Alphonse van Worden - 1750 AD
Conforme estabelece a lógica clássica, a partir de premissas verdadeiras, em uma dedução válida, a conclusão é sempre verdadeira; ou, em outras palavras: uma inferência dedutiva é correta se e somente se não é possível que de premissas verdadeiras se siga uma conclusão falsa.
O mesmo não pode ser afirmado, entretanto, acerca de uma inferência indutiva: de premissas verdadeiras podem-se extrair conclusões falsas. Todavia, ao constatarmos, como anteriormente o fizemos, que o raciocínio dedutivo efetivamente não nos faculta a possibilidade de formular previsões sobre ocorrências futuras, na medida em que seus enunciados necessariamente derivam de generalizações já estabelecidas, de que maneira seria possível o conhecimento científico, que se estrutura precisamente mediante hipóteses elaboradas a partir de observações empíricas no passado e no presente?
No âmbito de uma inferência indutiva, não é condição imperativa que a conclusão obtida seja universal, mas é fundamental que possa chegar a ser universalizável: isto é, ainda que de uma indução não seja possível a obtenção de uma conclusão absolutamente verdadeira, é possível a obtenção de enunciados com menor ou maior de probabilidade.
Examinemos, pois, a esse respeito, as concepções e propostas elaboradas por Bertrand Russell (1872-1970. O matemático, lógico e filósofo inglês aborda, no capítulo VI de seu The Problems of Philosophy (1912), o problema da justificação das inferências indutivas. Nas palavras do autor:
"É preciso que nos seja demonstrado que a existência de alguma coisa, como A, é sinal da existência de alguma coisa como B, não importa se ao mesmo tempo do que A, ou algum tempo antes ou depois como, por exemplo, o trovão é um sinal da existência anterior de um relâmpago. Se isto não fosse por nós conhecido, jamais poderíamos ampliar nosso conhecimento para além da esfera de nossa experiência pessoal."
Russell está preocupado em examinar, do mesmo modo que Hume, se a repetição de um fenômeno, num dado número de experiências no passado, constitui ou não uma garantia de sua ulterior ocorrência no futuro. Esta investigação preliminar o conduz a formular duas outras questões: (a) as experiências passadas são a fonte de nossas expectativas futuras? (b) Como justificar tais expectativas? Vejamos como o filósofo apresenta a questão:
"A constatação de um determinado número de ocorrências de uma lei sendo satisfeita no passado fornece evidência de que a mesma leia continuará a ser satisfeita no futuro? Se não, torna-se evidente que não temos nenhum fundamento para esperar que o sol nasça amanhã, ou para esperar que o pão que comeremos em nossa próxima refeição não nos envenenará, em suma, para esperar a repetição de qualquer uma das expectativas diárias das quais somos apenas ligeiramente conscientes. Devemos observar que tais expectativas são apenas prováveis; portanto não devemos buscar uma prova de que devem ser satisfeitas, mas apenas por algum argumento a favor da concepção de que provavelmente serão cumpridas."
O pensador inglês sustenta que à medida que os mesmos eventos se repetem, sua ocorrência no futuro tornar-se-á mais provável. Assim sendo, sua argumentação inclina-se a substituir a justificação da indução pela justificação da probabilidade da indução, a mesma postura conceitual que orientará, vale dizer, autores do Círculo de Viena como Hans Reichenbach e Carl Gustav Hempel.
Nossa experiência com a natureza tem demonstrado até agora, nos diz Russell (aqui em estrita consonância com Hume), que a freqüente repetição de uma sucessão ou coexistência de eventos tem sido a causa de esperarmos que a mesma a sucessão ou coexistência de eventos continue a ocorrer no futuro:
"E esse tipo de associação não está restrito aos homens; nos animais também é muito forte. Um cavalo que tenha sido sempre conduzido ao longo de uma certa estrada, resiste à tentativa de levá-lo numa direção diferente. Animais domésticos esperam comida ao ver a pessoa que habitualmente os alimenta. Sabemos que todas essas experiências primárias de uniformidade são capazes de nos enganar. O homem que alimentou a galinha durante todos os dias da vida dela, no final, em vez disso, torce o seu pescoço, mostrando que uma visão mais refinada da uniformidade da natureza teria sido útil para a galinha. Mas apesar dessas expectativas nos iludirem, elas no entanto existem. O simples fato de que alguma coisa aconteceu certo número de vezes causa nos animais e nos homens a expectativa de que acontecerá novamente. Portanto, nossos instintos certamente nos levarão a crer que o sol nascerá amanhã, mas podemos estar numa posição não muito melhor do que a da galinha, que inesperadamente tem seu pescoço torcido. Temos portanto que diferenciar o fato da uniformidade passada provocar expectativas quanto ao futuro, da incerteza se há alguma base razoável que dê peso a tais expectativas, depois que a questão de sua legitimidade foi levantada."
