segunda-feira, maio 14, 2007
segunda-feira, maio 07, 2007
We know you got SOUL...
A trajetória de um fã de música nunca é um movimento retilíneo e uniforme; trata-se, ao contrário, de um percurso pejado de descontinuidades, lacunas que, na medida do possível, vamos sanando ao longo dos anos. No meu caso, um desses hiatos era, até bem pouco tempo atrás, a mais lendária formação southern, The Allman Brothers Band; e se muito tempo levei para descobri-los, pouquíssimo tempo foi necessário para que eu fosse irremediavelmente arrebatado pela música desses fantásticos 'caipiras': trata-se, sem qualquer sombra de dúvida, d'uma TREMENDA banda de rock'n'roll, caracterizada por uma sonoridade inconfundível, que se propaga tanto por meio de titânicos workouts de blues rock estratosférico, epopéias sônicas reverberando através do espaço-tempo from Jupiter and beyond the Infinite, quanto por intermédio da lapidar concisão de canções atemporais.
Tendo em vista o facto de estarmos a falar sobre uma banda célebre, que carece de maiores considerações introdutórias e/ou históricas, passemos logo d'uma vez à matéria central desta resenha: o extraordinário At Fillmore East, se calhar um dos 5 melhores discos ao vivo em toda a história do rock, incontrastável obra-prima de nossos amigos, retratando-os em seu melhor habitat.
Gravado nos dias 12 e 13 de março de 1971, numa tradicional casa de espetáculos em NY, At Fillmore East se inicia com dois emblemáticos standards do blues, Statesboro Blues e Done Somebody Wrong, canções executadas exaustivamente à época por dezenas de bandas. Assim sendo, qual seria o diferencial que o ABB aporta para tais peças? Uma execução simplesmente irretocável, tanto em termos de feeling quanto no que se refere à destreza instrumental, transfigurando à perfeição o que se espera de uma blues song.
Na terceira faixa, a também clássica Stormy Monday, a excelência musical da banda começa a tingir-se de contornos de genialidade: o que nas mãos de músicos comuns é apenas mais um standard de blues, com a ABB se converte numa onírica saga de guitarras ecoantes e camadas de órgão elétrico projetando-se suavemente na atmosfera, em texturas sonoras sobremaneira sofisticadas e envolventes. Na faixa seguinte, a trovejante You Don't Love Me, a coisa já envereda pelo terreno sobrenatural: o interplay entre as guitarras de Duane Allman e Dickey Betts atinge níveis quase telepáticos de organicidade e interação, com solos sucessivos entrelaçando-se sem esforço aparente, como se obedecessem a um encadeamento lógico e natural. Duane Allman, em particular, revela-se um MONSTRO SAGRADO nas seis cordas, exibindo completo domínio do idioma de seu instrumento em assombrosas seqüências de sustains atmosféricos e slides lancinantes, fúlgidas cascatas de sons em mandalas abstratas de êxtase; escutem, por exemplo, a rutilante passagem entre 13:00 / 16:00. Merece também preito de admiração a estupenda seção rítmica formada por Barry Oakley, 'Jaimoe' Johnson e Butch Trucks, poderosa locomotiva a propelir adiante a traummaschine musical de Duane, Gregg e Dickey.
A seguir, como interlúdio antes da blitzkrieg sônica dos números finais, vem a relativamente breve Hot 'Lanta, onde a banda nitidamente ganha momentum para o que virá a seguir, mas ainda demonstra sua inigualável capacidade instrumental.
Encerrando os trabalhos, temos as antológicas In Memory of Elizabeth Reed e Whipping Post. A primeira delas, assinada por Betts, é um dos instrumentais mais emocionantes que já escutei em qualquer gênero, um verdadeiro monumento de feeling textural, senso de proporção melódica e elegância estrutural; é sobretudo o verdadeiro zênite da banda em termos de fluidez e finesse, tangenciando horizontes sonoros dignos de um John Coltrane ou de um Miles Davis em suas melhores fases.
