segunda-feira, abril 02, 2012
O 'Problema da Indução' em David Hume - I
Alphonse van Worden - 1750 AD
Cá examinaremos, diletos confrades, a formulação do Problema da Indução no pensamento de David Hume O filósofo escocês publicou seu primeiro estudo sobre a referida questão em seu Treatise of Human Nature (3 volumes, 1739-40), relacionando-a com o problema da causalidade, e asseverando que de nossa experiência sensível não podemos estabelecer nenhuma conexão necessária entre os fatos. Antes de passarmos ao exame propriamente dito das concepções humeanas acerca do raciocínio indutivo, faz-se mister, a meu juízo, que levemos a cabo uma breve exposição dos argumentos e princípios constitutivos de sua Teoria das Idéias.
Na introdução de seu Treatise, Hume afirma que o conhecimento científico se relaciona intrinsecamente com a natureza humana, uma vez que as ciências “dependem do discernimento dos homens, e são julgadas por suas capacidades e faculdades” (Treatise of Human Nature, Introdução) O filósofo escocês, atestando a existência de uma interdependência necessária entre as ciências e as faculdades intelectuais do Homem, estabelece que a validade dos ramos particulares do Conhecimento, bem como do próprio Conhecimento em si mesmo, somente pode ser determinada a partir de um estudo sobre a natureza constitutiva de nossos processos cognitivos. Em outras palavras: a elaboração de uma teoria naturalista acerca da cognição humana é, no entender de Hume, condição sine qua non para a compreensão dos processos operacionais que norteiam qualquer investigação de natureza científica ou filosófica. Tal investigação se configura justamente no esclarecimento da origem das idéias e dos princípios operacionais que governam o raciocínio humano, isto é, no desenvolvimento de uma Teoria das Idéias capaz de fundamentar as diferentes ciências concebidas pelo Homem. Com a elaboração da supracitada teoria, Hume irá estabelecer as diretrizes básicas de sua filosofia empirista: a formulação de um parâmetro consistente de refutação das concepções metafísicas e a elaboração uma teoria explicativa, de cunho naturalista, para a credibilidade que conferimos aos juízos baseados em inferências indutivas. É a partir de uma explanação acerca das origens das idéias e de seus processos de associação que Hume irá, portanto, erigir os alicerces de seu pensamento crítico.
Na abertura da seção 2 de seu An Enquiry concerning Human Understanding (1748), livro onde o autor resume/reformula os conceitos apresentados na primeira parte (Of Understanding) do Treatise, Hume enuncia a noção primordial que irá nortear suas reflexões sobre o conhecimento humano:
Constata-se, pois, que o filósofo escocês apresenta os conteúdos da mente separados em duas espécies de percepções: impressões e idéias. O critério que nos permite fazer a distinção entre as percepções da mente radica em nossa própria experiência pessoal, quando percebemos a nítida diferença entre sentir alguma coisa e pensar sobre alguma coisa. Portanto, as impressões são nossas percepções mais vigorosas, nítidas e intensas, dados fornecidos pelos sentidos tanto internos, como na percepção de um estado de ânimo, quanto externos, como na visão de uma paisagem. As idéias, por sua vez, são modalidades de percepção mais tênues e sutis, que se constituem como representações da memória de nossas impressões.
As percepções, acrescenta David Hume, se apresentam ainda como simples ou complexas; as percepções simples não admitem distinção ou separação, ao passo que, ao contrário, as percepções complexas podem ser divididas em partes, uma vez que resultam da união de percepções simples. Na dinâmica do pensamento, nossas idéias se associam a impressões correspondentes. Tal correspondência, vale dizer, se restringe às idéias e impressões simples, já que as idéias complexas nem sempre correspondem às impressões. No entanto, e este é um ponto crucial na argumentação de Hume, toda idéia simples deriva necessariamente de uma impressão simples correspondente. As idéias simples, portanto, se configuram, no processo cognitivo, como cópias de impressões simples. Se pretendemos, por exemplo, ensinar a alguém o que é a madeira, é preciso que proporcionemos ao indivíduo em questão, apresentando-lhe algum objeto feito de madeira, uma impressão da madeira, pois é impossível conceber uma idéia sem que a impressão que lhe é correspondente tenha sido de antemão apresentada ao indivíduo. Cada idéia simples que concebemos em nosso intelecto é, portanto, forçosamente copiada de uma impressão semelhante. Desse modo, nos diz Hume, as idéias não existem como operações puramente conceituais geradas pelo intelecto, mas sim como um processo cognitivo que se fundamenta em impressões sensíveis. Com efeito, a privação de um órgão dos sentidos não permite que as idéias a ele relacionadas se formem na mente: “Um cego não pode ter noção das cores, nem um surdo dos sons. Restitua-se a qualquer um deles o sentido em que é deficiente e, ao se abrir esse novo canal de entrada para suas sensações, também se estará abrindo um canal para as idéias, e ele não terá dificuldades para conceber esses objetos” (Ibid., Seção 2, pág. 26-27). Tais exemplos, assevera Hume, tornam patente o Princípio de Cópia que regula nossos mecanismos cognitivos, uma vez que demonstram claramente que as impressões precedem as idéias na mente.
