terça-feira, abril 01, 2008

Breve nota sobre o conceito de 'GUERRA TOTAL'

Alphonse van Worden - 1750 AD







- Na modalidade de confronto armado que corresponde à GUERRA TOTAL, vige tão somente a dinâmica 'amigo / inimigo' tal como concebida por Carl Schmitt, excluindo quaisquer considerações de ordem moral, normativa ou filosófica; bem como o que Ernst Jünger denominou de ‘mobilização total’ (totale Mobilmachung) da sociedade industrial em prol de um estado de guerra permanente.

- Assim sendo, o que é lícito fazer com o 'inimigo' não aceitamos que se faça com o 'amigo', e vice-versa. Não há justiça, nem tampouco qualquer senso de proporção ou cálculo frio numa GUERRA TOTAL, mas apenas matar ou morrer.

- É mister retirar, destarte, todos os véus da hipocrisia e da 'boa consciência', a fim de reduzirmos analiticamente o fenômeno da GUERRA TOTAL à sua essência mais primeva, atávica e definitiva: matar ou morrer.

- No âmbito da GUERRA TOTAL não há, pois, procedimentos mais ou menos 'hediondos', circunstâncias mais ou menos 'civilizadas', pois tal conflagração visa à destruição do inimigo, tanto de seu capital humano quanto de sua infra-estrutura material. Mais: visa o aniquilamento do próprio substrato simbólico e espiritual que informa a civilização inimiga, de modo que no terror indiscriminado e absoluto não apenas contra a população civil, mas também contra monumentos históricos e tesouros artísticos, radica não um jaez aleatório, circunstancial, 'colateral' da GUERRA TOTAL, mas sim seu móvel mais precípuo e transcendental, sua própria mefistofélica raison d'être, enfim; destarte, massacres como Lidice, Mi Lai, Wiriamu, Sabrah e Chatillah, Katim, Fossas Ardeatinas, Gueto de Varsóvia, etc, etc, etc.; ou então bombardeios contra alvos mormente não-militares como Dresden, Hiroshima, Coventry, etc, etc, etc., não são 'danos colaterais' ou 'erros lamentáveis', mas o próprio alpha e omega da GUERRA TOTAL, expressão manifesta de seu ethos mais consumado.

- Portanto, não há como eludir a brutalidade inaudita e escalfúrnia da GUERRA TOTAL, restando tão somente duas atitudes: negar-se terminantemente a envolver-se em conflagrações armadas, seja direta ou indiretamente; ou então tomar partido de um dois lados e advogar sua vitória, custe o que custar.

- Obviamente há conflagrações menores, motivadas por questões parciais, como a conquista de uma passagem para o mar, ou a abertura comercial de uma determinada região; não obstante, quando falamos de uma GUERRA TOTAL com pleno engajamento ideológico e material de toda uma sociedade, o móvel supremo é sim aniquilar o inimigo, destruindo-lhe por completo suas bases de sustentação em todos os planos da existência.

- Nos últimos 100 anos esse tipo de conflito ocorreu de modo particularmente emblemático nos Balcãs (no início e no fim do século); na invasão da URSS pela Wehrmacht ; e na guerra que até hoje segue dilacerando a Palestina.

- Assim são, por conseguinte, as GUERRAS TOTAIS, a mobilizar todos os músculos, cérebros, nervos e almas de uma noção. Tais conflagrações não contemplam qualquer tipo de prurido moral ou consideração de ordem ética. Acreditamos, vale dizer, que a jihad antiimperialista palestina envolve precisamente um conflito dessa natureza.

3 comentários:

Fernando disse...

Essa modalidade da "guerra total" externa as raízes mais primitivas do animal humano, que são essas aí mesmo, brilhantemente resumidas por você, na divisa "matar ou morrer".

Pois, de fato, quando se trata tão-somente de matar ou morrer, é disso mesmo que se trata, quer queiramos, quer não: não há honra, não há dever, não há farda, não misericórdia, não há é nada vezes nada!

Não há, óbvio está, nem mesmo uma terceira alternativa a que se possa recorrer, caso o braço que segura a espada vier a vacilar diante do inimigo mortalmente ferido; e nem mesmo quando este, completamente desesperado, gritar por clemência para aquele, ante a perspectiva iminente do aço frio a rasgar-lhe a garganta...

Dir-se-ia também que há nessa guerra cujo fim é a sobrevivência de si e a aniquilação do outro "um pouco", digamos assim, daquelas batalhas que provavelmente se travaram há milênios, quando os bandos humanos anteriores ao surgimento das cidades e da agricultura se encontravam armados de paus, pedras e pedaços de ossos.

Aliás, também seria interessante notar que na "guerra total" incluem-se esses dois elementos, sem os quais civilização alguma haveria de ter surgido na face da Terra: agricultura e cidades.

Tudo bem, poder-se-ia dizer que ambos são destruídos com o fito de serem restaurados com a posterior aniquilação do inimigo; mas o fato é que ao se privarem as populações civis do acesso à produção de alimentos básicos, se as condenam à morte pela fome, doença e quiçá loucura, também - pois, é fato que fome e doença são agentes enlouquecedores do ser humano...

A mesma coisa valeria para a destruição de cidades inteiras: a visão aterrorizante das toneladas de escombros na mente de um seu habitante provavelmente é de monta a causar-lhe danos psicológicos e sociais irreversíveis.

Aqui, faço uma consideração por minha conta e risco, amparada parcialmente no que você dissera sobre a Jihad: não serão, também, sobretudo em sua forma mais letal, os ataques com armas químicas e biológicas, os atentados terroristas islâmicos derivações da "guerra total"?

E termino fazendo uma pergunta: também nós, aqui, na América Latina, não tivemos alguns capítulos de uma incipiente "guerra total" quando da Guerra do Paraguai, orgulho de nosso Exército?

Evidente, confrade, o conceito, a teorização, a formulação não existiam...

Mas não é provável que o que nos faltou fora, penso eu, tão-somente a escassez de aprimoradas técnicas de matar mais e melhor, de maneira que o instinto destrutivo, este sim foi como que a pólvora em que douramos o maior feito de nossa história militar?

Para quem cresceu lendo as histórias de como López fora morto nos estertores da Guerra pelas mãos de um soldado de nome, e que nome, Santo Deus!, Chico Diabo, isso até que faz um quê de sentido...

O abraço, a estima e os parabéns de sempre, confrade!

Alphonse van Worden disse...

Excelentes comentários, como de hábito, aliás. Obrigado, confrade!

"Aqui, faço uma consideração por minha conta e risco, amparada parcialmente no que você dissera sobre a Jihad: não serão, também, sobretudo em sua forma mais letal, os ataques com armas químicas e biológicas, os atentados terroristas islâmicos derivações da "guerra total"'?

Sim, exatamente: é um tipo conflagração que envolve extremo comprometimento existencial.

"E termino fazendo uma pergunta: também nós, aqui, na América Latina, não tivemos alguns capítulos de uma incipiente "guerra total" quando da Guerra do Paraguai, orgulho de nosso Exército?"

Creio que não, pois não é possível olvidar a dimensão tecnológica embutida no conceito de 'Guerra Total' que tenho em mente, ou seja, o princípio da mobilização total de todas as energias (políticas, econômicas, culturais e simbólicas) da nação.

Fernando disse...

É, de fato, confrade, você tem razão sim, são coisas completamente diferentes: não há como comparar mesmo os ataques milimetricamente planejados para causar o máximo de dano possível a povos e nações inteiras com a ancestral sanha pelo sangue inimigo, coisa normal a guerras desde que o mundo é mundo...