Russell prossegue na mesma perspectiva delineada por Hume e questiona: há alguma razão para acreditarmos no que pode ser denominado como uniformidade da natureza, isto é, para crermos que tudo o que ocorreu ou ocorrerá é instância de uma Lei geral para a qual não existem exceções? Para Hume somos conduzidos a tal concepção por influência de um determinado hábito mental, que converte nossa observação, no passado e no presente, de conjunções constantes entre fenômenos naturais, na crença da existência de uma conexão necessária, de uma regularidade que rege a dinâmica da Natureza. A inferência da conjunção limitada que observamos para a conjunção universal envolvida em nossa crença causal assume, pois, que o inobservado assemelhar-se-á continuamente ao já observado ou, em termos mais amplos, que a natureza é uniforme e, por conseguinte, constituída por regularidades fenomênicas. Essa suposição, todavia, argumenta o filósofo escocês, assim como o princípio geral de causalidade, não é auto-evidente, nem demonstrável. O inobservado é, desde sempre, potencialmente distinto do observado: ele pode assumir qualquer forma que seja, bem como, eventualmente, continuar compatível com o já observado; tampouco podemos estabelecê-la indutivamente a partir de que até agora, pelo menos, o fenômeno que estivermos a examinar continua reproduzindo os efeitos observados em experiências anteriores. Proceder deste modo seria, vale dizer, argumentar em círculo, assumir a validade da suposição como instância autocomprovável.
Russell admite que muitas de nossas expectativas, tais como as que exemplificou nas passagens supracitadas, estão sujeitas a exceções e, dessa forma, são passíveis de frustrar as expectativas daqueles que as acalentam; contudo, também procura nos chamar atenção para uma outra forma possível de uniformidade:
"A ciência habitualmente assume, ao menos como hipótese de trabalho, que regras gerais que possuem exceções podem ser substituídas por regras gerais sem exceções. ‘Corpos sem sustentação no ar caem’ é uma regra geral para a qual balões e aeroplanos são exceções. Mas as leis do movimento e a lei da gravidade, que respondem pelo fato de que a maioria dos corpos caem, também são responsáveis pelo fato de balões e aeroplanos alçarem vôo; portanto as leis do movimento e a lei da gravidade não estão sujeitas a essas exceções. A crença de que o sol nascerá amanhã pode ser adulterada se a terra entrar subitamente
em contato com um grande corpo que destruiu sua rotação; mas as leis do movimento e a lei da gravidade não teriam sido infringidas por tal acontecimento. O objetivo da ciência é encontrar uniformidade, tais como as leis do movimento e a lei da gravidade, para as quais, ao menos até onde vai a nossa experiência, não há exceções. Nessa busca a ciência tem tido muito sucesso, e podemos admitir que tal uniformidade até aqui têm sido mantida. Isso nos leva de volta à pergunta: teremos algum motivo, assumindo que isso sempre se manteve no passado, para crer que assim será no futuro?"
O que Russell, pois, está discutindo é a pertinência ou não de nossa convicção sobre a regularidade permanente entre passado e futuro, que se baseia na constatação de que o futuro continuamente se converteu em passado, tendo sempre terminado por ser similar ao passado, de modo que se possa afirmar a presença de uma experiência de futuro em nossa percepção, em termos mais precisos, de tempos que formalmente foram futuro, e que podemos denominar, nos servindo da terminologia empregue por Russell, de futuros passados. Esse tournant conceitual, contudo, não é capaz de eludir a questão: temos, é verdade, experiência de futuros passados; o que não significa dizer, salientemos, que tenhamos experiência de futuros futuros. A pergunta lançada pelo filósofo inglês passa a ser, portanto, a seguinte: os futuros futuros serão semelhantes aos futuros passados? Tal questão, claro está, não pode ser respondida por recurso a argumentos que se lastreiem tão somente em experiências passadas; faz-se mister, assim sendo, que perseveremos na busca de um princípio que nos permita afirmar que o futuro seguirá as mesmas leis do passado.
A referência ao futuro, muito embora seja uma excelente perspectiva de abordagem, não é, ressalta Russell, essencial para o tratamento deste tópico, pois o problema ressurge quando aplicamos as leis que regem nossa experiência a eventos idos dos quais não podemos ter experiência; a pergunta central pode ser então mais uma vez reformulada:
"Quando duas coisas estão freqüentemente associadas e não se encontra nenhuma instância de uma ocorrendo sem a outra, e em outro exemplo, verificamos a ocorrência de uma das duas, teremos uma boa base para esperar pela ocorrência da outra? Em nossa resposta a essa questão assentar-se-á a validade do todo de nossas expectativas quanto ao futuro, a totalidade dos resultados obtidos por indução e, de fato, praticamente todas as crenças sobre as quais repousa nossa vida cotidiana."
Devemos ter mente, desde o princípio de nossas considerações (Hume e Russell estando de acordo no que se refere a este ponto), que o fato de duas coisas terem sido vistas constantemente conjugadas e jamais separadas, não pode ser considerado, em si mesmo, como evidência suficiente para provar de forma demonstrativa que as referidas coisas serão encontradas juntas na próxima instância futura que observarmos; o que nos é lícito esperar, assevera Russell, é que quanto maior for a freqüência de instâncias em que as supracitadas coisas forem encontradas em conjunção, mais provável a possibilidade de serem encontradas juntas na próxima ocasião; tal probabilidade poderá ainda transformar-se numa quase-certeza à medida que a ocorrência de eventos que a falsifiquem tende ao zero. Dessa maneira, o que devemos buscar é a maior ou menor probabilidade de nossas experiências futuras validarem o conjunto de nossas observações passadas e presentes.