Hume ainda irá fazer uma distinção entre as impressões de sensação e as impressões de reflexão. Ao sustentar que as impressões de reflexão têm origem nas idéias, o filósofo escocês aparentemente entra em contradição com a tese que afirma a precedência na mente das impressões em relação às idéias. Todavia, tal contradição acaba por não se verificar, pois Hume acredita que as impressões originais da mente são impressões de sensação, descrevendo a origem das impressões de reflexão nos seguintes termos:
Podemos constatar que as impressões de reflexão são antecedidas tão somente por suas idéias correspondentes, uma vez que são posteriores às impressões de sensação, derivando-se delas. Para Hume, portanto, toda impressão de reflexão deriva de uma impressão de sensação precedente.
Retornando à distinção estabelecida por Hume entre percepções simples e complexas, passaremos a considerar agora a questão das idéias complexas. Escreve o filósofo:
Por intermédio da capacidade criadora da mente humana, as idéias simples, por conseguinte, se associam para formar idéias complexas, podendo regressar, pelo mesmo processo, a seu estatuto inicial de idéias simples, ou então serem mais uma vez reunidas em diferentes combinações, dando vida a novas idéias complexas. Todavia, ainda que a imaginação seja livre para unir ou separar idéias simples, é evidente que o encadeamento de idéias na mente, ao se constituir como processo cognitivo necessariamente inteligível e passível de transmissão, deve possuir certa regularidade e se pautar por certo método. As operações da imaginação obedecem, portanto, a certas normas que as regularizam. Essas normas são os princípios de associação entre as idéias, classificados por Hume em três categorias fundamentais: semelhança, contigüidade no tempo e no espaço e causalidade. Segundo o filósofo escocês, uma idéia provoca na mente a existência de outra idéia que é ou semelhante, ou contígua, ou um efeito desta idéia original. Hume pretende, ao investigar os três princípios de associação de idéias, estabelecer as bases em que se fundamenta a mecânica operacional da mente humana.
Como dissemos anteriormente, o filósofo escocês, ao propor sua Teoria das Idéias, determina as duas diretivas primordiais de seu empirismo. A primeira delas tem em vista o estabelecimento de um instrumento preciso para esclarecer o emaranhado de equívocos da Metafísica. Observemos como o filósofo escocês descreve, com fina ironia, as discussões metafísicas em uma passagem do Treatise:
(...) A questão mais trivial não escapa à controvérsia, e para as questões mais importantes não somos capazes de formular alguma solução definitiva. As disputas multiplicam-se, como se tudo fosse incerto; e estas disputas são conduzidas com enorme exaltação, como se tudo estivesse certo. No seio de todo este vozerio não é a razão que recebe o prêmio, mas a eloqüência; e ninguém deve perder a esperança de granjear adeptos para a mais extravagante das hipóteses, se possuir habilidade suficiente para representá-la com cores agradáveis. A vitória não é conquistada pelos guerreiros, que manejam a lança e a espada; mas pelos tambores, trombeteiros e músicos do exército.
Cá examinaremos, diletos confrades, a formulação do Problema da Indução no pensamento de David Hume O filósofo escocês publicou seu primeiro estudo sobre a referida questão em seu Treatise of Human Nature (3 volumes, 1739-40), relacionando-a com o problema da causalidade, e asseverando que de nossa experiência sensível não podemos estabelecer nenhuma conexão necessária entre os fatos. Antes de passarmos ao exame propriamente dito das concepções humeanas acerca do raciocínio indutivo, faz-se mister, a meu juízo, que levemos a cabo uma breve exposição dos argumentos e princípios constitutivos de sua Teoria das Idéias.