Maravilha urdida por Gregg Allman, Whipping Post, por fim, talvez seja a supina consumação, o tributo definitivo to all things Allman: um vibrante rhythm and blues desdobrando-se em inauditas paisagens de transcendência aural, locus privilegiado para o ataque combinado das guitarras de Duane e Dickey explodir em miríades e miríades de solos supersônicos, enquanto Gregg Allman preenche os vazios intersticiais com as texturas policromáticas de seu órgão elétrico e as imprecações de seus vocais tonitruantes, ao passo que a seção rítmica providencia uma ancoragem a um só tempo exuberante e metronômica. Mais uma vez, o interplay alcançado pelo ABB desafia descrições fáceis, atingindo planos de expressividade artística e deslumbramento estético raramente igualados antes ou depois no âmbito do rock'n'roll.
Enfim, excelsos confrades: IMPRESCINDÍVEL.
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Ten. Giovanni Drogo
Forte Bastiani
Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros
Breve comentário sobre a disjuntiva 'administração pública' x 'política'
Alphonse van Worden - 1750 AD
O contencioso radica, creio, na reiterada mixórdia que amiúde ocorre entre os conceitos de 'administração pública, de um lado, e 'política', de outro:
A 'administração pública' é um espaço de decisão pautado pela escolha racional do caminho, perspectiva ou solução mais eficaz disponível no momento; é, destarte, um domínio onde impera a ação determinada por coordenadas empíricas, isto é, pelas limitações, estruturais e conjunturais, impostas por um dado contexto.
A 'política', por seu turno, é uma esfera de atuação determinada por imperativos essencialmente ideológicos, em outras palavras, pelo desejo que se converte em esforço coletivo; assim sendo, independe de quaisquer injunções ditadas pela razão.
Uma instância concreta do que acabo de expor pode ser constatada ao examinarmos o que ocorre hodiernamente na Venezuela: em termos de 'administração pública', o governo do presidente Hugo Chávez adota, como deve ser, uma perspectiva balizada por critérios de ação racionais, de modo que, por exemplo, as exportações de petróleo para os EUA prosseguem em seu curso normal; por outro lado, no que tange à esfera 'política', Chávez pode dar livre curso a seu desiderato ideológico, conclamando o continente ao enfrentamento antiimperialista.
Claro está que a situação ideal surge quando se torna possível uma convergência, tanto de propósitos quanto operacional, entre as duas esferas; ou, em outras palavras, quando a 'administração pública' corresponde aos anseios da ideologia e a 'política' pode pautar-se pela razão sem trair os ideais que acalenta; desafortunadamente, contudo, isto sói acontecer mui raramente na História.
O contencioso radica, creio, na reiterada mixórdia que amiúde ocorre entre os conceitos de 'administração pública, de um lado, e 'política', de outro:
A 'administração pública' é um espaço de decisão pautado pela escolha racional do caminho, perspectiva ou solução mais eficaz disponível no momento; é, destarte, um domínio onde impera a ação determinada por coordenadas empíricas, isto é, pelas limitações, estruturais e conjunturais, impostas por um dado contexto.
A 'política', por seu turno, é uma esfera de atuação determinada por imperativos essencialmente ideológicos, em outras palavras, pelo desejo que se converte em esforço coletivo; assim sendo, independe de quaisquer injunções ditadas pela razão.
Uma instância concreta do que acabo de expor pode ser constatada ao examinarmos o que ocorre hodiernamente na Venezuela: em termos de 'administração pública', o governo do presidente Hugo Chávez adota, como deve ser, uma perspectiva balizada por critérios de ação racionais, de modo que, por exemplo, as exportações de petróleo para os EUA prosseguem em seu curso normal; por outro lado, no que tange à esfera 'política', Chávez pode dar livre curso a seu desiderato ideológico, conclamando o continente ao enfrentamento antiimperialista.
Claro está que a situação ideal surge quando se torna possível uma convergência, tanto de propósitos quanto operacional, entre as duas esferas; ou, em outras palavras, quando a 'administração pública' corresponde aos anseios da ideologia e a 'política' pode pautar-se pela razão sem trair os ideais que acalenta; desafortunadamente, contudo, isto sói acontecer mui raramente na História.
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