O princípio que estamos buscando para fundamentar o conjunto de nossas expectativas acerca da maior ou menor probabilidade de ocorrência de um evento pode, portanto, ser denominado como princípio de indução, e seus dois elementos constitutivos podem ser assim definidos:
"(a) Quanto maior o número de casos nos quais uma coisa do tipo A tem sido encontrada associada com uma coisa do tipo B, o mais provável é (se nenhum caso de falha na associação for conhecido) que A estará sempre associado a B;
(b) Sob as mesmas circunstâncias, um número suficiente de casos da associação de A com B tornará quase uma certeza que A está sempre associada a B, e fará com que a lei geral se aproxime da certeza sem limites."
Devemos sublinhar que a probabilidade de um evento está sempre relacionada a um determinado conjunto de dados; no caso estabelecido por Russell, os dados levados em conta são as instâncias conhecidas da coexistência entre A e B; podem contudo estar presentes, argumenta o filósofo inglês, outros dados capazes de alterar seriamente a probabilidade em tela:
"Por exemplo, um homem que tivesse visto um grande número de cisnes brancos poderia afirmar, segundo nosso princípio, que de acordo com seus dados, era provável que todos os cisnes fossem brancos e esse seria um argumento muito sólido. O argumento não é desmentido pelo fato de haver alguns cisnes negros, porque uma coisa pode muito bem acontecer apesar de alguns dados a tornarem improvável. No caso dos cisnes, um homem pode saber que a cor é uma característica muito variável em muitas espécies de animais e que, portanto, uma indução quanto à cor é especialmente capaz de levar a um erro."
A constatação de que existem cisnes negros é um dado novo que, mesmo demonstrando que nem todos os cisnes são brancos, não implica de modo algum a conclusão de que nossos dados anteriores tenham sido erradamente avaliados. O fato de que as coisas por vezes falhem em corresponder à nossas expectativas não é evidência de que nossas expectativas provavelmente não serão preenchidas num dado caso futuro ou num dado conjunto de casos.
O princípio indutivo, salienta Russell, não é passível, pois, de comprovação por um apelo à experiência. O recurso à experiência poderia embasar o raciocínio indutivo no que diz respeito a exemplos já examinados; no que tange, entretanto, a casos futuros, somente a crença no princípio indutivo poderia, obviamente sem qualquer apelo à experiência, justificar qualquer inferência que ateste a regularidade entre o já observado e o inobservado. Assim sendo, todos os argumentos que, lastreados em experiências, extraiam conclusões quanto ao futuro, e também no que se refere a passagens não experienciadas do passado e do presente, estão necessariamente assumindo como válido o raciocínio indutivo; logo, conclui Russell, ou aceitamos o princípio indutivo embasado em sua evidência intrínseca ou então devemos abandonar qualquer tentativa de justificar nossas expectativas futuras:
"Se o princípio não é sólido, não temos motivos para esperar que o Sol nasça amanhã, para esperar que o pão seja mais nutritivo que uma pedra ou para calcular que se nos atirarmos do telhado, cairemos. Quando vemos o que parece ser nosso melhor amigo se aproximando, não temos nenhuma razão para supor que seu corpo não esteja habitado pela mente de nosso pior inimigo, ou pela de um completo estranho. Toda a nossa conduta está baseada em associações que funcionaram no passado, e que nós, portanto, cremos ser provável que funcionem no futuro; e essa probabilidade depende, para sua validade, do princípio indutivo."
Uma observação relevante, entretanto, se faz aqui necessária: ao tratarmos da noção de probabilidade, que fundamenta a supracitada argumentação de Bertrand Russell, devemos verificar se o eventual número de resultados repetidos num evento qualquer aumenta ou não o grau de probabilidade envolvida, isto é, constar qual o tipo de probabilidade que está em pauta. Por exemplo, lançando ao ar um dado comum, a probabilidade de obtermos os algarismos 1, 2, 3, 4, 5 ou 6 será de 1/6 para cada face do dado. Se ao cabo de 10 tentativas obtivermos oito vezes o algarismo 5 e duas vezes o algarismo 3, poderemos dizer então que a freqüência de sucessos do algarismo 5 foi de 0,8 e a do algarismo 3, de 0,2; no entanto, como cada tentativa sucessiva é independente da anterior, a probabilidade de obtermos o algarismo 5 em uma nova experiência continuará sendo de 1/6, do mesmo modo que a de obtermos o algarismo 3. Ou seja, a relação de probabilidade permanece a mesma. Pensemos agora em outra hipótese , proposta pelo astrônomo, físico e matemático francês Pierre Simon de Laplace (1749-1827): consideremos uma urna com 20 esferas negras e 20 esferas brancas. O experimento é realizado da seguinte forma: apanhamos uma esfera de cada vez da urna, e as esferas retiradas não são repostas. Perante tais condições, estamos na presença de um caso de probabilidade condicionada, uma vez que a probabilidade de conseguirmos esferas de uma determinada cor irá variar de acordo com a quantidade de esferas negras ou brancas que eventualmente forem sendo retiradas. O mesmo não ocorre com o exemplo anterior, na medida em que cada ocorrência, conforme verificamos, independe da antecedente: se a probabilidade de que aconteça um evento E é independente em cada ocasião, sua probabilidade não irá aumentar por mais que se repitam os casos em que E se verifique. Se a probabilidade de que E ocorra pudesse ser explicada em termos de variação probabilística, então ela seria condicionada, e precisaríamos demonstrar se tal relação é estatística ou necessária. Se a relação for estatística ou necessária, sua demonstração envolverá uma petitio principii, uma vez que a relação em tela é pré-determinada e, dessa forma, não passível de demonstração. Assim sendo, em nenhum caso é possível demonstrar que a probabilidade de E é condicionada; sendo, portanto, independente, a probabilidade de E se mantém constante em qualquer que seja o número de casos considerados.