Na introdução de seu Treatise, Hume afirma que o conhecimento científico se relaciona intrinsecamente com a natureza humana, uma vez que as ciências “dependem do discernimento dos homens, e são julgadas por suas capacidades e faculdades” (Treatise of Human Nature, Introdução) O filósofo escocês, atestando a existência de uma interdependência necessária entre as ciências e as faculdades intelectuais do Homem, estabelece que a validade dos ramos particulares do Conhecimento, bem como do próprio Conhecimento em si mesmo, somente pode ser determinada a partir de um estudo sobre a natureza constitutiva de nossos processos cognitivos. Em outras palavras: a elaboração de uma teoria naturalista acerca da cognição humana é, no entender de Hume, condição sine qua non para a compreensão dos processos operacionais que norteiam qualquer investigação de natureza científica ou filosófica. Tal investigação se configura justamente no esclarecimento da origem das idéias e dos princípios operacionais que governam o raciocínio humano, isto é, no desenvolvimento de uma Teoria das Idéias capaz de fundamentar as diferentes ciências concebidas pelo Homem. Com a elaboração da supracitada teoria, Hume irá estabelecer as diretrizes básicas de sua filosofia empirista: a formulação de um parâmetro consistente de refutação das concepções metafísicas e a elaboração uma teoria explicativa, de cunho naturalista, para a credibilidade que conferimos aos juízos baseados em inferências indutivas. É a partir de uma explanação acerca das origens das idéias e de seus processos de associação que Hume irá, portanto, erigir os alicerces de seu pensamento crítico.
Na abertura da seção 2 de seu An Enquiry concerning Human Understanding (1748), livro onde o autor resume/reformula os conceitos apresentados na primeira parte (Of Understanding) do Treatise, Hume enuncia a noção primordial que irá nortear suas reflexões sobre o conhecimento humano:
Todos admitirão prontamente que há uma considerável diferença
entre as percepções da mente quando um homem sente a dor
excessiva ou o prazer de uma tepidez moderada, e quando traz mais
tarde essa sensação à sua memória, ou a antecipa pela sua
imaginação. Essas faculdades podem imitar ou copiar as percepções
dos sentidos, mas jamais podem atingir toda a força e vivacidade da
experiência original.
Constata-se, pois, que o filósofo escocês apresenta os conteúdos da mente separados em duas espécies de percepções: impressões e idéias. O critério que nos permite fazer a distinção entre as percepções da mente radica em nossa própria experiência pessoal, quando percebemos a nítida diferença entre sentir alguma coisa e pensar sobre alguma coisa. Portanto, as impressões são nossas percepções mais vigorosas, nítidas e intensas, dados fornecidos pelos sentidos tanto internos, como na percepção de um estado de ânimo, quanto externos, como na visão de uma paisagem. As idéias, por sua vez, são modalidades de percepção mais tênues e sutis, que se constituem como representações da memória de nossas impressões.
As percepções, acrescenta David Hume, se apresentam ainda como simples ou complexas; as percepções simples não admitem distinção ou separação, ao passo que, ao contrário, as percepções complexas podem ser divididas em partes, uma vez que resultam da união de percepções simples. Na dinâmica do pensamento, nossas idéias se associam a impressões correspondentes. Tal correspondência, vale dizer, se restringe às idéias e impressões simples, já que as idéias complexas nem sempre correspondem às impressões. No entanto, e este é um ponto crucial na argumentação de Hume, toda idéia simples deriva necessariamente de uma impressão simples correspondente. As idéias simples, portanto, se configuram, no processo cognitivo, como cópias de impressões simples. Se pretendemos, por exemplo, ensinar a alguém o que é a madeira, é preciso que proporcionemos ao indivíduo em questão, apresentando-lhe algum objeto feito de madeira, uma impressão da madeira, pois é impossível conceber uma idéia sem que a impressão que lhe é correspondente tenha sido de antemão apresentada ao indivíduo. Cada idéia simples que concebemos em nosso intelecto é, portanto, forçosamente copiada de uma impressão semelhante. Desse modo, nos diz Hume, as idéias não existem como operações puramente conceituais geradas pelo intelecto, mas sim como um processo cognitivo que se fundamenta em impressões sensíveis. Com efeito, a privação de um órgão dos sentidos não permite que as idéias a ele relacionadas se formem na mente: “Um cego não pode ter noção das cores, nem um surdo dos sons. Restitua-se a qualquer um deles o sentido em que é deficiente e, ao se abrir esse novo canal de entrada para suas sensações, também se estará abrindo um canal para as idéias, e ele não terá dificuldades para conceber esses objetos” (Ibid., Seção 2, pág. 26-27). Tais exemplos, assevera Hume, tornam patente o Princípio de Cópia que regula nossos mecanismos cognitivos, uma vez que demonstram claramente que as impressões precedem as idéias na mente.
