sexta-feira, abril 03, 2009

Notas de reflexão crítica XX - a propósito dos pares ordenados 'esquerda / revolução' - 'direita / reação'

Alphonse van Worden - 1750 AD 




- Há que problematizar, ínclitos irmãos d'armas, o automatismo psíquico / ideológico que associa fatal e necessariamente 'esquerda' à 'revolução' e 'direita' à 'reação / conservação', pois a realidade dos factos é sobremaneira mais metamórfica, difusa e complexa; destarte, é possível considerar, por exemplo, que o projeto 'reaccionário' de restaurar um determinado sistema, contexto ou modelo socioeconômico arcaico (tal como sucedeu na Itália durante a ascensão do fascismo, por exemplo) envolve uma transformação estrutural de considerável envergadura, configurando-se, pois, como fenômeno de certa forma revolucionário; analogamente, forças políticas ditas de 'esquerda' podem desempenhar, numa determinada conjuntura socioeconômica, um papel 'conservador', na medida em que seja de seu talante a manutenção da situação vigente (tal como ocorreu na URSS mormente a partir da década de 30). 

- É também instrutivo examinar a vertiginosa oscilação, bem como a interpenetração dinâmica, entre os estados 'revolucionário', 'conservador' e 'reaccionário', inclusive no âmbito dos mesmos agentes históricos; assim sendo, no esteio de uma situação potencialmente pré-revolucionária, por exemplo, o espectro político via de regra cinde-se entre conservadores (que defendem o status quo vigente) e revolucionários (que advogam a adoção de um movo modelo de organização socioeconômica). Uma pequena parcela dos conservadores assume uma posição mais extremada, de cunho reaccionário (de forma explícita ou não), esposando o retorno a um determinado status quo visceralmente anti-revolucionário; entre os revolucionários, por seu turno, ocorre um fenômeno inverso, isto é, a emergência de setores mais moderados, que se não são conservadores, endossam a adoção de um programa de jaez mais reformista que revolucionário, apoiando a implementação de medidas transformativas, mas não a subversão total do regime ou modelo vigente. 

- No bojo de uma conjuntura pós-revolucionária, via de regra presenciamos um significativo rearranjo do giroscópio político, com uma nova configuração dos agentes políticos: ao longo do tempo, uma parcela das forças revolucionárias encaminha-se para uma posição conservadora, na medida em que, mais do que propugnar o aprofundamento do processo revolucionário, preocupa-se com a manutenção das conquistas já encetadas; por outro lado, alguns setores permanecerão na esfera revolucionária, demandando um aprofundamento contínuo e progressivo do processo de transformação em curso. No campo conservador, outrossim, também ocorrerão mudanças: uma parcela dos conservadores, seja por oportunismo político, espírito adesista ou esperança de mitigar o ímpeto do processo revolucionário, acabará por se acomodar, em maior ou menor escala, ao novo regime, mantendo, dessa maneira, seu ethos conservador; não obstante, certas facções evoluirão para posições decididamente reaccionárias, advogando não raro a luta armada como meio para reverter o processo revolucionário em curso; por fim, outros setores também rumarão para a esfera do reaccionarismo, mas em clave mais moderada, sem engajamento direto em operações de confronto aberto contra o novo regime. 

- Consoante escrevi adrede, o paralelogramo das forças políticas contrastantes numa sociedade é uma estrutura dinâmica, por vezes sobremaneira volátil, capaz de modificar-se com assombrosa rapidez num contexto de agudização das contradições em tela; destarte, tão mais habilidoso será um agente político quanto mais for capaz de funcionar como um espécie de 'sismógrafo', detectando com precisão e percuciência as por vezes vertiginosas metamorfoses no quadro político. A esse respeito, portanto, há que louvar o extraordinário senso de oportunidade política que caracteriza, por exemplo, figuras como Lenin e Stalin, quiçá os dois 'sismógrafos políticos' mais hábeis dos últimos 100 anos. No campo conservador, devem ser lembrados De Gaulle, Thatcher e Reagan, que também foram notáveis 'sismógrafos políticos'.

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