segunda-feira, julho 02, 2012

O 'Problema da Indução' em David Hume - IV

Alphonse van Worden - 1750 AD

























Hume nos indica, por exemplo, que da observação de n cisnes, tal que todos eles sejam brancos, não podemos inferir a conclusão de que todos os cisnes são brancos; isto é, não é possível identificar qualquer conexão necessária que justifique a seguinte proposição: todos os cisnes até hoje encontrados são brancos; x é um cisne; logo, x é branco. 

Formulada de modo dedutivo, a mesma proposição se apresentaria da seguinte forma:


Todos os cisnes são brancos
x é cisne
Logo, x é branco


Contudo, devemos sublinhar, a premissa maior de tal dedução é, inequivocamente, uma generalização baseada em um dado número de observações realizadas no passado, isto é, de uma generalização estabelecida através de inferência indutiva. Ao descobrirmos, através da experiência, que existem cisnes negros, a referida premissa torna-se falsa, comprometendo o resultado da dedução que se segue; enunciados dedutivos, portanto, se estabelecem necessariamente a partir de generalizações indutivas, ou seja, a partir de inferências passíveis de falsificação empírica. Dessa maneira, como podemos constatar, o problema volta a emergir: não podemos, a partir de nossa experiência, estabelecer nenhuma conexão necessária segundo a qual, depois de observarmos n vezes que X é B, nos seja permitido inferir a generalização todo X é B.

Todavia, como já ressaltamos, o próprio filósofo escocês salienta que os seres humanos fazem uso contínuo, em seu cotidiano, de inferências baseadas em uma conexão necessária entre os dados da experiência. Para Hume, trata-se de um fenômeno psicológico, que se alicerça na formação de hábitos: a observação de séries repetidas de eventos nos leva a pensar em termos de regularidades no passado e no presente, que por sua vez irão necessariamente acarretar regularidades futuras. Assim sendo, compreendemos o mundo à nossa volta em termos de regularidades, que denominamos leis naturais. Fazemos observações específicas sobre as propriedades ou processos de comportamento das diversas entidades e procuramos nos certificar da vigência de leis naturais regulares e contínuas. Em outras palavras: usamos a indução para inferirmos, de casos específicos, leis gerais abstratas e não-observáveis, buscamos obter generalizações racionais a partir da enumeração de casos particulares.

O Homem, em suma, parte do pressuposto da existência de uma regularidade em vigor na Natureza. Tal suposição é subjacente na mente humana, e justifica o pensamento de que ‘se sempre foi assim no passado, continuará sendo da mesma forma no futuro’. O problema básico, dessa maneira, reside no fato de que inferências indutivas estão tão somente baseadas em observações presentes ou passadas, não podendo, pois, fundamentar generalizações que ultrapassem as evidências que nos são facultadas por nossas experiências passadas e presentes. Generalizações indutivas, constata Hume, não podem provar que o que ocorreu no passado, e continua ocorrendo no presente, continuará necessariamente a ocorrer no futuro. Nossas induções, contingentes ou necessárias, estão inevitavelmente lastreadas por uma crença (a regularidade dos fenômenos da natureza) que não pode ser logicamente justificada. Assim sendo, um cientista pode realizar o mesmo experimento milhares de vezes, sob centenas de condições diferentes, e obter sempre o mesmo resultado; mas não poderá assegurar, todavia, que o mesmo resultado sempre será obtido.

Observemos agora a natureza da questão em pauta por intermédio de um célebre exemplo fornecido pelo filósofo escocês:


O Sol nasceu todos os dias no passado 
O Sol continua nascendo no presente 
Se o Sol nasceu todos os dias no passado e continua nascendo hoje, 
Logo, nascerá também amanhã 


E do conhecimento de todos que o Sol nasce todos os dias desde o princípio da História, mas isto não nos fornece nenhuma prova cabal de que irá ou não nascer amanhã. É possível, por exemplo, imaginarmos o advento de uma divindade que impeça o nascimento do Sol amanhã. Hume argumenta que não embora não tenhamos qualquer evidência que indique o aparecimento de semelhante divindade, tampouco possuímos uma evidência contrária. Assim sendo, não podemos afirmar com certeza se o Sol nascerá ou não amanhã.

Uma vez que inferências indutivas não podem ser assentadas sobre critérios de verdade como os que asseguram a validade das inferências dedutivas, o que fazer? Talvez pudéssemos concluir, num primeiro momento, que a indução deve ser abandonada enquanto processo de raciocínio legítimo, e que devemos nos limitar aos procedimentos dedutivos. Todavia, considerando-se que o raciocínio dedutivo não nos permite fazer previsões sobre ocorrências futuras, na medida em que suas assertivas derivam de generalizações já estabelecidas, como seria possível o conhecimento científico, que se constitui precisamente através de hipóteses formuladas a partir de observações empíricas no passado e no presente? Sem o recurso aos processos indutivos de raciocínio, a constituição do conhecimento científico se tornaria, como podemos constatar, uma tarefa impossível. É patente, pois, a conclusão de que o Homem não pode abdicar do uso de métodos indutivos em seu processo cognitivo. Entretanto, de que modo podemos fundamentar, justificar as crenças obtidas por intermédio da indução, uma vez que se baseiam em hipóteses sobre eventos ainda não verificados?

A partir das dúvidas formuladas pelo filósofo escocês, o problema da indução se transforma, portanto, em uma questão crucial para a Filosofia, sobretudo para as escolas de pensamento que se desenvolvem no quadro de uma tradição empirista e pragmática.

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