Esta genial banda francesa apresenta, creio eu, uma das trajetórias mais instigantes na história do
avant prog. Assim como ocorre no King Crimson (grande influência para a formação gaulesa que ora abordamos), o Heldon é, de facto, a encarnação das idéias musicais de um guitarrista, o francês Richard Pinhas, refletindo, pois, em suas diferentes fases e formações, as obsessões e interesses de seu mentor.
Desse modo, em sua primeira fase entre 1974 e 1975, representada pelos álbuns
Electronique Guérilla (1974),
Heldon II: Allez Teia (1975) e
It's Always Rock and Roll (1975), a banda se caracteriza por tapeçarias eletrônicas minimalistas e hipnóticas, no esteio do trabalho de Fripp/Eno em
No Pussyfooting (1973), do seminal Kluster e dos primeiros discos do Tangerine Dream. Predominam, pois, guitarras 'tratadas' por uma infinidade de dispositivos eletrônicos, bem como por texturas
ambient noise geradas a partir de moogs, mellotrons, sintetizadores VCS3 e ARP. Confesso não ter lá grande interesse por esses álbuns, que, malgrado muito bem realizados, soam-me um pouco tediosos.
Em 1976, contudo, Pinhas opera uma guinada significativa, tornando o som de sua banda mais ameaçador, claustrofóbico e pesado. O primeiro exemplar dessa metamorfose é a monumental
Perspective IV, épico que encerra
Heldon IV: Agneta Nilsson, com a fuzilaria metronômica e marcial de Coco Roussell e o baixo ultra-saturado de Alain Bellaiche incrementando as modulações guitarrísticas urdidas por Pinhas.
Não obstante, a transformação só se faria completa com o álbum em tela na presente resenha, o estraçalhante
Heldon V: Un Rêve Sans Conséquence Spéciale, também lançado em 1976, onde temos uma espécie de
zeuhl 'crimsoniano' eletrônico ultra-agressivo e alienígena, com a participação especialíssima de notórios 'magmóides' como Janick Top e François Auger, respectivamente no baixo e na bateria, fornecendo uma sólida base rítmica para Pinhas estremecer o Universo com sua guitarra pervertida por toda sorte de distorções eletrônicas.
Uma atmosfera de ominosa paranóia industrialista permeia todo o disco, que se caracteriza por uma produção 'suja' e ruidosa, elevando à enésima potência o ethos agressivo das composições.
Marie Virginie C, faixa de abertura, sem dúvida uma das peças mais emblemáticas em toda a trajetória da banda, estabelece a atmosfera que dominará o álbum: trata-se d'uma espécie de KC viciado em heroína, militando na polícia secreta de um Estado totalitário intergaláctico;
Elephanta, por seu turno, é um caótico tiroteio percussivo, algo como
Can running the voodoo down, demonstrando o extraordinário talento de François Auger nas baquetas; seguem-se dois espartanos exercícios de eletrônica minimal ao estilo da primeira fase de Pinhas (
Perspective IV Ter Muco e
MVC II), levados a efeito, não obstante, com muito mais
punch e intensidade que outrora, o que os torna sobremaneira fascinantes; temos, por fim, em
Toward the Red Line e
Marie et Virginie Comp (versão ao vivo da faixa inicial), mais dois trovejantes
maelstrons de eletricidade
cyberpunk e percussões em
maximum overdrive mode ON, coroando à perfeição um disco verdadeiramente memorável.
A dinâmica consagrada em
Heldon V prosseguiria nos álbuns seguintes,
Heldon VI: Interface (1978) e
Heldon VII: Stand By (1979), que expressam o estágio final de maturação do novo Heldon, onde o grupo trabalha de forma exemplar as sonoridades
ambient da fase inicial, integrando-as organicamente ao contexto de uma sonoridade sombria e turbulenta.
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Ten. Giovanni Drogo
Forte Bastiani
Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros
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