Alphonse van Worden - 1750 AD
Como temos amiúde salientado em diversas ocasiões,
o processo da GRANDE SÍNTESE, vale dizer, da ampla convergência entre as
principais correntes de pensamento anticapitalistas, antiliberais e
antiburguesas, por um lado; e, por outro, as principais tradições esotéricas
(mormente as de cunho não-dualista) da revolta gnóstica contra o 'racionalismo
político' (iluminismo, liberalismo, 'Sociedade Aberta', marxismo ortodoxo,
etc.) ao longo da História, reverbera essencialmente a Geografia Sagrada de
cada complexo civilizacional, isto é, seu conjunto de Arquétipos Tradicionais e
Mitos Fundadores, que, por seu turno,
fornecerão os alicerces das formas políticas, valores espirituais, paradigmas
existenciais e tendências culturais de cada nação.
Destarte, se queremos levar a efeito tal dinâmica
no Brasil, é mister indispensável estarmos atentos não só aos elementos acima
elencados, mas também aos homens que, d’uma forma ou d’outra, encarnam, pois,
esta ‘geografia sagrada’ de nosso povo, de nossa nação. A esse respeito, por exemplo, assoma em plano
de destaque a fulgurante figura de Glauber Rocha, grande profeta da revolução
messiânica brasileira em seus filmes e textos incandescentes, onde a fusão
entre Política, Mito e Mística é demonstrada / vivenciada à perfeição.
No presente texto, não obstante, trataremos d’um
autor que, assim como o insigne artista baiano, não somente compreendeu
profundamente os meandros da alma brasileira, mas também refletiu de forma
heurística e ousada sobre as formas políticas
propícias ao desenvolvimento nacional,
muito embora n’outra clave, de índole sistemática, argumentativa: o
jurista e político mineiro Francisco
Luís da Silva Campos (1891 - 1968).
Deputado
federal (1921 - 1926); criador da Legião de Outubro (1930), primeiro movimento
político de índole terza posizione organizado no Brasil; Ministro da
Educação (1931 - 1932); Ministro da Justiça (1932 / 1937 - 1942); autor de
numerosas obras no campo do Direito, da Filosofia Política e da Educação;
redator da Constituição de 1937 e do A-1 (1964), nosso 'Chico Ciência' (epíteto
que recebeu em virtude da assombrosa erudição e agudeza d'espírito) esteve no
centro de gravidade da vida política nacional por quase meio século,
apresentando uma plêiade de contributos exponenciais não só no plano da ação
institucional, mas também no âmbito da batalha das ideias.
O objetivo
deste artigo consiste em delinear principais idéias esposadas pelo autor em sua
obra mais importante no campo da filosofia política, O Estado Nacional:
sua estrutura, seu conteúdo ideológico (1940), onde Campos lança
em nosso país as bases doutrinárias d'uma 'revolução conservadora' de natureza
decididamente antiliberal e centralizadora.
A esse respeito, vale sublinhar que as ideias abraçadas pelo prócer
mineiro se desenvolvem no esteio das teorias formuladas pelo jurista,
politólogo e filósofo alemão Carl Schmitt (1888 - 1985), onde a esfera da política é definida como sendo o terreno privilegiado da
contraposição fundamental, da disjuntiva 'amigo/inimigo', sem apelo a quaisquer
injunções de cunho ético ou racional. Em Legalität und Legitimität (“Legalidade
e Legitimidade” - 1932), o pensador alemão leva a efeito um minucioso trabalho
de desmonte das ficções jurídicas e políticas do Iluminismo e do liberalismo
político, assestando suas baterias contra o mero formalismo institucional que
informa a democracia moderna em sua forma parlamentar. Encontra-se aí, bem como em outras obras do
autor, uma brilhante análise dos
paradoxos da democracia parlamentar e de sua tendência em substituir a decisão
política pela exclusiva valorização da maioria quantitativa dos votos. O que está em jogo, portanto, tanto para Schmitt
quanto para Campos, é o processo pernicioso de substituição da legitimidade,
que emana de seu guardião (o soberano), pela legalidade, fazendo-se desta
última condição suficiente para legitimar a decisão. Assim sendo, o ponto mais
fraco do sistema de representação parlamentar consiste na transformação de
questões político-substanciais em processos de mera quantificação dos votos,
sem que se possa impedir a tomada de decisões que atentem contra os interesses
do Estado. Para Schmitt, e também para
Campos, a força concentrada em um ‘Estado total’ é a única saída para a teia de
contradições geradas pelo pluralismo de partidos e lobbies econômicos,
que o jurista alemão define “como os contratorpedeiros da ordem
institucional”. A modernização do Estado
brasileiro, conforme crê o autor mineiro, tão somente poderá ser lograda de
forma vertical e orgânica, libertando o país da influência perniciosa da
política partidária, isto é, do ‘balcão de negócios’ das assembleias
legislativas, onde prevalência dos interesses particulares dos diferentes
grupos políticos sobre os imperativos nacionais prejudica ou até mesmo impede a
atuação eficaz dos órgãos técnicos da administração estatal: tornam-se
impraticáveis, salienta Campos, a “disciplina e trabalho construtivo num sistema [o da democracia de partidos] que,
na escala dos valores
políticos, subordina os superiores aos inferiores e o interesse do Estado às
competições de grupos.”
Destarte, as concepções de Francisco Campos, como
ideólogo precípuo do Estado Novo, se inserem no contexto geral d’uma crítica às
instituições da democracia liberal e seus pressupostos teóricos. A esse
respeito, reveste-se de especial importância a conferência A política e as características espirituais do nosso tempo,
proferida pelo autor no salão da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro em 28
de setembro de 1935.
Já a partida Campos define a época em que vive como
um período de ‘transição’, onde as velhas certezas e convicções já não mais
funcionam como d’antes, e toda uma nova maneira de encarar a realidade se faz
dramaticamente necessária. Ilustra à perfeição tal estado de coisas, salienta o
autor, a situação em que então se encontra o processo educacional:
“O que caracteriza a educação, em nossos dias, é
que ela não é uma educação para este ou aquele fim, para um quadro fixo, para
situações mais ou menos definidas, mas não sei para que mundo de possibilidades
indeterminadas; não uma educação para tais ou quais problemas, porém uma
educação para problemas, uma educação que se propõe não a fornecer soluções,
mas uma atitude funcional do espírito, isto é, uma atitude para o que vier,
seja o que for e de onde quer que venha, como a sentinela atenta, noite escura,
às sombras e aos rumores”.
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