sábado, abril 08, 2006

A cultura de massas norte-americana e sua dimensão simbólica




Por mais que dela tentemos escapar, bem como fazer-lhe frente, a fabulação mitológica da cultura pop norte-americana é extremamente fascinante e hipnótica, operando com assustadora eficácia em todos os níveis, do mais evidente mainstream ao mais recôndito underground.

Seu principal instrumento de persuasão é, a meu ver, o sonho da liberdade individual irrestrita, seja num registro de jaez conformista, enfatizando a livre iniciativa capitalista, o ideal do self made man, seja num plano contestatário, sublinhando a revolta contra os velhos parâmetros e instituições. O que importa, pois, em todos os níveis, é a ênfase na capacidade de o indivíduo construir seu próprio destino, 'inventar' seu próprio modo de vida. Assim sendo, creio existir um invisível elo, um fio condutor, um jogo de linguagem que logra estabelecer um vasto arco conceitual abrangendo desde uma Britney Spears a um Jim Morrison. Não quero aqui aventar, é mister salientar, a hipótese conspiratória de um planejamento central coordenando tudo isto, mas apenas apontar a existência de uma weltanschauung latente neste universo cultural: a crença de que 'se você quiser, você pode'. Obviamente esta noção envolve um perigoso cariz reaccionário, já que desconsidera a necessidade da articulação coletiva como expediente mais importante num processo de transformação, mas também me parece trazer embutida em si um elemento progressista, que é a possibilidade de o indivíduo suplantar a circunstância de uma estrutura social, em escala micro ou macro, que lhe é desfavorável.

Há ainda outros aspectos relevantes que poderiam ser abordados, e sirvo-me aqui, para efeito de ilustração, de um tipo de filme para adolescentes muito comum na Holywood dos anos 80, obras a meu juízo extremamente sedutoras em termos de fabulação simbólica e imagética como Sixteen Candles (1984), The Sure Thing (1985), The Breakfast Club (1985), Pretty in Pink (1986), Ferris Bueller's Day Off (1986), Can't Buy Me Love (1987), etc. (boa parte deles dirigidos/escritos e/ou produzidos pelo genial John Hughes).

O aspecto mais paradoxal nestas produções reside no facto de que, a despeito de serem legítimos produtos mainstream da Indústria Cultural, não raro veiculam mensagens de conteúdo decididamente libertário e humanista. Ganchos temáticos arquetípicos tais como, por exemplo, o garoto tímido, gorducho e sensível ficar com a menina mais bonita da escola no baile de formatura, derrotando o capitão brutamontes do time de rugby; a mocinha desajeitada e pouco atraente, porém doce e sincera, e que no final consegue conquistar o rapaz mais disputado da escola; o garoto que à partida quer apenas sexo e romances passageiros, mas que aos poucos descobre a importância de um relacionamento com lastro afetivo forte; o latino, o negro, o homossexual, o aborígene, de início rejeitados pelo establishment oficioso dos 'louros, altos e fortes' da turma, mas depois plenamente aceitos, em aliança com seus colegas mais solidários; o jovem que de forma lúdica logra desafiar a autoridade constituída, seja na família, na escola ou n'outro âmbito, são situações que, a despeito de seu caráter eventualmente frívolo e pueril, comportam uma dimensão simbólica muito poderosa, uma vez que não somente configuram o triunfo do 'pequeno' e do 'fraco' sobre o 'grande' e o 'forte', mas também a vitória dos sentimentos autênticos, bem como dos valores de solidariedade e amizade, sobre o imperativo dos valores materiais, do egoísmo ou elitismo cruel.

Bem sabemos, claro está, que tudo isto é no mais das vezes uma cornucópia de ilusões idilícas com objetivos meramente lucrativos, mas é também inegável, quero crer, a presença larvar de uma dimensão potencialmente libertária nestes produtos, de uma mensagem subliminar de liberdade.

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Ten. Giovanni Drogo

Forte Bastiani

Fronteira Norte - Deserto dos Tártaros

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