Em Human Knowledge: it’s scope and limits (1948), Bertand Russell volta a discutir a relação entre probabilidade e indução, questão que desta feita está inserida no âmbito de um ambicioso projeto teórico: a tentativa de estabelecer um cânon sólido e abrangente de princípios para a formulação de inferências não-demonstrativas.
O filósofo inglês toma como ponto de partida para sua empreitada uma constatação cabal: uma vez que tanto o senso comum quanto a Ciência servem-se largamente do raciocínio indutivo, bem como de outras modalidades de inferência não-demonstrativa, torna-se imperiosa a necessidade de se elaborar um conjunto de regras precisas que determinem as formas válidas para a inferência não-demonstrativa. Em 1943, num esboço (Project for a Future Work) para o supracitado livro, Russell irá enunciar a questão principal: em que circunstâncias o método científico nos permite induzir a existência de algo inobservado a partir de algo já observado? Vale mais uma vez sublinhar que tais inferências, muito embora não sejam passíveis de justificação em termos de lógica demonstrativa, são amplamente legitimadas no espectro da experiência cotidiana e da ciência. Para Russell, um criterioso estudo analítico dos procedimentos utilizados pelo método científico, nos permitirá elaborar, pois, um conjunto de princípios que funcionem como cânon para as modalidades válidas de inferência não-demonstrativa.
Tendo concluído que o problema da indução consiste, de uma maneira geral, na justificativa de nossas expectativas quanto à maior ou menor probabilidade de nossas experiências futuras validarem o conjunto de nossas observações passadas e presentes, Russell irá se preocupar agora em definir o tipo de probabilidade com que estamos lidando:
"Se a indução deve servir a propósitos de elaboração científica, o conceito de “probabilidade” deve então ser interpretado como um enunciado de probabilidade que assevera um fato; tal acepção requer que o tipo de probabilidade envolvido seja derivado das noções de verdade e falsidade; e isto, conseqüentemente, também torna de certo modo inevitável a interpretação de probabilidade enquanto freqüência finita."
Russel argumenta que se considerássemos a noção de probabilidade de modo indefinido, não poderíamos determinar com segurança o grau de probabilidade de um evento e, portanto, as proposições indutivas não nos informariam nada a respeito da natureza. Se tal concepção fosse adotada, o princípio indutivo poderia muito bem ser válido e, ainda assim, cada inferência feita sob seus auspícios resultar falsa; tal conclusão, diz-nos Russel, é sobremaneira improvável, mas não impossível. Se não pudéssemos, pois, determinar o grau de probabilidade de um evento qualquer, um mundo onde os raciocínios indutivos fossem verdadeiros seria empiricamente indiscernível de outro onde fossem falsos. Dessa maneira, não poderia existir qualquer evidência favorável ou contrária à validade do princípio indutivo e, portanto, o supracitado princípio não nos permitiria estabelecer inferências confiáveis a respeito de acontecimentos futuros; se o princípio em tela, por conseguinte, deve ser capaz de levar a cabo sua finalidade precípua, vale dizer, o de permitir a passagem do observado para o inobservado, faz-se mister interpretarmos a maior ou menor probabilidade de um dado evento como o que de fato usualmente acontece ou não, ou seja, como a variação periódica com que um determinado fenômeno ocorre ou não; assim sendo, a noção de probabilidade, sublinha o filósofo e matemático inglês, deverá ser equivalente à noção de freqüência, perspectiva que, mais uma vez, também será compartilhada por autores ligados ao Círculo de Viena, mormente Hempel.
Como podemos observar, Russell procura definir o problema da indução em termos de freqüência provável de ocorrência de um evento; contudo, voltamos a enfatizar, semelhante solução só encontra aplicabilidade em casos de indução condicionada. No contexto de uma probabilidade independente, nada pode empiricamente demonstrar a existência de um caráter condicional: a possibilidade que tenhamos A e ¬A é de 0,5 em todos e cada um dos casos em que se possa obter A e ¬ A de forma exclusiva e excludente.
A análise do lógico britânico lastreia-se no supracitado exemplo das esferas brancas e negras, onde as esferas, uma vez retiradas, não retornam à urna; assim procedendo, Russell estabelece condições artificiais que não se manifestam em diversos casos de indução; oferece, portanto, uma resposta probabilística para processos indutivos condicionados, mas não encontra uma solução para o problema lançado por Hume.
Conforme estabelece a lógica clássica, a partir de premissas verdadeiras, em uma dedução válida, a conclusão é sempre verdadeira; ou, em outras palavras: uma inferência dedutiva é correta se e somente se não é possível que de premissas verdadeiras se siga uma conclusão falsa.
