Alphonse van Worden - 1750 AD
O filósofo e lógico alemão Carl Gustav Hempel (1905-1997), participante, assim como Reichenbach, do célebre Círculo de Viena, irá retomar, em obras como
Aspects of scientific explanation and other essays in the philosophy of science (1965) e
Philosophy of natural science (1966), a idéia de relacionar
indução e
probabilidade; Hempel considera, todavia, que a probabilidade em tela não é estatística: trata-se da probabilidade de enunciados, e não de classes de acontecimentos. Compreendendo a noção de probabilidade em termos de
credibilidade racional (em outras palavras, de enunciados indutivos aos quais um conjunto de X experimentos conferiu, até o presente momento, um elevado grau de probabilidade), a proposta de Hempel, formulada no âmbito da Filosofia da Ciência, já não pretende afirmar que
a tem uma crença justificada em b (CJab), mas tão somente que
a tem uma crença racional em b (CRab). É importante salientar a distinção existente entre as duas proposições acima:
CRab nos informa tão somente que a crença de
a em
b é racional, em outras palavras, é dotada de consistência probabilística; em
CJab um passo à frente é dado: a crença em questão é não apenas racional, mas cientificamente justificada.
É possível constatar, no contexto de uma concepção como a de Hempel (e também na proposta de Russell), um amplo deslocamento conceitual em relação à proposta original de Hume, no sentido de passar da busca de uma justificação para a indução
tout court para o projeto de uma justificação que permita o uso da indução em ciência e filosofia. Um problema fulcral, entretanto, permanece: que tipo de indução a filosofia e a ciência devem ou podem empregar?
O problema de associação entre indução e probabilidade, no âmbito do pensamento de Hempel, pode ser sintetizado da seguinte maneira: Se a probabilidade de que
A ocorra é independente em cada ocasião, sua probabilidade não aumentará com obtenção do mesmo resultado em ocasiões futuras; sua probabilidade, ao contrário, continuará sendo a mesma em todas e em cada das ocasiões, como já nos foi possível constatar examinando os exemplos propostos por Russel. Se a possibilidade de que
A ocorra é, portanto, explicável em termos probabilísticos tanto, estamos diante de uma
probabilidade condicionada, e faz-se mister demonstrar se tal relação é estatística ou necessária; sendo estatística, sua demonstração envolve
petitio principii, e sendo indutiva, é circular, conforme também já observamos em Russel.
No supracitado
Aspects of scientific explanation and other essays in the philosophy of science (1965), C. G. Hempel nos apresenta o seguinte exemplo, bastante ilustrativo em sua análise da natureza das inferências indutivas; consideremos, pois, as proposições abaixo:
1)
A é F
2) a proporção de
F que é
G é
q
3) Logo, considerando-se
q,
A é
G
O enunciado (2) estabelece que uma determinada proporção
q de
F é
G, o que necessariamente implica que o valor de
q é finito, assim como o conjunto
F pode ser considerado igualmente finito; contudo, na análise da freqüência de um determinado fator no âmbito de uma dada comunidade humana, como no exemplo de Hempel em tela, é forçoso considerarmos não apenas a eventualidade de um índice de erros x aleatoriamente ocorridos, bem como a imprecisão no próprio universo de amostragem pré-determinado, de modo que a amostra escolhida possa revelar-se inadequada em virtude de questões meramente aleatórias, e não em função de princípios metodológicos prévios; isto significa que, numa série de
n ocorrências do conjunto
F, temos de considerar uma série
m, tal que
m < n, de ocorrências aleatoriamente escolhidas. Em outros termos: apenas um subconjunto do conjunto de observações realizadas intervém na análise estatística, e tal subconjunto é constituído por elementos escolhidos ao acaso; e por sua vez, tendo em vista a lei dos números cardinais, a freqüência-limite teórica exige que o número de elementos do conjunto seja infinito.
Em
Provisoes: A Problem Concerning the Inferential Function of Scientific Theories, artigo publicado em 1988, Hempel trabalha a questão da inferência indutiva ao criticar um aspecto característico da teoria da ciência do positivismo lógico: a natureza dedutiva das teorias científicas. O autor procura demonstrar a impossibilidade de deduzirmos quaisquer assertivas de uma teoria científica: por exemplo, a teoria newtoniana da gravitação não pode determinar a posição dos planetas mesmo que as condições iniciais sejam conhecidas, pois trata da força gravitacional e, portanto, não pode prever as influências exercidas por outros tipos de força. Em outras palavras: a teoria de Newton requer um enunciado inequívoco – ou uma
condição, na terminologia de Hempel – afirmando que os planetas estão sujeitos apenas à força da gravidade; sem essa hipótese, portanto, é impossível aplicar a referida teoria ao estudo dos movimentos planetários. Mas tal hipótese, salienta o filósofo alemão, não é parte constitutiva da teoria e, desse modo, a posição dos planetas não é
determinada pela teoria, mas sim
inferida pela teoria em associação com as conjeturas pertinentes.
Da mesma forma, assim como as proposições investigativas não estão vinculadas à teoria, também não existem elos dedutivos entre as asserções investigativas; conclui-se, pois, que é impossível o resultado de uma investigação ser conseqüência lógica de uma teoria (a não ser que a afirmação seja
logicamente verdadeira).
A supracitada constatação tem conseqüências sobremaneira importantes. Uma delas, por exemplo, assevera a não existência de conteúdo empírico em uma teoria. Os neopositivistas tradicionalmente definem esse conteúdo como o conjunto de proposições investigativas implicadas por uma teoria; mas este conjunto, argumenta Hempel, seria um conjunto
vazio. Outro corolário relevante nos diz que os termos 'teoréticos' não podem ser eliminados de uma teoria científica. Os métodos empregados para levar a cabo esse objetivo asseguram que, para cada teoria
T, é possível encontrar uma teoria
T’ desprovida de termos teoréticos, de modo que um enunciado investigativo
E seja uma conseqüência de
T’, se e somente se, for uma conseqüência de
T; assim sendo, seria possível retirar os termos teoréticos de
T sem ocasionar perda de seu poder dedutivo. Todavia, assevera Hempel, nenhuma conclusão de um enunciado investigativo
E é derivável de
T, de modo que a
T’ faltaria, portanto, conseqüência empírica. Suponhamos, propõe o filósofo alemão, que
T seja uma teoria falsificável; logo há uma proposição investigativa
I de modo que
~I → ~T. Devemos então conclui que
T → ~ I;
T impõe, pois, uma proposição investigativa
~ I. Contudo, nenhuma conclusão investigativa é uma conseqüência de
T e, assim sendo, a teoria
T não é falsificável: a conseqüência, segundo Hempel, é que as teorias científicas não são falsificáveis em termos de sua estrutura formal, mas apenas em suas aplicações empíricas a posteriori.
Finalmente, segundo Hempel, a interpretação da ciência fruto de uma concepção instrumentalista não é defensável. De acordo com tal concepção, as teorias científicas operam como modalidades de regras de inferência, isto é, preceitos dos quais derivam-se as conclusões investigativas. A análise de Hempel mostra que essas supostas regras de inferência são efetivamente inconsistentes e até mesmo nulas.