Hume ainda irá fazer uma distinção entre as impressões de sensação e as impressões de reflexão. Ao sustentar que as impressões de reflexão têm origem nas idéias, o filósofo escocês aparentemente entra em contradição com a tese que afirma a precedência na mente das impressões em relação às idéias. Todavia, tal contradição acaba por não se verificar, pois Hume acredita que as impressões originais da mente são impressões de sensação, descrevendo a origem das impressões de reflexão nos seguintes termos:
Uma impressão atinge primeiramente nossos sentidos, e nos faz
perceber calor ou frio, sede ou fome,prazer ou dor. Desta
impressão existe uma cópia retida pela mente, que permanece
após a impressão cessar; isto corresponde ao que chamamos
de idéia. Esta idéia de prazer ou dor, quando retorna à mente,
produz as novas impressões de desejo e aversão, esperança e
medo, que podem ser apropriadamente denominadas como
impressões de reflexão, uma vez que se derivaram de uma idéia.
As impressões de reflexão são então copiadas pela memória e
pela imaginação, dando origem, por sua vez, a novas impressões
e idéias.
Podemos constatar que as impressões de reflexão são antecedidas tão somente por suas idéias correspondentes, uma vez que são posteriores às impressões de sensação, derivando-se delas. Para Hume, portanto, toda impressão de reflexão deriva de uma impressão de sensação precedente.
Retornando à distinção estabelecida por Hume entre percepções simples e complexas, passaremos a considerar agora a questão das idéias complexas. Escreve o filósofo:
Nada, à primeira vista, pode parecer mais ilimitado que o pensamento
humano, que não apenas escapa a todo poder e autoridade dos
homens, mas está livre até mesmo dos limites da natureza e da
realidade. Formar monstros e juntar as mais incongruentes formas e
aparências não custa à imaginação mais esforço do que conceber
os objetos mais naturais e familiares (...) Mas embora nosso
pensamento pareça possuir essa liberdade ilimitada, um exame
mais cuidadoso nos mostrará que ele está, na verdade, confinado
a limites bastante estreitos, e que todo esse poder criador da mente
consiste meramente na capacidade de compor, transpor, aumentar
ou diminuir os materiais que os sentidos e a experiência nos
fornecem. Quando pensamos em uma montanha de ouro, estamos
apenas juntando duas idéias consistentes, ouro e montanha,
com as quais estávamos anteriormente familiarizados.
Por intermédio da capacidade criadora da mente humana, as idéias simples, por conseguinte, se associam para formar idéias complexas, podendo regressar, pelo mesmo processo, a seu estatuto inicial de idéias simples, ou então serem mais uma vez reunidas em diferentes combinações, dando vida a novas idéias complexas. Todavia, ainda que a imaginação seja livre para unir ou separar idéias simples, é evidente que o encadeamento de idéias na mente, ao se constituir como processo cognitivo necessariamente inteligível e passível de transmissão, deve possuir certa regularidade e se pautar por certo método. As operações da imaginação obedecem, portanto, a certas normas que as regularizam. Essas normas são os princípios de associação entre as idéias, classificados por Hume em três categorias fundamentais: semelhança, contigüidade no tempo e no espaço e causalidade. Segundo o filósofo escocês, uma idéia provoca na mente a existência de outra idéia que é ou semelhante, ou contígua, ou um efeito desta idéia original. Hume pretende, ao investigar os três princípios de associação de idéias, estabelecer as bases em que se fundamenta a mecânica operacional da mente humana.
Como dissemos anteriormente, o filósofo escocês, ao propor sua Teoria das Idéias, determina as duas diretivas primordiais de seu empirismo. A primeira delas tem em vista o estabelecimento de um instrumento preciso para esclarecer o emaranhado de equívocos da Metafísica. Observemos como o filósofo escocês descreve, com fina ironia, as discussões metafísicas em uma passagem do Treatise:
(...) A questão mais trivial não escapa à controvérsia, e para as questões mais importantes não somos capazes de formular alguma solução definitiva. As disputas multiplicam-se, como se tudo fosse incerto; e estas disputas são conduzidas com enorme exaltação, como se tudo estivesse certo. No seio de todo este vozerio não é a razão que recebe o prêmio, mas a eloqüência; e ninguém deve perder a esperança de granjear adeptos para a mais extravagante das hipóteses, se possuir habilidade suficiente para representá-la com cores agradáveis. A vitória não é conquistada pelos guerreiros, que manejam a lança e a espada; mas pelos tambores, trombeteiros e músicos do exército.
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