O mesmo não pode ser afirmado, entretanto, acerca de uma inferência indutiva: de premissas verdadeiras podem-se extrair conclusões falsas. Todavia, ao constatarmos, como anteriormente o fizemos, que o raciocínio dedutivo efetivamente não nos faculta a possibilidade de formular previsões sobre ocorrências futuras, na medida em que seus enunciados necessariamente derivam de generalizações já estabelecidas, de que maneira seria possível o conhecimento científico, que se estrutura precisamente mediante hipóteses elaboradas a partir de observações empíricas no passado e no presente?
No âmbito de uma inferência indutiva, não é condição imperativa que a conclusão obtida seja universal, mas é fundamental que possa chegar a ser universalizável: isto é, ainda que de uma indução não seja possível a obtenção de uma conclusão absolutamente verdadeira, é possível a obtenção de enunciados com menor ou maior de probabilidade.
Examinemos, pois, a esse respeito, as concepções e propostas elaboradas por Bertrand Russell (1872-1970. O matemático, lógico e filósofo inglês aborda, no capítulo VI de seu The Problems of Philosophy (1912), o problema da justificação das inferências indutivas. Nas palavras do autor:
"É preciso que nos seja demonstrado que a existência de alguma coisa, como A, é sinal da existência de alguma coisa como B, não importa se ao mesmo tempo do que A, ou algum tempo antes ou depois como, por exemplo, o trovão é um sinal da existência anterior de um relâmpago. Se isto não fosse por nós conhecido, jamais poderíamos ampliar nosso conhecimento para além da esfera de nossa experiência pessoal."
Russell está preocupado em examinar, do mesmo modo que Hume, se a repetição de um fenômeno, num dado número de experiências no passado, constitui ou não uma garantia de sua ulterior ocorrência no futuro. Esta investigação preliminar o conduz a formular duas outras questões: (a) as experiências passadas são a fonte de nossas expectativas futuras? (b) Como justificar tais expectativas? Vejamos como o filósofo apresenta a questão:
"A constatação de um determinado número de ocorrências de uma lei sendo satisfeita no passado fornece evidência de que a mesma leia continuará a ser satisfeita no futuro? Se não, torna-se evidente que não temos nenhum fundamento para esperar que o sol nasça amanhã, ou para esperar que o pão que comeremos em nossa próxima refeição não nos envenenará, em suma, para esperar a repetição de qualquer uma das expectativas diárias das quais somos apenas ligeiramente conscientes. Devemos observar que tais expectativas são apenas prováveis; portanto não devemos buscar uma prova de que devem ser satisfeitas, mas apenas por algum argumento a favor da concepção de que provavelmente serão cumpridas."
O pensador inglês sustenta que à medida que os mesmos eventos se repetem, sua ocorrência no futuro tornar-se-á mais provável. Assim sendo, sua argumentação inclina-se a substituir a justificação da indução pela justificação da probabilidade da indução, a mesma postura conceitual que orientará, vale dizer, autores do Círculo de Viena como Hans Reichenbach e Carl Gustav Hempel.
Nossa experiência com a natureza tem demonstrado até agora, nos diz Russell (aqui em estrita consonância com Hume), que a freqüente repetição de uma sucessão ou coexistência de eventos tem sido a causa de esperarmos que a mesma a sucessão ou coexistência de eventos continue a ocorrer no futuro:
"E esse tipo de associação não está restrito aos homens; nos animais também é muito forte. Um cavalo que tenha sido sempre conduzido ao longo de uma certa estrada, resiste à tentativa de levá-lo numa direção diferente. Animais domésticos esperam comida ao ver a pessoa que habitualmente os alimenta. Sabemos que todas essas experiências primárias de uniformidade são capazes de nos enganar. O homem que alimentou a galinha durante todos os dias da vida dela, no final, em vez disso, torce o seu pescoço, mostrando que uma visão mais refinada da uniformidade da natureza teria sido útil para a galinha. Mas apesar dessas expectativas nos iludirem, elas no entanto existem. O simples fato de que alguma coisa aconteceu certo número de vezes causa nos animais e nos homens a expectativa de que acontecerá novamente. Portanto, nossos instintos certamente nos levarão a crer que o sol nascerá amanhã, mas podemos estar numa posição não muito melhor do que a da galinha, que inesperadamente tem seu pescoço torcido. Temos portanto que diferenciar o fato da uniformidade passada provocar expectativas quanto ao futuro, da incerteza se há alguma base razoável que dê peso a tais expectativas, depois que a questão de sua legitimidade foi levantada."
