Alphonse van Worden - 1750 AD
Reparem os senhores que, no tocante à problemática abordada no encerramento da VI parte de nosso ensaio, o marxista ortodoxo nada pode fazer senão perseverar num círculo vicioso. Consoante são obrigados a admitir, sob pena de recair em total insensatez, o fenômeno social que denominamos como 'revolução' inexoravelmente pode ou não ocorrer; tampouco há, é mister também reconhecer, qualquer instrumental científico disponível capaz de determinar com exatidão seu comportamento, carência que se deve a uma razão muito simples: é impossível prever com rigor científico qual será o procedimento de um fenômeno social no futuro, uma vez que tais eventos estão sujeitos ao caudal fortuito, contingente, e adventício da ação humana.
Destarte, não seria descabido afirmar que o marxismo pretende responder de forma não somente satisfatória, mas definitiva, a indagações tão metafisicamente vagas, inefáveis e rarefeitas como as abordadas ao longo deste escrito; ora, seria necessário então informar aos marxistas que apenas o pensamento religioso é passível de formular respostas cabais (escusado dizer que inverificáveis) para tais questões.
O conhecimento científico, por seu turno, sem dúvida está apto para identificar a causa e a origem de um vasto número de fenômenos, mas não é capaz de determinar com precisão ocorrências e desdobramentos futuros, uma vez que generalizações a partir de inferências indutivas não possuem consistência lógico-demonstrativa absoluta - o célebre e complexo 'problema da indução'. Vejamos aqui um exemplo clássico de tal problema, apresentado pelo filósofo escocês David Hume:
O Sol nasceu todos os dias no passado
O Sol continua nascendo no presente
Se o Sol nasceu todos os dias no passado e continua nascendo hoje,
Logo, nascerá também amanhã
É do conhecimento de todos que o Sol nasce todos os dias desde o princípio da História, mas isto não nos fornece nenhuma prova cabal de que irá ou não nascer amanhã. É possível, por exemplo, imaginarmos o advento de uma divindade que impeça o nascimento do Sol amanhã. Hume argumenta que não embora não tenhamos qualquer evidência que indique o aparecimento de semelhante divindade, tampouco possuímos uma evidência contrária. Assim sendo, não podemos afirmar com certeza se o Sol nascerá ou não amanhã. Uma vez que inferências indutivas não podem ser assentadas sobre critérios de verdade como os que asseguram a validade das inferências dedutivas, o que fazer? Talvez pudéssemos concluir, num primeiro momento, que a indução deve ser abandonada enquanto processo de raciocínio legítimo, e que devemos nos limitar aos procedimentos dedutivos. Todavia, considerando-se que o raciocínio dedutivo não nos permite fazer previsões sobre ocorrências futuras, na medida em que suas assertivas derivam de generalizações já estabelecidas, como seria possível o conhecimento científico, que se constitui precisamente através de hipóteses formuladas a partir de observações empíricas no passado e no presente? Sem o recurso aos processos indutivos de raciocínio, a constituição do conhecimento científico se tornaria, como podemos constatar, uma tarefa impossível.
É patente, pois, a conclusão de que o Homem não pode abdicar do uso de métodos indutivos em seu processo cognitivo. Entretanto, de que modo podemos fundamentar, justificar as crenças obtidas por intermédio da indução, uma vez que se baseiam em hipóteses sobre eventos ainda não verificados? Diversas respostas para tal dilema foram postuladas ao longo do tempo, algumas sobremaneira engenhosas, nenhuma delas definitiva, dentre as quais podemos destacar as seguintes: a solução em termos de probabilidade estatística da indução, proposta pelo britânico Bertrand Russell; a probabilidade da inferência indutiva em termos de credibilidade racional, lavrada pelo alemão Carl Gustav Hempel; a justificação pragmática do indutivismo científico, a cargo do também alemão Hans Reichenbach; a pertinência dos processos indutivos de raciocínio em termos de predicados projetáveis ou não projetáveis, avançada pelo norte-americano Nelson Goodman.
