Alphonse van Worden - 1750 AD
A escola de pensamento político que se desenvolveu na Inglaterra dos anos 30-40 em torno a figuras como James Burhnam, Dwight McDonald, Max Schatchman, Herbert Read, George Orwell, dentre outros, é sem dúvida uma das correntes mais interessantes do pensamento heterodoxo de esquerda no século XX (ainda que, exceção feita à ficção orwelliana, lamentavelmente seja uma das menos conhecidas na atualidade). O único autor entre os citados a alcançar notoriedade foi justamente George Orwell, sobretudo em função de sua mestria ímpar na arte de converter algumas das principais concepções do grupo em ficção literária de primeira ordem. Todavia, autor que tenciono abordar no presente artigo é James Burnham (1905-1987). Pensador político, publicista e, durante a mocidade, ativista de esquerda, o anglo-americano Burnham foi um dos fundadores do Socialist Workers Party na década de 30, um partido comunista anti-stalinista de orientação trotskista; nosso autor, entretanto, logo se afastaria desta facção, tornando-se progressivamente mais pessimista no que concerne às possibilidades de êxito de uma revolução socialista. Ulteriormente, Burnham adotaria posições cada vez mais conservadoras, tendo inclusive trabalhado para o OSS (Office of Strategic Services, a agência de inteligência norte-americana anterior à CIA) durante a II Guerra Mundial; nas décadas de 50 e 60, foi ativo colaborador da National Review, a mais importante publicação do pensamento conservador nos EUA; por fim, em 1983, chegou a ser condecorado pelo presidente Ronald Reagan, sendo-lhe outorgada a Medal of Freedom. Saliente-se, aliás, que a trajetória política de Burnham, malgrado pareça assaz idiossincrática, é (se calhar emblematicamente...) compartilhada por outros grandes corifeus do neoconservadorismo americano, tais como Irving Kristonl, Norman Podhoretz, Whittaker Chambers, etc.
A obra capital de Burnham é indubitavelmente The Managerial Revolution (1941), volume que tive a ventura de conhecer este ano. Ainda que de alguma maneira influenciado por The Revolution Betrayed (1937), livro axial de Trotsky a respeito do processo de degenerescência burocrática stalinista, o pensador anglo-americano chegará, contudo, a conclusões bastante distintas, caudatárias tanto da teoria da ‘circulação das elites’, formulada pelo economista italiano Vilfredo Pareto, quanto da concepção da ‘lei de ferro da oligarquia’, proposta pelo sociólogo alemão Robert Michels. Burnham assevera que o capitalismo privado estava irremediavelmente fadado a desaparecer, mas que não seria substituído pelo socialismo, e nem tampouco por qualquer outro sistema político-econômico de jaez democrático: a humanidade estava fadada a padecer sob o tacão de regimes totalitários controlados pelo que o autor denomina ‘elite administrativa’, isto é, por estamentos burocráticos de índole tecnocrata à testa de países como URSS stalinista, a Alemanha nazista e o Japão militarista. Para Burnham, os regimes de livre iniciativa, necessariamente convulsionados por uma multiplicidade de interesses contraditórios, não seriam capazes de resistir à maior eficácia gerencial do ‘coletivismo oligárquico’; assim sendo, a perspectiva democrática seria tão somente uma miragem, asfixiada inelutavelmente pela ‘circulação das elites’, cuja mera alternância formal no poder estava garantida em caráter permanente pela ‘lei de ferro da oligarquia’, ou seja, pela impossibilidade histórica de instaurar um modelo de sociedade onde o governo não esteja submetido a uma classe dominante.
Em linhas gerais, a análise burnhaniana estrutura-se portanto a partir de 3 paradigmas centrais:
a) a impossibilidade 'ontológica' do socialismo, uma vez que a própria natureza inerente a todo processo revolucionário exige, para que a estrutura de poder anterior seja completamente aniquilada, uma hipertrofia crescente do aparato estatal, até o ponto em que tal dinâmica se torna irreversível, promovendo assim, por intermédio da ‘lei de ferro da oligarquia’, uma nova ‘circulação das elites’;
b) a incapacidade sistêmica do capitalismo privado, tendo em vista sua dinâmica essencialmente caótica, em competir com a racionalidade gerencial do ‘coletivismo oligárquico’ e suas ‘elites administrativas’;
c) a emergência de três super-estados totalitários de proporções continentais, no bojo da ascensão do ‘coletivismo oligárquico’ como único modo de produção viável na contemporaneidade.
A primeira hipótese a meu juízo ainda permanece em aberto, malgrado seja triste, mas necessário mister, admitir que a História até o momento vem dando razão a Burnham.
No que concerne a (b), se a evolução tecnológica ulterior demonstrou que o autor estava equivocado em termos estritamente econômicos, bem como no que se refere ao liberalismo como modelo de organização social, o mesmo não ocorre se deslocarmos o ângulo de avaliação para o terreno político, uma vez que a lógica do ‘coletivismo oligárquico’ está claramente embutida no complexo industrial-militar estadunidense, bem como na falsa dicotomia entre republicanos e democratas, que encarna de modo exemplar a noção de ‘circulação das elites’; a UE, por sua vez, controlada por uma burocracia governamental que se arroga em autoridade ‘iluminista’ capaz de proporcionar harmonia social e a ‘paz perpétua’ kantiana, tampouco está distante do modelo previsto por Burnham. Ressalte-se, aliás, que mesmo em se tratando da questão econômica, o keynesianismo pragmático vigente tanto nos EUA quanto na Europa não deixam de conferir significativo lastro às conclusões do teórico anglo-americano.
A terceira hipótese, enfim, está mais do que confirmada pela consolidação dos blocos de poder, áreas de ‘livre comércio’ e zonas de cooperação econômica em todo o planeta. UE, NAFTA, ASEAN, etc. correspondem cada vez mais aos super-estados prefigurados por Burnham, tanto no que se refere à sua estrutura político-administrativa quanto em termos de modelo econômico. Vale dizer, en passant, que esta concepção exerceu influência considerável sobre Orwell, fornecendo o arcabouço estrutural para a Oceania, a Lestásia e a Eurásia, as três superpotências totalitárias que controlam o mundo desenhado pelo escritor inglês. Lembremos também que Teoria e Prática do Coletivismo Oligárquico, o book within the book concebido por Orwell para explicar os pressupostos políticos, econômicos, sociais, filosóficos, culturais e psicológicos que balizam os credos ideológicos imperantes nos três super-estados – Ingsoc (Oceania), ‘Neobolchevismo’ (Eurásia) e ‘Obliteração do Ego’ (Lestásia) - , é nitidamente uma brilhante paródia/homenagem à obra máxima de Burnham.
segunda-feira, outubro 03, 2005
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