Russell prossegue na mesma perspectiva delineada por Hume e questiona: há alguma razão para acreditarmos no que pode ser denominado como uniformidade da natureza, isto é, para crermos que tudo o que ocorreu ou ocorrerá é instância de uma Lei geral para a qual não existem exceções? Para Hume somos conduzidos a tal concepção por influência de um determinado hábito mental, que converte nossa observação, no passado e no presente, de conjunções constantes entre fenômenos naturais, na crença da existência de uma conexão necessária, de uma regularidade que rege a dinâmica da Natureza. A inferência da conjunção limitada que observamos para a conjunção universal envolvida em nossa crença causal assume, pois, que o inobservado assemelhar-se-á continuamente ao já observado ou, em termos mais amplos, que a natureza é uniforme e, por conseguinte, constituída por regularidades fenomênicas. Essa suposição, todavia, argumenta o filósofo escocês, assim como o princípio geral de causalidade, não é auto-evidente, nem demonstrável. O inobservado é, desde sempre, potencialmente distinto do observado: ele pode assumir qualquer forma que seja, bem como, eventualmente, continuar compatível com o já observado; tampouco podemos estabelecê-la indutivamente a partir de que até agora, pelo menos, o fenômeno que estivermos a examinar continua reproduzindo os efeitos observados em experiências anteriores. Proceder deste modo seria, vale dizer, argumentar em círculo, assumir a validade da suposição como instância autocomprovável.
Russell admite que muitas de nossas expectativas, tais como as que exemplificou nas passagens supracitadas, estão sujeitas a exceções e, dessa forma, são passíveis de frustrar as expectativas daqueles que as acalentam; contudo, também procura nos chamar atenção para uma outra forma possível de uniformidade:
"A ciência habitualmente assume, ao menos como hipótese de trabalho, que regras gerais que possuem exceções podem ser substituídas por regras gerais sem exceções. ‘Corpos sem sustentação no ar caem’ é uma regra geral para a qual balões e aeroplanos são exceções. Mas as leis do movimento e a lei da gravidade, que respondem pelo fato de que a maioria dos corpos caem, também são responsáveis pelo fato de balões e aeroplanos alçarem vôo; portanto as leis do movimento e a lei da gravidade não estão sujeitas a essas exceções. A crença de que o sol nascerá amanhã pode ser adulterada se a terra entrar subitamente
em contato com um grande corpo que destruiu sua rotação; mas as leis do movimento e a lei da gravidade não teriam sido infringidas por tal acontecimento. O objetivo da ciência é encontrar uniformidade, tais como as leis do movimento e a lei da gravidade, para as quais, ao menos até onde vai a nossa experiência, não há exceções. Nessa busca a ciência tem tido muito sucesso, e podemos admitir que tal uniformidade até aqui têm sido mantida. Isso nos leva de volta à pergunta: teremos algum motivo, assumindo que isso sempre se manteve no passado, para crer que assim será no futuro?"
O que Russell, pois, está discutindo é a pertinência ou não de nossa convicção sobre a regularidade permanente entre passado e futuro, que se baseia na constatação de que o futuro continuamente se converteu em passado, tendo sempre terminado por ser similar ao passado, de modo que se possa afirmar a presença de uma experiência de futuro em nossa percepção, em termos mais precisos, de tempos que formalmente foram futuro, e que podemos denominar, nos servindo da terminologia empregue por Russell, de futuros passados. Esse tournant conceitual, contudo, não é capaz de eludir a questão: temos, é verdade, experiência de futuros passados; o que não significa dizer, salientemos, que tenhamos experiência de futuros futuros. A pergunta lançada pelo filósofo inglês passa a ser, portanto, a seguinte: os futuros futuros serão semelhantes aos futuros passados? Tal questão, claro está, não pode ser respondida por recurso a argumentos que se lastreiem tão somente em experiências passadas; faz-se mister, assim sendo, que perseveremos na busca de um princípio que nos permita afirmar que o futuro seguirá as mesmas leis do passado.
A referência ao futuro, muito embora seja uma excelente perspectiva de abordagem, não é, ressalta Russell, essencial para o tratamento deste tópico, pois o problema ressurge quando aplicamos as leis que regem nossa experiência a eventos idos dos quais não podemos ter experiência; a pergunta central pode ser então mais uma vez reformulada:
"Quando duas coisas estão freqüentemente associadas e não se encontra nenhuma instância de uma ocorrendo sem a outra, e em outro exemplo, verificamos a ocorrência de uma das duas, teremos uma boa base para esperar pela ocorrência da outra? Em nossa resposta a essa questão assentar-se-á a validade do todo de nossas expectativas quanto ao futuro, a totalidade dos resultados obtidos por indução e, de fato, praticamente todas as crenças sobre as quais repousa nossa vida cotidiana."
Devemos ter mente, desde o princípio de nossas considerações (Hume e Russell estando de acordo no que se refere a este ponto), que o fato de duas coisas terem sido vistas constantemente conjugadas e jamais separadas, não pode ser considerado, em si mesmo, como evidência suficiente para provar de forma demonstrativa que as referidas coisas serão encontradas juntas na próxima instância futura que observarmos; o que nos é lícito esperar, assevera Russell, é que quanto maior for a freqüência de instâncias em que as supracitadas coisas forem encontradas em conjunção, mais provável a possibilidade de serem encontradas juntas na próxima ocasião; tal probabilidade poderá ainda transformar-se numa quase-certeza à medida que a ocorrência de eventos que a falsifiquem tende ao zero. Dessa maneira, o que devemos buscar é a maior ou menor probabilidade de nossas experiências futuras validarem o conjunto de nossas observações passadas e presentes.
