutil do exemplo concebido por Goodman, razão pela qual iremos nela nos deter com mais vagar.
Imaginemos um predicado análogo ao predicado proposto por Nelson Goodman, o qual iremos denominar como 'azerde', e que será assim definido: "um objeto é azerde se, e somente se, tiver sido descoberto até hoje e for azul, ou for descoberto no futuro e for verde."; a partir da estrutura de formulação dos predicados verdul e azerde, consideremos agora a seguinte definição do predicado verde: "um objeto é verde se, e somente se, tiver sido descoberto até hoje e for verdul, ou for descoberto no futuro e for azerde."
Do esquema que acima apresentamos é possível extrair uma constatação precípua: podemos usar os predicados verde e azul, em conjunto com um parâmetro temporal, para definir verdul; azul, verde e um parâmetro temporal para definir azerde; e, finalmente, verdul, azerde e um parâmetro temporal para definir verde. Nesta perspectiva, pois, os predicados em questão são interdefiníveis. A interdefinibilidade é uma propriedade habitual, por exemplo, nos elementos da lógica simbólica. Desse modo, os quantificadores universal e existencial são interdefiníveis, assim como os operadores modais de necessidade e de possibilidade. Dado o modo, portanto, como os quantificadores podem ser definidos nos termos uns dos outros e de sua negação, não poderíamos afirmar que o quantificador universal é simples e o existencial não; nem vice-versa. O mesmo ocorre com os operadores modais, e ainda com os predicados do exemplo de Goodman. O fato de verdul ser definido em termos de verde, azul, negação e parâmetro temporal nos parece ser o motivo pelo qual obtivemos um paradoxo; no entanto, também podemos definir verde em termos de azerde, verdul, negação e parâmetro temporal. Verde e verdul são ambos, pois, definidos em termos que envolvem parâmetros temporais e outras cores; no caso do predicado verde, o resultado da indução é razoável. Logo, o parâmetro temporal e a complexidade da definição de verdul não podem ser apontados como causas do resultado indesejável na nossa indução.
O que, pois, Nelson Goodman pretende nos demonstrar? Que o problema da indução talvez seja mais complexo do que poderíamos imaginar, apresentando elementos não previstos na formulação original de David Hume. Ainda que lográssemos explicar a relação de confirmação existente entre as premissas das induções e suas conclusões, não conseguiríamos solucionar o problema da indução. Será preciso explicar, nos diz Goodman, por que razão alguns predicados servem para fazer induções, e outros não; e tampouco, deve-se salientar, a explicação pode ser lógica, pois os predicados verdul e verde são logicamente interdefiníveis. A Teoria da Probabilidade certamente pode nos esclarecer como se processa a relação de confirmação entre as premissas e as conclusões de uma indução; todavia, sendo verdadeiras as premissas de ambas as inferências (a verde e a verdul), e uma vez que não há diferença lógica entre os predicados, nenhuma explicação em termos de teoria da confirmação será capaz de indicar uma das inferências como má e a outra como boa.
De que modo, por conseguinte, podemos então explicar a diferença entre as duas inferências? Só o conseguiremos, segundo Goodman, recorrendo ao conteúdo dos predicados, à sua semântica: o predicado verdul que não é projetável, e por esse motivo não podemos fazer inferências corretas a partir dele. Para ser projetável, um predicado precisa ter certas características, e um aspecto relevante do trabalho de Goodman consiste exatamente na tentativa de elaborar uma tipologia convincente dessas características. O filósofo norte-americano lançou mão de uma hipótese extrema em suas investigações, mas é possível, vale dizer, apresentar o novo enigma da indução através de exemplos mais banais. Observamos, a título de ilustração, as seguintes inferências:
(3) Todos os peixes observados até hoje eram animais aquáticos; logo, todos os peixes são animais aquáticos.
(4) Todos os peixes observados até hoje nasceram antes de 12 janeiro de 2012; logo, todos os peixes nascem antes 12 de janeiro de 2012.
Também neste caso é forçoso constatar que, apesar de a estrutura lógica das inferências ser a mesma, o predicado usado na segunda não é projetável. A tese de Goodman por vezes pode nos parecer extravagante, talvez pelo fato de sermos capazes, em muitas ocasiões, de fazer induções corretas, escolhendo inconscientemente os predicados adequados. Todavia, ao investigarmos com mais atenção as idéias do filósofo norte-americano, fatalmente perceberemos a miríade de alternativas que, sem disso nos darmos conta, descartamos como improcedentes. Usando um exemplo análogo ao de Goodman: todas as palavras que escrevi até agora foram escritas antes deste exato momento; no entanto, seria improcedente concluir que todas as palavras por mim escritas serão escritas antes deste exato momento.
David Hume tentou explicar, portanto, como as regularidades do passado poderiam justificar nossas expectativas e previsões relativas ao futuro; mas não atentou para o fato de que nem todas as regularidades são capazes de sustentar boas previsões. E esta é, numa palavra, a diferença entre o antigo e o novo enigma da indução.
1 comentário:
Sem o reconhecimento de que as coisas têm causas finais e formais (por exemplo, que ser verde é parte da forma ou essência das esmeraldas e que processos causais como aqueles que produzem esmeraldas estão subordinados a uma amplitude definida de resultados) ela não pode ser resolvida.
Nominalismo do século XX!
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