Pois bem, meus caríssimos confrades: como exigir do pensamento social respostas para as questões esboçadas por gerações de autores marxistas, se nem mesmo a racionalidade científica, sobremaneira mais rigorosa e exata, pode solucioná-las por completo? Concluo asseverando que o pensamento social não pode e muito menos precisa respondê-las; deixemo-lo, pois, desempenhar a contento sua importante e cardinal tarefa: formular estratégias pragmáticas, necessária e inevitavelmente transitórias, para a satisfação, também provisória, de demanda sociais igualmente transitivas e cambiantes. Insomma: cabe somente a nós, por conseguinte, escolher a melhor trilha a seguir: podemos (conforme o próprio Marx nos ensinou, diga-se de passagem) optar pelo caminho da transformação política da realidade social, ou então, emaranhando-nos em intermináveis e estéreis circunlóquios conceituais a propósito de teorizações pseudocientíficos, marcar passo e nem sequer chegar à linha de partida.
Por fim, gostaria de fazer uma breve consideração a propósito dos extremos de insanidade a que o marxismo pode chegar. Como todos sabemos, critérios epistemológicos e parâmetros de racionalidade científica não são burgueses, proletários, aristocráticos ou camponeses, mas sim categorias UNIVERSAIS, válidos por definição ou comprovação empírica. Muito bem: durante o período mais 'ortodoxo' do regime stalinista, falava-se na URSS, com toda a seriedade, na necessidade de se criar uma 'ciência proletária', em contraposição à 'ciência burguesa'. Não é necessário, creio, tecer maiores comentários: qualquer um que tenha ao menos uma vaga nação das hediondas teratologias conceituais a que chegaram os delírios pseudocientíficos de um Ivan Vladimirovich Michurin, de um Trofim Denisovich Lysenko ou de um Abram Moiseyevich Deborin, sabe qual é o real significado d'uma 'ciência proletária'...
Reparem os senhores que, no tocante à problemática abordada no encerramento da VI parte de nosso ensaio, o marxista ortodoxo nada pode fazer senão perseverar num círculo vicioso. Consoante são obrigados a admitir, sob pena de recair em total insensatez, o fenômeno social que denominamos como 'revolução' inexoravelmente pode ou não ocorrer; tampouco há, é mister também reconhecer, qualquer instrumental científico disponível capaz de determinar com exatidão seu comportamento, carência que se deve a uma razão muito simples: é impossível prever com rigor científico qual será o procedimento de um fenômeno social no futuro, uma vez que tais eventos estão sujeitos ao caudal fortuito, contingente, e adventício da ação humana.
Destarte, não seria descabido afirmar que o marxismo pretende responder de forma não somente satisfatória, mas definitiva, a indagações tão metafisicamente vagas, inefáveis e rarefeitas como as abordadas ao longo deste escrito; ora, seria necessário então informar aos marxistas que apenas o pensamento religioso é passível de formular respostas cabais (escusado dizer que inverificáveis) para tais questões.