O princípio que estamos buscando para fundamentar o conjunto de nossas expectativas acerca da maior ou menor probabilidade de ocorrência de um evento pode, portanto, ser denominado como princípio de indução, e seus dois elementos constitutivos podem ser assim definidos:
"(a) Quanto maior o número de casos nos quais uma coisa do tipo A tem sido encontrada associada com uma coisa do tipo B, o mais provável é (se nenhum caso de falha na associação for conhecido) que A estará sempre associado a B;
(b) Sob as mesmas circunstâncias, um número suficiente de casos da associação de A com B tornará quase uma certeza que A está sempre associada a B, e fará com que a lei geral se aproxime da certeza sem limites."
Devemos sublinhar que a probabilidade de um evento está sempre relacionada a um determinado conjunto de dados; no caso estabelecido por Russell, os dados levados em conta são as instâncias conhecidas da coexistência entre A e B; podem contudo estar presentes, argumenta o filósofo inglês, outros dados capazes de alterar seriamente a probabilidade em tela:
"Por exemplo, um homem que tivesse visto um grande número de cisnes brancos poderia afirmar, segundo nosso princípio, que de acordo com seus dados, era provável que todos os cisnes fossem brancos e esse seria um argumento muito sólido. O argumento não é desmentido pelo fato de haver alguns cisnes negros, porque uma coisa pode muito bem acontecer apesar de alguns dados a tornarem improvável. No caso dos cisnes, um homem pode saber que a cor é uma característica muito variável em muitas espécies de animais e que, portanto, uma indução quanto à cor é especialmente capaz de levar a um erro."
A constatação de que existem cisnes negros é um dado novo que, mesmo demonstrando que nem todos os cisnes são brancos, não implica de modo algum a conclusão de que nossos dados anteriores tenham sido erradamente avaliados. O fato de que as coisas por vezes falhem em corresponder à nossas expectativas não é evidência de que nossas expectativas provavelmente não serão preenchidas num dado caso futuro ou num dado conjunto de casos.
O princípio indutivo, salienta Russell, não é passível, pois, de comprovação por um apelo à experiência. O recurso à experiência poderia embasar o raciocínio indutivo no que diz respeito a exemplos já examinados; no que tange, entretanto, a casos futuros, somente a crença no princípio indutivo poderia, obviamente sem qualquer apelo à experiência, justificar qualquer inferência que ateste a regularidade entre o já observado e o inobservado. Assim sendo, todos os argumentos que, lastreados em experiências, extraiam conclusões quanto ao futuro, e também no que se refere a passagens não experienciadas do passado e do presente, estão necessariamente assumindo como válido o raciocínio indutivo; logo, conclui Russell, ou aceitamos o princípio indutivo embasado em sua evidência intrínseca ou então devemos abandonar qualquer tentativa de justificar nossas expectativas futuras:
"Se o princípio não é sólido, não temos motivos para esperar que o Sol nasça amanhã, para esperar que o pão seja mais nutritivo que uma pedra ou para calcular que se nos atirarmos do telhado, cairemos. Quando vemos o que parece ser nosso melhor amigo se aproximando, não temos nenhuma razão para supor que seu corpo não esteja habitado pela mente de nosso pior inimigo, ou pela de um completo estranho. Toda a nossa conduta está baseada em associações que funcionaram no passado, e que nós, portanto, cremos ser provável que funcionem no futuro; e essa probabilidade depende, para sua validade, do princípio indutivo."
Uma observação relevante, entretanto, se faz aqui necessária: ao tratarmos da noção de probabilidade, que fundamenta a supracitada argumentação de Bertrand Russell, devemos verificar se o eventual número de resultados repetidos num evento qualquer aumenta ou não o grau de probabilidade envolvida, isto é, constar qual o tipo de probabilidade que está em pauta. Por exemplo, lançando ao ar um dado comum, a probabilidade de obtermos os algarismos 1, 2, 3, 4, 5 ou 6 será de 1/6 para cada face do dado. Se ao cabo de 10 tentativas obtivermos oito vezes o algarismo 5 e duas vezes o algarismo 3, poderemos dizer então que a freqüência de sucessos do algarismo 5 foi de 0,8 e a do algarismo 3, de 0,2; no entanto, como cada tentativa sucessiva é independente da anterior, a probabilidade de obtermos o algarismo 5 em uma nova experiência continuará sendo de 1/6, do mesmo modo que a de obtermos o algarismo 3. Ou seja, a relação de probabilidade permanece a mesma. Pensemos agora em outra hipótese , proposta pelo astrônomo, físico e matemático francês Pierre Simon de Laplace (1749-1827): consideremos uma urna com 20 esferas negras e 20 esferas brancas. O experimento é realizado da seguinte forma: apanhamos uma esfera de cada vez da urna, e as esferas retiradas não são repostas. Perante tais condições, estamos na presença de um caso de probabilidade condicionada, uma vez que a probabilidade de conseguirmos esferas de uma determinada cor irá variar de acordo com a quantidade de esferas negras ou brancas que eventualmente forem sendo retiradas. O mesmo não ocorre com o exemplo anterior, na medida em que cada ocorrência, conforme verificamos, independe da antecedente: se a probabilidade de que aconteça um evento E é independente em cada ocasião, sua probabilidade não irá aumentar por mais que se repitam os casos em que E se verifique. Se a probabilidade de que E ocorra pudesse ser explicada em termos de variação probabilística, então ela seria condicionada, e precisaríamos demonstrar se tal relação é estatística ou necessária. Se a relação for estatística ou necessária, sua demonstração envolverá uma petitio principii, uma vez que a relação em tela é pré-determinada e, dessa forma, não passível de demonstração. Assim sendo, em nenhum caso é possível demonstrar que a probabilidade de E é condicionada; sendo, portanto, independente, a probabilidade de E se mantém constante em qualquer que seja o número de casos considerados.
