sábado, maio 01, 2010

Breve nota sobre a disjunção 'Tradição / Tradicionalistas'

Alphonse van Worden - 1750 AD






Preclaros irmãos d'armas:

Tendo em vista a centralidade do conceito de TRADIÇÃO para qualquer movimento político que se insira no espectro do antiliberalismo, torna-se mister, portanto, para os que comungam de tal acervo de ideias, esboçar algumas considerações a propósito.


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A meu juízo, o que se deveria entender por TRADIÇÃO, no sentido mais lato do termo, é um corpo de doutrinas, saberes, ritos, costumes, normas e ordenamentos que interage continuamente com o Presente, tornando-se, assim, capaz de fecundar o Futuro. Trata-se, pois, d’um processo DIALÓGICO, onde o que FOI flui através do que É para engendrar o que SERÁ.

Por outro lado, defino como ‘tradicionalista’ qualquer perspectiva que, encerrando o legado d’uma determinada tradição numa esfera impermeável, impõe-lhe a fixidez do rigor mortis conceitual e, ao fim e ao cabo, reduzindo-a à condição fóssil, lhe impossibilita qualquer possibilidade de intervenção na História.

A Tradição é, pois, um organismo pleno de energia vital; os ‘tradicionalistas’, por seu turno, elementos que se conformam em fazer a autópsia de um cadáver que, inadvertidamente ou não, eles próprios gestaram.

Transmitida per saecula saeculorum num fluxo permanente, a Tradição é sempre uma força heurística, capaz de propagar-se em novas formas que obedecem a imperativos não raro desconhecidos dos homens comuns e, portanto, acessíveis e compreensíveis tão somente aos grandes iniciados. À guisa de ilustração, podemos afirmar que nada há de mais revolucionário, por exemplo, que o desaparecimento de ínclitas tradições como a nórdica e celta, para a chegada d'uma nova, o Cristianismo, ou também do desaparecimento do brahmanismo para o advento do budismo, e mais tarde da ressurreição do brahmanismo frente ao budismo na Índia. Essa extraordinária dinâmica auto-renovadora da Tradição é ignorada pelos 'tradicionalistas', que não atentam para o facto de que a Tradição, malgrado impessoal, não-humana e além do espaço-tempo, faz uso de meios pessoais e temporais no intuito de indicar à Humanidade as sendas para a realização espiritual.

Cultivar uma Tradição é, portanto, exaltar a presença ativa de sua potência criadora. Destarte, quando, por exemplo, um Marinetti escreve, no manifesto inaugural do Futurismo, que “um automóvel de corrida com seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugidor, que correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia”; ou que é preciso “destruir os museus, as bibliotecas, as academias de toda natureza”, seria insensato, para não dizer estúpido, tomá-lo ao pé da letra. O célebre escritor italiano estava, na verdade, através de hipérboles deliberadamente caricatas, lançando nas entrelinhas uma sábia advertência: o culto marasmódico a qualquer tradição, por mais pujante que ela possa ser, ocasiona a perda de sua capacidade heurística, transformando-a num orco cinéreo de símbolos mortos e ‘relíquias’ inertes.

Não há, portanto, pior inimigo para a Tradição que o próprio ‘tradicionalista’, que extrai a seiva vital de seu objeto de adoração até convertê-lo num deserto lunar.

Honrar a Tradição significa, enfim, encará-la como força dinâmica, feraz, ‘princípio alquímico’ capaz de amalgamar passado, presente e futuro para lograr o ETERNO.

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