O conhecimento científico, por seu turno, sem dúvida está apto para identificar a causa e a origem de um vasto número de fenômenos, mas não é capaz de determinar com precisão ocorrências e desdobramentos futuros, uma vez que generalizações a partir de inferências indutivas não possuem consistência lógico-demonstrativa absoluta - o célebre e complexo 'problema da indução'. Vejamos aqui um exemplo clássico de tal problema, apresentado pelo filósofo escocês David Hume:
O Sol nasceu todos os dias no passado
O Sol continua nascendo no presente
Se o Sol nasceu todos os dias no passado e continua nascendo hoje,
Logo, nascerá também amanhã
É do conhecimento de todos que o Sol nasce todos os dias desde o princípio da História, mas isto não nos fornece nenhuma prova cabal de que irá ou não nascer amanhã. É possível, por exemplo, imaginarmos o advento de uma divindade que impeça o nascimento do Sol amanhã. Hume argumenta que não embora não tenhamos qualquer evidência que indique o aparecimento de semelhante divindade, tampouco possuímos uma evidência contrária. Assim sendo, não podemos afirmar com certeza se o Sol nascerá ou não amanhã. Uma vez que inferências indutivas não podem ser assentadas sobre critérios de verdade como os que asseguram a validade das inferências dedutivas, o que fazer? Talvez pudéssemos concluir, num primeiro momento, que a indução deve ser abandonada enquanto processo de raciocínio legítimo, e que devemos nos limitar aos procedimentos dedutivos. Todavia, considerando-se que o raciocínio dedutivo não nos permite fazer previsões sobre ocorrências futuras, na medida em que suas assertivas derivam de generalizações já estabelecidas, como seria possível o conhecimento científico, que se constitui precisamente através de hipóteses formuladas a partir de observações empíricas no passado e no presente? Sem o recurso aos processos indutivos de raciocínio, a constituição do conhecimento científico se tornaria, como podemos constatar, uma tarefa impossível.
É patente, pois, a conclusão de que o Homem não pode abdicar do uso de métodos indutivos em seu processo cognitivo. Entretanto, de que modo podemos fundamentar, justificar as crenças obtidas por intermédio da indução, uma vez que se baseiam em hipóteses sobre eventos ainda não verificados? Diversas respostas para tal dilema foram postuladas ao longo do tempo, algumas sobremaneira engenhosas, nenhuma delas definitiva, dentre as quais podemos destacar as seguintes: a solução em termos de probabilidade estatística da indução, proposta pelo britânico Bertrand Russell; a probabilidade da inferência indutiva em termos de credibilidade racional, lavrada pelo alemão Carl Gustav Hempel; a justificação pragmática do indutivismo científico, a cargo do também alemão Hans Reichenbach; a pertinência dos processos indutivos de raciocínio em termos de predicados projetáveis ou não projetáveis, avançada pelo norte-americano Nelson Goodman.
Pois bem, meus caríssimos confrades: como exigir do pensamento social respostas para as questões esboçadas por gerações de autores marxistas, se nem mesmo a racionalidade científica, sobremaneira mais rigorosa e exata, pode solucioná-las por completo? Concluo asseverando que o pensamento social não pode e muito menos precisa respondê-las; deixemo-lo, pois, desempenhar a contento sua importante e cardinal tarefa: formular estratégias pragmáticas, necessária e inevitavelmente transitórias, para a satisfação, também provisória, de demanda sociais igualmente transitivas e cambiantes. Insomma: cabe somente a nós, por conseguinte, escolher a melhor trilha a seguir: podemos (conforme o próprio Marx nos ensinou, diga-se de passagem) optar pelo caminho da transformação política da realidade social, ou então, emaranhando-nos em intermináveis e estéreis circunlóquios conceituais a propósito de teorizações pseudocientíficos, marcar passo e nem sequer chegar à linha de partida.
Por fim, gostaria de fazer uma breve consideração a propósito dos extremos de insanidade a que o marxismo pode chegar. Como todos sabemos, critérios epistemológicos e parâmetros de racionalidade científica não são burgueses, proletários, aristocráticos ou camponeses, mas sim categorias UNIVERSAIS, válidos por definição ou comprovação empírica. Muito bem: durante o período mais 'ortodoxo' do regime stalinista, falava-se na URSS, com toda a seriedade, na necessidade de se criar uma 'ciência proletária', em contraposição à 'ciência burguesa'. Não é necessário, creio, tecer maiores comentários: qualquer um que tenha ao menos uma vaga nação das hediondas teratologias conceituais a que chegaram os delírios pseudocientíficos de um Ivan Vladimirovich Michurin, de um Trofim Denisovich Lysenko ou de um Abram Moiseyevich Deborin, sabe qual é o real significado d'uma 'ciência proletária'...
Sem comentários:
Enviar um comentário