Em Human Knowledge: it’s scope and limits (1948), Bertand Russell volta a discutir a relação entre probabilidade e indução, questão que desta feita está inserida no âmbito de um ambicioso projeto teórico: a tentativa de estabelecer um cânon sólido e abrangente de princípios para a formulação de inferências não-demonstrativas.
O filósofo inglês toma como ponto de partida para sua empreitada uma constatação cabal: uma vez que tanto o senso comum quanto a Ciência servem-se largamente do raciocínio indutivo, bem como de outras modalidades de inferência não-demonstrativa, torna-se imperiosa a necessidade de se elaborar um conjunto de regras precisas que determinem as formas válidas para a inferência não-demonstrativa. Em 1943, num esboço (Project for a Future Work) para o supracitado livro, Russell irá enunciar a questão principal: em que circunstâncias o método científico nos permite induzir a existência de algo inobservado a partir de algo já observado? Vale mais uma vez sublinhar que tais inferências, muito embora não sejam passíveis de justificação em termos de lógica demonstrativa, são amplamente legitimadas no espectro da experiência cotidiana e da ciência. Para Russell, um criterioso estudo analítico dos procedimentos utilizados pelo método científico, nos permitirá elaborar, pois, um conjunto de princípios que funcionem como cânon para as modalidades válidas de inferência não-demonstrativa.
Tendo concluído que o problema da indução consiste, de uma maneira geral, na justificativa de nossas expectativas quanto à maior ou menor probabilidade de nossas experiências futuras validarem o conjunto de nossas observações passadas e presentes, Russell irá se preocupar agora em definir o tipo de probabilidade com que estamos lidando:
"Se a indução deve servir a propósitos de elaboração científica, o conceito de “probabilidade” deve então ser interpretado como um enunciado de probabilidade que assevera um fato; tal acepção requer que o tipo de probabilidade envolvido seja derivado das noções de verdade e falsidade; e isto, conseqüentemente, também torna de certo modo inevitável a interpretação de probabilidade enquanto freqüência finita."
Russel argumenta que se considerássemos a noção de probabilidade de modo indefinido, não poderíamos determinar com segurança o grau de probabilidade de um evento e, portanto, as proposições indutivas não nos informariam nada a respeito da natureza. Se tal concepção fosse adotada, o princípio indutivo poderia muito bem ser válido e, ainda assim, cada inferência feita sob seus auspícios resultar falsa; tal conclusão, diz-nos Russel, é sobremaneira improvável, mas não impossível. Se não pudéssemos, pois, determinar o grau de probabilidade de um evento qualquer, um mundo onde os raciocínios indutivos fossem verdadeiros seria empiricamente indiscernível de outro onde fossem falsos. Dessa maneira, não poderia existir qualquer evidência favorável ou contrária à validade do princípio indutivo e, portanto, o supracitado princípio não nos permitiria estabelecer inferências confiáveis a respeito de acontecimentos futuros; se o princípio em tela, por conseguinte, deve ser capaz de levar a cabo sua finalidade precípua, vale dizer, o de permitir a passagem do observado para o inobservado, faz-se mister interpretarmos a maior ou menor probabilidade de um dado evento como o que de fato usualmente acontece ou não, ou seja, como a variação periódica com que um determinado fenômeno ocorre ou não; assim sendo, a noção de probabilidade, sublinha o filósofo e matemático inglês, deverá ser equivalente à noção de freqüência, perspectiva que, mais uma vez, também será compartilhada por autores ligados ao Círculo de Viena, mormente Hempel.
Como podemos observar, Russell procura definir o problema da indução em termos de freqüência provável de ocorrência de um evento; contudo, voltamos a enfatizar, semelhante solução só encontra aplicabilidade em casos de indução condicionada. No contexto de uma probabilidade independente, nada pode empiricamente demonstrar a existência de um caráter condicional: a possibilidade que tenhamos A e ¬A é de 0,5 em todos e cada um dos casos em que se possa obter A e ¬ A de forma exclusiva e excludente.
A análise do lógico britânico lastreia-se no supracitado exemplo das esferas brancas e negras, onde as esferas, uma vez retiradas, não retornam à urna; assim procedendo, Russell estabelece condições artificiais que não se manifestam em diversos casos de indução; oferece, portanto, uma resposta probabilística para processos indutivos condicionados, mas não encontra uma solução para o problema lançado por Hume.
2 comentários:
Parabéns! Um blog com questões filósoficas é uma raridade por essas bandas e, quando fala de silogismo então é: um achado! Estou cursando lógica classica neste período e, confesso não é muito minha praia mas, como sou persistente pretendo cursar novamente no próximo semestre. Um abraço Josy
Obrigado pela consideração, Josy.
Saudações,
AVW
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