quinta-feira, junho 01, 2006

Em defesa do 'Populismo'!

Alphonse van Worden - 1750 AD






Reaparece um espectro sobre as Américas - o espectro do populismo. Todos os poderes do Novo Mundo estão a conjugarem-se para a santa caçada a esse espectro, os lambe-botas do Império, os jornalistas e políticos 'sérios', os intelectuais soi disant 'bem pensantes'.

Unem-se todos os sabichões e homens probos, pois, na satanização ritual da besta-fera populista, ora encarnada sobretudo no venezuelano Hugo Chávez e no boliviano Evo Morales, cujos maus exemplos de soberania e desassombro político suscitam reações indignadas nos que desejam ver o continente eternamente agrilhoado às estruturas de submissão internacional; assim sendo, não se pode permitir que Chávez, por exemplo, promova o surgimento do poder popular de base via círculos bolivarianos, nem tampouco o resgate da dívida social de seu país por meio das missiones; da mesma forma, deve Morales ser impedido de prosseguir em sua lídima defesa do patrimônio energético boliviano. Aliás, trata-se da mesma sórdida e espúria 'indignação' que se voltou no Brasil contra Getúlio Vargas e João Goulart; no México contra Lázaro Cárdenas; em Cuba contra Fidel Castro; na Guatemala contra Jacobo Arbenz; na própria Bolívia contra Juan José Torres; no Peru contra Velasco Alvarado; na Nicarágua contra Sandino; em El Salvador contra Farabundo Martí; na Argentina contra Perón; enfim, contra todos os que, com maior ou menor acerto, de forma mais ou menos revolucionária, com maior ou menor êxito e permanência, tentaram de alguma forma implementar reformas sociais profundas em nosso continente; reestruturar nossas economias nacionais em bases soberanas e voltadas para o desenvolvimento humano; promover a defesa da cultura nacional e das matrizes simbólicas mais profundas de nossa gente; libertar nossos países da obscena ingerência política, econômica e cultural dos Eua; em suma, contra todas as tentativas de mudar o destino de nosso continente, de desbravar novos horizontes de justiça social e prosperidade econômica.

Cá no Brasil esta perseguição inquisitorial deita raízes intelectuais mormente no cardinalato das ciências sociais uspianas, esfera onde todos, dos Florestan Fernandes aos FHC; dos Giannoti aos Ianni; dos Weffort aos Bresser; enfim, todos os apóstolos do "padrão científico de trabalho" (como se a sociologia tivesse real lastro científico, que piada!) contra a riqueza literária da tradição ensaística de nosso pensamento social (algo patente na produção intelecual isebiana, por exemplo), os 'sumo-sacerdotes' do 'credo' paulistocêntrico, quer sejam tucanos, quer sejam petistas, em uníssono se irmanam no 'horror sagrado' a Getúlio Vargas, a João Goulart, a Francisco Julião, a Leonel Brizola, a Miguel Arraes; ou então, no plano acadêmico, a Alberto Torres, a Werneck Sodré, a Gilberto Freyre, a Guerreiro Ramos, a Darcy Ribeiro, a Vieira Pinto. Não admitem, pois, que os alicerces para o desenvolvimento econômico auto-sustentável de nosso país tenham sido lançados durante o tão demonizado regime do Estado Novo, nem que a cultura nacional tenha sido pela primeira vez pensada e planejada em bases autóctones e sistemáticas (vide Gustavo Capanema, Mário de Andrade, Villa-Lobos, etc.) exatamente durante este mesmo período; tampouco se lembram de iniciativas cruciais como o DASP, que estruturou todo o aparato do serviço público no Brasil, ou da criação de empresas como a Petrobrás e a CSN, fundamentais para a industrialização de nosso país; da mesma forma, menosprezam com grande leviandade o significado do progressista governo Jango, quando pela primeira e única vez estiveram em pauta reformas verdadeiramente substantivas da estrutura do Estado e da sociedade brasileira; também se olvidam, vergonhosamente, da trajetória de lutas de um Brizola ou de um Arraes, homens que defenderam a democracia e a dignidade do povo brasileiro à custa de grandes sacrifícios pessoais. Tudo isto, pois, é vilipendiado em nome do marco zero da ‘modernidade’ política em nosso país, isto é, o advento da dupla dinâmica PT-PSDB, os gloriosos avatares da social-democracia 'iluminista', que vieram como heróicos 'paladinos' para resgatar o Brasil das trevas do autoritarismo (sem no entanto jamais atentarem tanto para o pior aspecto do legado da ditadura militar, que foi a submissão estrutural de nossa economia a mecanismos exógenos de controle; quanto para o que houve de melhor, isto é, a adoção de um projeto de desenvolvimento nacional para o Brasil, um 'norte' claro, preciso e meridiano, com amplos investimentos em infra-estrutura), bem como para evitar que a ‘irresponsabilidade’ de líderes carismáticos desvie nossa país da cartilha ditada pelos centros de poder internacionais.

Todos estes enciclopedistas de fancaria, políticos ‘responsáveis’ e homens de imprensa ‘sérios’, confluem para o mesmo cantochão monocórdio: abaixo o populismo! Não obstante, há algo de profundamente inconfessável nessa 'cruzada' secular, um ‘não dito’ nebuloso e tenebroso: o ódio senhorial desses augustos 'fidalgos' não está voltado tão somente contra determinados políticos ou ideologias, mas também contra a própria alma do homem latino-americano, contra nossos povos atavicamente emotivos, místicos, messiânicos e fatalistas, de todo avessos aos ideais ‘civilizados’ de ultramar, cultuados em prosa e verso por essas elites exógenas que tencionam escravizar nossos corações e mentes a credos que não nos representam. Destarte, o que denominam ‘populismo’ é a vera expressão política de nosso ethos mais recôndito e vital, a emanação mais profunda de nossos desígnios e sonhos, o alpha e o omega de nossa imorredoura luta por dignidade e independência. Tais pseudo-aristocracias detestam, em suma, a própria alma do povo.

Não obstante, meus caros confrades, o generoso sonho dos grandes caudilhos libertários permanece vivo, não só como memória histórica mas como combate hodierno! Não nos envergonhemos, pois, de prosseguir na refrega pelo resgate político, econômico, cultural e existencial de nosso continente, seja através da luta política tradicional, seja por intermédio das teologias messiânicas da ação revolucionária que estão a emergir. E pouco incomoda-nos o facto de que os envenenadores da consciência pública nos pespeguem o rótulo de ‘populistas’! Assumiremos esta ou qualquer outra alcunha, pois o que realmente importa é a infrene defesa dos ideais históricos de nossa gente!

Sem comentários: