Em termos puramente 'passionais', os angelenos do X continuam a ser uma de minhas bandas prediletas até hoje. Quiçá em função da intensa voltagem emocional gerada pelos duetos vocais entre Exene Cervenka e John Doe, no mesmo plano de deslumbramento dos memoráveis Grace Slick / Marty Balin (Jefferson Airplane); talvez então pelo facto de a banda ser uma espécie de síntese magistral de várias tradições musicais norte-americanas, fundindo rockabilly, rock de garagem, folk e country music com o nascente punk rock; ou porventura pela simplicidade perfeita e cristalina do interplay entre a 'cozinha' segura e vigorosa de Doe e D.J. Bonebrake e o uivo seco da hipercinética guitarra de Billy Zoom, que chegou a tocar na última formação a acompanhar o mítico Gene Vincent. Seja como for, o que importa é que se trata de uma TREMENDA banda de rock'n'roll, cujo fascínio imamente, de todo indiferente ao desgaste do tempo, só faz aumentar a cada ano que passa.
Mesmo sem desfrutar de grande repercussão midiática, ou de um sucesso de vendas expressivo, o X transformou-se em figura icônica da cultura popular estadunidense, justamente por sua capacidade em sintetizar diferentes tradições e linguagens através de uma visão única, espécie de encruzilhada ideal onde o rock'n'roll atinge uma alquimia perfeita. Ademais, liricamente falando, a banda logrou um nível de realização raras vezes alcançado no underground americano: no começo, a temática das letras de Exene e John concentrava-se mais em aspectos confessionais, verbalizando spleen desesperado e desorientação existencial com verve poética e elegância ímpar; posteriormente, a dupla abordaria questões políticas sociais de uma maneira sensível e incisiva, sem jamais recair em panfletarismos rasteiros.
O álbum em tela, o segundo de sua carreira, representa um ponto de inflexão na carreira sa banda: se em Los Angeles (1980), a banda lança os fundamentos de um punk rock que estrategicamente se abre para a tradição, conferindo profundidade de campo e capilaridade histórica a uma sonoridade então em voga, em Wild Gift (1981), o X revela-se atemporal, a um só tempo clássico e contemporâneo, revelando as marcas do tempo e, ainda assim, sendo extremamente atual; assim sendo, o que temos é um assombroso desfile de imaculadas fusões, onde idiomas distintos convivem como se estivessem conjugados desde o berço: desvario punkabilly em "Beyond and Back", "Back 2 the Base" , "Year 1", "I'm Coming Over"; lirismo punk/folk em "Adult Books", "White Girl", "Some Other Time"; frenesi country/punk em "In This House That I Call Home", "It's Who You Know", "The Once Over Twice"; hard rock tingido de punk em "Universal Corner", etc.
Esse profícuo diálogo com o passado não cessaria, contudo, neste álbum, assumindo novos horizontes e ambições em pérolas como Under The Big Black Sun (1982) e More Fun In The New World (1983); não obstante, talvez haja sido em Wild Gift que tais exercícios de síntese tenham atingido atingido máxima perfeição, transfigurando o presente no espelho do passado, e transformando o passado em imagem do presente.
Insomma, confrades: um DISCAÇO!
___
Ten. Giovanni Drogo
Forte Bastiani
Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros
Sem comentários:
Enviar um comentário